O PRIMEIRO - Conto de Horror - Giovani Iemini
O PRIMEIRO
Giovani Iemini
Qual
não foi minha surpresa ao acordar no meio da madrugada e perceber que o ônibus
havia parado no meio da estrada e que os outros passageiros não estavam em
parte alguma. Eu devia ter desconfiado que algo estava errado quando peguei no
sono, dormir durante viagens sempre foi um problema pra mim. Não me recordo do
que sonhei, mas me lembro de ter acordado com um susto, como se soubesse que
algo estava errado.
A
lua emanava uma luz tênue, dando forma às arvores lá fora e invadindo o
interior do ônibus através das frestas por entre as cortinas. As bagagens
estavam nos seus devidos lugares, mas os passageiros haviam desaparecido sem
deixar rastros. O problema é que não havia para onde fugir, ou a quem pedir
ajuda. Eu havia sido deixado sozinho e isso começava a me assustar.
Minha
apreensão logo se transformou em medo quando o ônibus rangeu. O som agudo e
violento invadiu meus tímpanos e cada músculo do meu corpo se contraiu. Tentei
tapar meus ouvidos com as mãos e me esconder sob o assento, mas o som
continuava a me agredir. Quando ele cessou, respirei aliviado. Meu coração
estava acelerado e minhas mãos trêmulas.
Precisava
buscar ajuda o mais rápido possível. Levantei-me e corri em direção à porta,
esbarrando nos assentos mal iluminados. Não havia sinal do motorista, mas isso
não era surpresa. Se ainda não estava claro que não era meu dia de sorte, a
porta trancada serviu para tirar minhas dúvidas.
Queria estar sonhando, mas a dor foi bastante
real quando alguém me puxou pela perna e eu caí, martelando minha cabeça no
chão. A dor dilacerante no meu crânio ofuscou a dor da perna, sendo arrastada
com violência. Minhas tentativas de escapar eram inúteis diante da força
sobre-humana que me puxava pra dentro do ônibus.
Tentei
me segurar nas cadeiras e olhar para o que quer que fosse que me atacava, mas a
fraca luz não me permitia distinguir mais que um enorme vulto passeando pelas
sombras. Enquanto estava sendo arrastado, numa fração de segundo vi uma
oportunidade de contra-ataque. Sem pensar, agarrei a correia de uma das malas e
puxei-a, arremessando a pesada bagagem na direção da criatura.
Meu
plano improvisado funcionou melhor que o esperado. Um barulho abafado veio da
escuridão e logo em seguida minha perna estava livre. Senti ao mesmo tempo um
alívio imediato e uma dor profunda ao tentar afastar a perna. Minha cabeça
ainda latejava e a dor confundia minha visão, impedindo que eu discernisse o
que estava acontecendo ao meu redor.
Minha
audição, no entanto, captou um som que eu conhecia bem. Fui invadido por uma
mistura de sentimentos e memórias. Procurei debaixo dos assentos a origem
daquele tímido choro. Havia uma garotinha assustada em algum lugar do ônibus.
Continuei explorando à procura da garota, até que minha mão tocou o braço da
pobre criatura. Suspirei aliviado. Era reconfortante saber que não estava sozinho
e que poderia proteger uma criança inocente.
"Calma, querida, vai ficar tudo bem. Não
vou te machucar." A garota não respondeu, mas seu choro diminuiu, e isso
era suficiente. Aproximei-me dela e abracei-a, protegendo seu frágil corpo. Não
sabia dizer a cor de seus cabelos, mas seu perfume era doce e suave.
"Vai
ficar tudo bem, querida." Queria poder ter certeza disso. "Como você
se chama? Meu nome é…"
Um
estrondo fez o ônibus estremecer. A garotinha amedrontada me abraçou. Mais uma
batida. Os barulhos eram ritmados e se aproximavam. Tum. Tum. Tum. Por entre os
feixes de luz, uma sombra se acercava. Conforme o som e as trevas se
aproximavam, o ritmo acelerava. Tum, tum. Tum, tum. Tum, tum.
O
som reverberava ao nosso lado num ritmo veloz quando finalmente parou. Sabia
que não fugiríamos dali tão facilmente, mas esse curto silêncio foi suficiente.
Afaguei mais uma vez o cabelo da garota e dei-lhe um delicado beijo em sua
cabeça, antes que algo me puxasse para cima.
"Muito
bem, escória. Pode me olhar nos olhos." Meu malfeitor era um homem adulto,
de barba por fazer e uma expressão hostil. Me levantava alguns centímetros
acima do chão com uma facilidade incrível.
"O
que quer de mim? Pode levar todo meu dinheiro." Não podia deixá-lo chegar
até a inocente garota. "Por favor…"
"Calado, escória. Não é dinheiro que
desejo. Os nomes Alícia, Carla e Michele te soam familiares?" Um calafrio
subiu por minha espinha. Era impossível que soubesse desses nomes. Não
permitiria que esse homem desprezível as desonrasse dessa maneira.
"Já
contei à polícia tudo o que sabia." Seu punho acertou meu rosto em cheio,
meu crânio parecia que ia se romper.
"Não adianta me enganar. Sei tudo sobre
você, eu precisava me certificar. Sabe o que aconteceu com Alícia e Carla
depois do que você fez a elas? Se mataram. E a pequena Michele está até hoje
num instituto, não fala uma palavra desde então."
"E
o que vai fazer a respeito disso? Me matar? Eu ofereci apenas amor verdadeiro e
sincero a essas garotas, fui o único que as aceitou. Elas eram lindas e
imaculadas."
"Cale-se!
Para sua sorte, eu não acredito em execuções, mas também não significa que eu acredite
em nosso atual sistema judiciário. Que tal se eu simplesmente impossibilitar
você de cometer esse erro novamente?"
No
começo eu não senti nada. Acho que a dor veio mesmo depois que eu vi minha
calça ensopada de sangue e meu membro decepado no chão. O homem me carregou
pela camisa e me levou em direção à porta. Eu tentei dar uma última olhada na
linda garotinha indefesa, mas ela não estava mais lá. Ele me arremessou na
grama como se eu fosse apenas um dejeto, deixando-me para sofrer sozinho na
escuridão, banhado em sangue. O meu sangue.
"Tem um telefone de emergência seguindo
dois quilômetros naquela direção. Lembre-se, estou de olho em você. Espero que
tenha entendido a mensagem." Fechou a porta do ônibus e seguiu estrada
abaixo, deixando-me sozinho com as árvores e a tênue luz da lua.
Não me lembro de ter escrito essa história...
ResponderExcluirEste conto foi publicado originalemente, numa varsão anterior de "Contos de Terror", em 14 de março de 2013.
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