O MORTO-VIVO GANANCIOSO - Conto Clássico de Terror - Yuan Mei

O MORTO-VIVO GANANCIOSO

Yuan Mei

(1716 – 1797)



Em Shaoxin, na província de Zhejiāng, um erudito chamado Wang recebia, então, por suas realizações literárias, arroz do governo por um ano. Foi quando uma família rica de uma vila o contratou como professor.

A casa dos senhores era pequena demais para acomodá-lo, mas, felizmente, havia uma casa nova a cerca de uma milha de distância, à qual os proprietários procuravam um comprador. A família adquiriu a residência e nela instalou professor.

Depois de inspecionar o interior da vivenda, Wang retornou ao portão. Lá, começou a andar para cima e para baixo e a encostar-se na portada. A essa altura, a noite já havia caído e, sob o intenso luar, ele vislumbrou, na colina, um brilhante clarão.

O professor correu em direção à claridade súbita e percebeu que a luminosidade irradiava de um esquife de madeira sem pintura.

Se fosse um fogo-fátuo — disse Wang a si mesmo —, o clarão seria branco, com chamas levemente tingidas de vermelho; será isso, por acaso, a manifestação do espírito do ouro ou da prata?

Rememorou, então, que na “Bagagem do Conhecimento” havia o registro segundo o qual hordas de turcos e hunos, em trajes de luto, carregaram caixões em carros e os enterraram fora da cidade, e que seus perseguidores, ao rastrearem aqueles féretros, encontravam-no repletos de metal amarelo e branco. Esse ataúde não seria algo semelhante? Que sorte que ninguém, além dele, lá estivesse para se apropriar daquele achado!

Tomando uma pedra, o professor martelou os pregos do caixão e forçou a tampa na cabeceira. Mas quão imenso foi o seu horror quando, tendo aberto o ataúde, viu, em seu interior, um cadáver com o rosto lívido e o ventre intumescido!

O corpo usava um chapéu de cânhamo e sandálias de palha, já que era costume, na região de Yue, enterrar, com tais indumentárias, os pais que sobreviveram aos filhos.

Wang recuou aterrorizado. Cada movimento de recuo, todavia, estimulava o cadáver a se erguer mais um pouco. E quando o mestre deu mais alguns passos para trás, o cadáver, de súbito, levantou-se. Wang fugiu como um louco, imprimindo na fuga a maior velocidade possível, tendo o cadáver em seus calcanhares.

Wang atravessou a porta e subiu ao sótão da casa. Depois, fechou a porta e trancou-a. Agora, pela primeira vez, ele poderia respirar um pouquinho.

Supondo que o cadáver tivesse desaparecido, o professor abriu a janela para dar uma espiada. Naquele instante, contudo, o morto-vivo ergueu a cabeça e, esboçando um gesto de alegria, entrou correndo no jardim casa. Repetidamente bateu à porta, mas, vendo que não lhe era possível entrar, de repente deu vazão a um alto e lastimoso grito.

Ao terceiro uivo, a porta se abriu, como se impelida por uma mão invisível. O defunto subiu as escadas até o sótão, e Wang não teve outra alternativa senão a de empunhar um porrete e enfrentar aquele morto-vivo.

Assim que o defunto chegou ao patamar, a clava caiu-lhe sobre o ombro, espalhando pelo chão vários lingotes de papel prateado usado em funerais, dantes nele pendurados. O cadáver abaixou-se para pegá-los. Wang aproveitou a oportunidade e empurrou-o com toda a força, fazendo-o rolar do topo da escada.

Justamente nesse momento, o professor ouviu o galo cantar e, a partir de então, o cadáver permaneceu imóvel e silencioso. Ao examiná-lo à luz do dia, encontrou-o caído no chão, com a coxa ferida pela queda sofrida.

O mestre convocou os vizinhos. Enquanto estes carregavam o cadáver, a fim de incinerá-lo, o professor soltou um suspiro, dizendo:

Foi minha cobiça que exumou o cadáver, e é a cobiça do cadáver que, agora, faz com que ele seja destruído por fogo. Ora, se os demônios não devem ser cobiçosos, por melhor motivo os homens não se devem render à ambição!


Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução, ao inglês, de Jan Jakob Maria de Groot (1854 – 1921).

 

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