NOVECENTOS DÓLARES POR UMA MULHER - Narrativa Clássica Cruel - Autor anônimo do século XIX
NOVECENTOS DÓLARES POR UMA MULHER
Autor anônimo do século XIX
Eis aqui uma história que, entre outras muitas do mesmo gênero, contou ultimamente o missionário Sr. Thompson ao Sr. Bradford, em uma reunião em que se tratava da escravidão.
Um médico moço, de grande mérito e instrução, fez uma viagem de sua cidade natal, situada ao norte dos Estados Unidos, a uma cidade do Estado de Mississípi. Este jovem se chamava Wallis. Alugou um quarto em uma estalagem, cuja criada, lindíssima moça de vinte anos, pouco mais ou menos, lhe inspirou vivo amor. A moça não era clara, mas o médico, livre dos preconceitos muito ordinários contra a raça de cor, ofereceu-lhe sua mão, que foi aceita.
Fez-se o casamento quase secretamente, e o afortunado par veio estabelecer-se no distrito de Colúmbia, não longe de Washington.
Não havia ainda muito tempo que eles ali viviam sossegados e retirados, quando, uma manhã, um individuo, que tinha todas as maneiras do que se chama um gentleman, se apresentou em casa do Sr. Wallis, sob fútil pretexto. Entram em conversação, e o desconhecido dirige ao doutor esta pergunta, suficientemente indiscreta:
—Senhor, não trouxeste convosco uma mulher do Sul?
— Não senhor, e eu não compreendo…
— Como? — interrompeu o primeiro interlocutor. — E vossa esposa não veio convosco para o Mississípi?
— É verdade, e julgo que ela nasceu nesse Estado.
— Pois bem, vossa esposa, como a chamais, é minha escrava, e se me não derdes, imediatamente, 900 dólares por sua alforria, vou denunciá-la como fugida. Bem sei que ela vale 1000 dólares quando menos, mas como a desposastes, abato alguma coisa desta quantia.
— Vossa escrava! — exclamou o pobre doutor, muito admirado. — É impossível.
— Pouco me importa que me acrediteis ou não — continuou o outro. — Aqui deixo a conta. E se, em 24 horas, não me mandardes pagar, na estalagem tal em que moro, prometo-vos, meu claro senhor, que o nome da senhora Wallis será posto nos jornais como o duma escrava fugida.
Logo que este homem saiu, o doutor foi ter com sua mulher que, por suas qualidades, virtudes e graças, lhe devia muito amor.
— Meu anjo — disse-lhe ele —, quando nos casamos, tu eras escrava?
— Era — confessou ela, derramando muitas lágrimas.
— E por que não me disseste antes da cerimônia?
— Não tive ânimo. E podia eu pensar que vos ligásseis a uma escrava?
— Está bem. Agora está descoberta a verdade, e vou mandar os 900 dólares que exigem por ti, pois quer-te muito e não posso me separar de ti.
Durante este curto dialogo, a senhora Wallis sentia a mais viva agitação.
Pediu a seu marido que lhe dissesse as feições do reclamante, o que foi feito com a maior exatidão possível.
Depois, o marido perguntou-lhe se os sinais eram efetivamente os do seu antigo senhor.
—São — disse ela, abaixando os olhos. — Ele é mais que meu senhor; é meu pai.
Fonte: Gabinete de Leitura/RJ, edição de 10 de setembro 1837.
Fizeram-se breves adaptações textuais.
Comentários
Postar um comentário