O ESPÍRITO DOS BANHOS - Narrativa Clássica Sobrenatural - São Gregório Magno

O ESPÍRITO DOS BANHOS

São Gregório Magno

(c. 540 – 604)

O Bispo Félix participou-me uma história que lhe fora contada por um virtuoso sacerdote, falecido há dois anos, que era, ao tempo de sua morte, o pároco da igreja de São João, situado num lugar denominado Tauriana.

O padre contou-lhe que costumava se banhar num certo local onde havia água quente. Certa feita, ali encontrou um desconhecido que estava pronto a prestar-lhe serviços, consistentes na ajuda em descalçar-lhe os sapatos, segurar-lhe a roupa e a atendê-lo com toda a diligência.

Depois de o homem ter feito isto várias vezes, o sacerdote pôs-se a pensar em como lhe poderia mostrar gratidão por aquela gentileza, deliberando, enfim, por levar um presente àquele homem.

Trouxe, assim, consigo dois pães eucarísticos e, em chegando aos banhos, encontrou o homem à sua espera. O padre aceitou, como de costume, a ajuda do estranho.

Depois de se ter lavado, vestido e estar pronto para partir, o sacerdote ofereceu a santa recompensa que trouxera, desejando que o homem, de boa vontade, aceitasse aquela dádiva que caridosamente lhe trouxera.

O homem, todavia, com um triste semblante, disse ao sacerdote:

—Por que me dás isto, padre? Este pão é sagrado, mas eu não posso comê-lo. Porque eu, que aqui vês, fui outrora o encarregado destes banhos, mas, agora, após a minha morte, fui designado a permanecer neste lugar, por conta de meus pecados. Se, todavia, tu queres me agradar, oferece este pão ao Deus Todo-poderoso e junto a ele intercede pelos meus pecados. E, assim, saberás que as tuas orações foram ouvidas se, quando voltares, não me encontrares aqui.

E, enquanto falava, desapareceu de repente, de modo que, embora anteriormente parecesse um homem, mostrou, pelo modo de evadir-se, que era um espírito.

Durante toda a semana seguinte, o bom padre rezou com fervor e ofereceu, diariamente, o santo sacrifício que o homem lhe havia pedido. Depois, voltando aos banhos, verificou que homem lá já não mais estava.

Disso se vê o grande proveito que as almas dos defuntos obtêm com o sacrifício da santa oblação, visto que os espíritos dos falecidos o desejam dos vivos, e até dão certos sinais para que possamos compreender como desta maneira eles recebem a absolvição.

Versão em português de Paulo Soriano.