AS SOMBRAS DOS ANTEPASSADOS - Conto Clássico Cruel - Vladmir Odoevsky

AS SOMBRAS DOS ANTEPASSADOS

Vladmir Odoevsky

(1803 – 1869)



O filho mais velho de Raya adoeceu.

Sem demora, Raya, de acordo com o costume universal, organizou um suntuoso banquete para apaziguar as sombras dos seus antepassados. Segundo uma antiga lenda, a felicidade e o infortúnio de uma família, a doença e a recuperação dependem dos antepassados. O som dos pífanos e dos pandeiros, os gritos dos alegres convivas fundiram-se aos passos surdos do sofredor.

Um pobre brâmane, passando pelo folguedo, perguntou o motivo da festa e entrou no templo de Raya. Nada de particularmente notável havia naquele brâmane. Distinguiam-se, apenas, a sua aparência humilde, uma linha branca no rosto e um cajado de bambu. Diz a lenda, contudo, que a sabedoria sagrada havia escolhido a mente daquele brâmane como a sua morada. Aproximou-se do doente, fez uma oração silenciosa e levou-lhe aos lábios uma bebida medicinal. O moribundo voltou à vida e um punhado de painço foi atirado ao pobre brâmane. O pai anunciou triunfalmente a recuperação do seu filho a seus pares. Todos juntos louvaram o poder dos antepassados de Raya. A notícia espalhou-se de boca em boca, a fé nas sombras dos antepassados foi reforçada por novas provas… Contudo, vivalma alguma sequer pensou no brâmane.

Menos de dois dias se passaram e outro filho de Raya estava no leito de morte. Mais uma vez, organizou-se uma festa. Os pandeiros tocaram e mais uma vez os passos do doente misturaram-se àqueles sons. Novamente, o pobre brâmane visitou o leito do doente, fez uma oração e ofereceu uma bebida medicinal. Mas Brahma já havia escrito a morte em letras negras na fronte do doente; a pena a que a escrevera já secara e a alma já havia deixado o corpo sofredor.

Eis o assassino do meu filho! — gritou o pai, irritado, para os seus convidas, arrastando o pobre brâmane atrás de si. — Ele o envenenou com a sua beberagem!

E os rumores do acontecido espalharam-se de boca em boca. Todos olhavam para o brâmane como se ele fosse um monstro, fechavam-lhe as portas e ninguém atirava um punhado de painço ao brâmane pela soleira de sua casa.


Versão em português de Paulo Soriano.

 

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