A LÁPIDE DA MENTIRA - Narrativa Cássica Cruel - Narrativa Sarcástica - Bram Stoker



A LÁPIDE DA MENTIRA
Bram Stoker
(1847 – 1912)

— Mas — respondi —, seguramente você não está de todo certo quanto ao que disse, já que parte da suposição de que todas essas pobres pessoas, ou seus espíritos, terão que carregar consigo as próprias lápides no Dia do Juízo. Você acha que isso será realmente necessário?

— Bem, para que mais servem as lápides? Responda-me isso, senhorita!

— Para agradar a seus parentes, suponho.

— Para agradar a seus parentes, você supõe! — disse o velho, com uma entonação de intenso desprezo. — Como podem os parentes dos mortos sentir algum prazer, mesmo sabendo que tudo o que se escreve nas lápides não passa de mentiras, e que todo mundo aqui, neste lugar, sabe que são de fato mentiras?

Ele apontou para uma pedra aos nossos pés, que havia sido colocada à guisa de lápide, e sobre a qual o nosso banco descansava, próximo à margem do penhasco.

—Leiam as mentiras que estão sobre esta lápide — disse ele.

De onde eu estava sentada, as letras apareciam de cabeça para baixo. Lucy, porém, estando de frente para a inscrição, inclinou-se e leu:

À sagrada memória de George Canon, que morreu, na esperança de uma gloriosa ressureição, em 29 de julho de 1873, ao cair dos rochedos em Kettleness. Este túmulo foi erigido por sua pesarosa mãe para o seu filho amado. Ele era o único filho de uma mãe viúva. —Realmente, Sr. Swales, não vejo nada de muito engraçado nisso!

Ela fez este comentário com uma expressão muito grave e um tanto severa.

—Ah, você não vê nada de engraçado nisto! Ha! ha! Mas isso é porque você não sabe que essa mãe pesarosa era na verdade uma bruxa que odiava o filho, por ser ele um incapacitado — e, lamentavelmente, ele o era —; já o filho a odiava de tal maneira que cometeu suicídio somente para impedi-la de receber o pagamento do seguro que ela fizera sobre a vida dele. Ele fez voar o topo da própria cabeça com uma velha escopeta que eles usavam para afugentar os corvos. Mas, naquela ocasião, ele não atirou para assustar os corvos, senão para atrair a si as moscas-de-cavalo[1] e as gralhas-pretas[2]. Foi assim que ele despencou dos rochedos. E, quanto às esperanças de uma gloriosa ressurreição, eu o ouvi muitas vezes dizer, senhorita, que preferia ir para o inferno, pois sua mãe era tão piedosa que seguramente iria para o céu, e ele não queria jazer onde ela estaria.  Agora, diga-me — ele golpeava a lápide com a bengala enquanto falava —: isto não é um monte de mentiras? E isto não fará Gabriel[3] gargalhar quando, ofegante, Geordie chegar-lhe, com a lápide equilibrada na corcunda, pedindo que a inscrição lhe sirva como prova?

Eu não sabia o que responder, mas Lucy mudou rumo da conversa quando, levantando-se, disse:

— Oh, por que você nos contou isso? É meu assento favorito e eu não posso abandoná-lo; e agora descubro que devo continuar sentando-me sobre o túmulo de um suicida.

— Isso não vai lhe fazer mal algum, minha linda; e pode fazer o pobre Geordie mais feliz por ter uma moça tão formosa em seu colo...


A presente narrativa é um excerto do capítulo VI de Drácula. Tradução de Paulo Soriano.



[1] As moscas-de-cavalo são assim chamadas porque costumam pousar nas bordas das feridas dos cavalos para sugar-lhes o sangue.
[2] As gralhas-pretas, aves da família dos corvos, alimentam-se frequentemente de cadáveres de outros amimais.
[3] O autor refere-se ao arcanjo Gabriel, a quem, segundo a tradição cristã, caberá tocar a trombeta, sinalizando os fins dos tempos e anunciando o Juízo Final.

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