UM EPISÓDIO INFAME - Narrativa de horror. Narrativa histórica. Autor anônimo do século XX.
UM
EPISÓDIO INFAME
Autor
anônimo do século XX
Uma
manhã, os cossacos de Yaremni receberam a notícia de que os guardas vermelhos
avançavam. Como não se sentissem suficientemente fortes para o combate,
decidiram abandonar o povo. Temiam ser fuzilados sumariamente como soldados
inimigos.
—
E as mulheres e as crianças? — perguntava-se.
Ao
fim de muitas horas, gastas em deliberações, todas infrutíferas, ficou
resolvido que deixariam o povo, as mulheres e as crianças. Todos refletiam que
não fariam mal nenhum às pessoas indefesas.
Retiram-se,
pois, os cossacos.
Na
manhã do dia seguinte, apareceu uma centena de vermelhos, comandados por um
homem gordo e imbecil, que era o comissário.
O
povo parecia morto. Todas as mulheres e crianças haviam-se recolhido às casas e
a cidade não tinha o menor movimento. Os vermelhos esperaram cinco minutos.
Como não aparecesse ninguém ao cabo desse tempo, eles deram início ao saque das
casas. Nas adegas, embriagavam-se com todo o vinho e a vodca que conseguiam
encontrar. Depois de bêbados, foram-se às mulheres.
O
comissário escolheu uma jovem formosa e loura; era a esposa do padre. Os seus
comandados, cada um deles tomou conta de uma mulher, escolhendo-as sempre
dentre as mais belas e jovens. Só se ouviam gritos e prantos que, mesmo de
longe, enchiam a atmosfera, como se houvesse ali um inferno.
Algumas
mulheres opuseram aos bandidos uma resistência desesperada. Estas, depois de
serem violadas várias vezes, eram assassinadas a ponta de lança.
Uma
criancinha, ao ver um vermelho castigar a sua mãe, tentou defendê-la, mordendo
a mão do bruto. Então o homem segurou a pobre pelas frágeis perninhas e matou-a
rachando-lhe a inocente cabeça de encontro a uma parede…
Uma
jovem enlouqueceu, cheia de terror. Gargalhava, no seu delírio, gritando coisas
estranhas, coisas incompreensíveis. Os seus gritos e gargalhadas perturbavam a
alegria dos soldados.
—Mata
essa doida — diziam eles para o companheiro que a tomara para sua amante.
—Oh,
não! — respondia ele. — Uma criatura tão bela…
Enfim,
cedeu às insistências dos outros. Matou a pobre mulher enlouquecida com um tiro
na espádua.
Quando
rompeu a manhã do dia seguinte, os vermelhos abandonaram o povo, depois de uma
noite inteira de orgia. Cada um deles levava de garupa uma mulher. As que
tentavam resistir iam amarradas a cordas.
O
bando seguiu tranquilamente, compassada a marcha pelo rumor do trote dos
amimais.
De
repente, na entrada de um bosque, ouviram-se alguns tiros.
Era
uma emboscada preparada por um destacamento dos guardas brancos.
O
pânico que se produziu foi indescritível. Os vermelhos, pondo fora os fuzis e
deixando os cavalos, fugiram à carreira, embrenhando-se na floresta. Os
brancos, porém, conseguiram alcançá-los. Amarrados, desarmados, lívidos,
pressentindo a aproximação iminente da morte, punham-se eles de joelhos,
implorando perdão.
Mas
tudo foi debalde.
—
Vingança! Vingança! — gritavam as mulheres.
E
se entregaram a martirizar os vermelhos, com um delírio verdadeiramente
voluptuoso, arrancando-lhes a pele, cortando-lhes os dedos, decepando-lhes
lentamente as orelhas, o nariz, os olhos…
Satisfeita
a sede de vingança, foram mortos todos os vermelhos.
Daí
por diante o povo de Yaremni foi definitivamente abandonado pelos cossacos.
Eles tinham a certeza de que os bolcheviques se vingariam cruelmente. Assim,
preferiram abandonar os seus lares.
Yaremni
já não existe. No seu lugar há, apenas, um grande, ameaçador deserto…
Quantos
povos russos estarão no mesmo caso de Yaremni?
Fonte: Pacotilha (MA), edição de 26 de janeiro de
1921.
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