VAMPIRO NA SALA DE ESTAR - Conto de Terror - Arnaud Mattoso



VAMPIRO NA SALA DE ESTAR



Joseph Stalker atravessou a sala em direção à porta entreaberta. Em seu caminho, móveis revirados e sangue pelo chão e parede. O vento sopra pela fresta e o ar seco chega às narinas do homem. Ele precisa sair da casa. A sombra de um lobo passa pela janela em direção ao quintal do imóvel. Agora Stalker sabe o que houve e não quer esperar para ver. Tropeça e cai de costas sobre o corpo de uma mulher. Cambaleia e corre até a porta que se fecha. Torce a maçaneta. Balança. A fechadura não abre. Ele vira as costas para a porta. Mantém a arma em punho. O bólido treme nas mãos apontadas para frente. Tenta abrir a fechadura com a mão esquerda. Escorrega o corpo na parede até a janela de vidro e alumínio. O trinco não roda. O sofá está virado a dois metros na diagonal. O corpo da mulher está ao lado, de bruços com os braços estendidos e uma poça de sangue na região da cabeça. Os cabelos longos estão ensopados e empapados do líquido vermelho. Ela está nua. É branca como nuvem e tem as nádegas avermelhadas. As coxas são firmes e largas no quadril. Há marcas roxas e arranhões compridos nas costas. O espelho está quebrado no chão. A televisão está ligada num programa de calouros de música, mas está sem som. O policial Joseph planeja a fuga. O carro está na frente da casa e ele precisa apenas chega nele para ligar e pedir reforço. Não sabe com o que está lidando. Não é humano. Nada do que já tenha visto em sua carreira de três décadas como policial se assemelha a isto. Já viu mortes violentas e corpos mutilados, mas isto é diferente. Faltam seis meses para se aposentas, aos cinquenta e cinco anos, perdendo trinta por cento da aposentadoria. Maldita reforma da previdência. Deveria se aposentar com o salário integral, mas chegou ao limite da tolerância nessa atividade de risco. Não quer envelhecer como se cada dia fosse o último. Já viu de tudo. Esteve de frente com a morte, em coma, vinte dias da UTI. Agora está enrascado nesta situação com uma criatura que não sabe identificar. Um assassino serial killer que deixa marcas no pescoço e retira os olhos das vítimas. Não acredita em vampiros, mas o corpo trucidado da mulher no chão o faz rever teorias, enquanto planeja a própria sobrevivência. Ao receber a ocorrência de gritos na madrugada daquele domingo, achou que fosse mais uma briga de casal. Encontrou a porta entreaberta. Chamou e entrou cauteloso com a arma em punho. A luz apagada o impediu de ver com detalhes a criatura deitada em meio à bagunça da sala. Ao acender o interruptor, o monstro se desfez como nuvem de fumaça para o interior do imóvel.
Não é humano. Não é algo que já tenha combatido. Resolveu sair para pedir ajuda e agora está preso na casa. Não há ninguém, mas nunca uma ausência se fez tão presente. É possível sentir o cheiro do sangue da mulher no chão. Também é possível sentir o forte cheio acre de esgoto e azedo. Como enxofre quente fervido ao sol. Sente náusea e o medo de desmaiar a qualquer momento o aflige. Há seis meses o departamento de polícia do bairro vem trabalhando para descobrir quem é o matador em série de mulheres. Fichas de ex-presidiários foram levantadas. As investigações não chegaram à conclusão alguma, mas a violência das marcas de mordidas no pescoço e os arranhões pelo corpo feitos por garras afiadas sugerem um assassino perigoso. Um ruído no interior da casa faz Joseph se virar. Então ele vê o que a mente nunca o deixará esquecer: o vampiro a dois metros de distância, suspenso no ar. O monstro não esboça reação. Apenas observa o policial enrolado numa capa preta como um morcego gigante. Tem os cabelos negros escovados para trás e dois caninos à mostra sobre os lábios inferiores. O experiente policial aponta a arma e o encara. Não vai atirar a menos que seja atacado. Não vai fugir, nem se mostrar temeroso. Aprendeu em seus anos de luta que o medo preserva a vida, mas o pânico mata os fracos. Com as costas na parede, o policial se afasta da aparição sobrenatural que continua impávido colado ao teto sem tirar os olhos dele. Joseph duvida que as balas de um revólver Taurus 88 .38 possam causar danos à criatura. Precisa pensar numa estratégia de sobrevivência, não a de ser herói morto junto ao cadáver da mulher. Retorna à porta da sala que continua trancada. A única saída da sala é onde está o vampiro suspenso no ar; e tudo o que Joseph não quer é se aproximar. Esgueira-se à porta da cozinha, mas o vampiro voa sobre ele e se posiciona em pé, no chão ao lado da porta. O policial observa a criatura sobrenatural. Tem dois metros de altura. É magro como uma árvore seca. O rosto afilado e comprido no queixo é fora de qualquer padrão de beleza humana. Os cabelos longos e escuros espalham-se pela capa sobre os ombros. Mas são os olhos que hipnotizam o policial. É impossível não se deixar levar pela atração doentia daquele olhar e das olheiras empapadas. O olhar de quem não tem pressa; observa, aguarda, espera. Como se tivesse o tempo universal do mundo para agir. Paralisado de medo e êxtase, o policial enfraquece e sente a cabeça rodar. A visão escurece e o policial desmaia deixando a arma cair alguns metros para longe do corpo. O vampiro esboça um sorriso irônico, enquanto se aproxima do corpo. Caminha por cima, saltando os pés sobre o policial estendido no chão. Olha o cenário de guerra, destruição e morte; e sente-se bem. A noite está chegando e é hora de partir para outra missão. Há uma vida pela frente e muitas mortes no caminho dessa existência. Está nisso há muito tempo e não sabe se haverá o dia de parar. De certa maneira, esse fardo lhe cansa. A vida eterna é longa demais para ser aproveitada. Mas a sobrevivência da morte lhe impõe a sina. Precisa de sangue para continuar morto-vivo. O céu escurece por fora da casa. É hora de voar.


Arnaud Mattoso é jornalista e escritor pernambucano nascido no Recife. Vencedor de dois prêmios literários na Academia Pernambucana de Letras. Tem de dez livros publicados de ficção e não ficção literária. O autor gosta de mar, sol, cães, gatos e afins, de tocar, compor, ler e ver filmes.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A MÁSCARA DA MORTE ESCARLATE - Conto de Terror - Edgar Allan Poe

O RETRATO OVAL - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

NO CAMPO DE OLIVEIRAS - Conto Trágico - Guy de Maupassant

O CORAÇÃO DELATOR. Conto clássico de terror. Edgar Allan Poe