O VAMPIRO QUE ODIAVA OS SOCIALISTAS - Conto de Terror - Laisa Ribeiro do Couto
(Laisa Ribeiro do Couto – Menção Honrosa
no Concurso Bram Stoker de Contos de Terror)
Em tempos como esses é que eu gosto de escrever sobre o
passado. Relembrá-lo. Tempos em que a tecnologia tomou conta de tudo. Ela já
inventou coisas como a Netflix e cachorros robóticos. Não que nós tenhamos algo
contra isso, eu e o Raul. Durante todos esses séculos, fomos nos adaptando a
tantas mudanças, climas, tecnologias. Ainda me lembro quando vimos um telefone
pela primeira vez. Nos primeiros anos do século XX. Vivíamos na Europa naquela
época. Desde que o Raul me mordera e me transformara em uma vampira, fomos
vivendo em todos os continentes existentes. Em meio ao tédio da eternidade,
brincávamos de descobrir qual era o nosso favorito.
A única coisa que eu tenho certeza é do ano e país favorito.
Rússia, 1917. Fora lá que Raul encontrara sua vítima favorita, Alexei Romanov,
o grão-duque russo. Acho que o fato de sugar o sangue de um herdeiro de um
império fazia bem ao ego do Raul. Naquela época, comecei a conhecer os
trabalhos de Freud. Sempre foi uma curiosidade minha adaptar as ideias
freudianas às nossas vidas de vampiros. Sentíamos e agíamos movidos pelos
mesmos instintos que os seres humanos? Eu fora transformada há tanto tempo que
me agarrava a essa linha tênue, tentando achar um sentido para estar no mundo.
Além de acompanhar Raul. E observar seus olhos vermelhos e a forma como gostava
de assustar Alexei, ficando parado em sua porta, apenas o olhando. O menino
ficava paralisado, como se estivesse preso em um sonho. Tentava gritar, mas não
conseguia. Sentíamos o cheiro do seu medo há quilômetros.
Além de sua vida cheia de luxo e a ironia em sugar a vida de
algo tão cheio de riqueza, Alexei era a vítima perfeita, pois era vítima de
hemofilia. Qualquer sangramento fazia com que o sangue escorresse como uma
cachoeira sem início ou fim. O sangue parecia eterno. Raul era cruel. Fazia
isso de propósito. Gostava de esperar o momento em que Alexei estivesse melhor.
Raspútin, o curandeiro da família Romanov, estava em seu poder também. Assim
que via o garoto brincando, com seu casaco de pele luxuoso, no jardim, logo o
hipnotizava, sugava todo o seu sangue e o deixava, à deriva, no jardim. O
sangue escorria pela neve russa deixando uma marca rubra, assim como Raul
deixava uma marca no garoto.
A czarina era extremamente religiosa. Assim que ouvira o
filho falando sobre um homem vestido de negro que lhe sugava a vida, ela logo
achou que era um demônio. Ela quase acertou. Raul era algo próximo disso. Ele
ria silenciosamente quando via Alexandra chorar. Seus olhos vermelhos riam.
Fazer o czar Nicolau sofrer era apenas um hobby para o vampiro.
O maior inimigo de Raul não fora a estaca de madeira ou a
luz do sol. Fora a revolução socialista. Não que ele seja a favor do
capitalismo, da monarquia ou qualquer outro tipo de sistema inventado pelos
seres humanos. Quando Donald Trump foi eleito, Raul apenas bocejou. Eu disse
que ele era cruel. Os socialistas foram seus inimigos, uma vez que acabaram com
a dinastia Romanov. Mataram Alexei em uma noite em que ele não fora visitá-lo.
Toda a sua diversão de sugar o sangue de um pequeno adolescente com roupas
caras e um status invejável acabara. Ele não via graça alguma em atormentar e
sugar o sangue de Lênin. Por um momento, ele quis ir atrás da monarquia
inglesa, mas já estava cansado disso. Fomos embora da Europa naquele dia.
Laisa
Ribeiro do Couto, natural de São José dos Campos, é graduanda
em Estudos Literários na UNICAMP, com um conto publicado na revista Gueto.
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