ROSIMUNDA - Conto Clássico Verídico de Horror - Frei Hermenegildo de Tancos
ROSIMUNDA
Frei Hermenegildo de Tancos
(Séc. XIV)
Um rei dos lombardos, que havia nome Alburno (1), era mui forte e mui poderoso em armas. Este rei houve batalha com outro rei. E Alburno venceu-o e matou-o, e tomou uma filha daquele rei por mulher, que havia nome Rosimunda. E do testo (2) da cabeça de seu padre (3), que matara, mandou fazer uma copa e encastonha (4) em prata e bebia per ela. E este rei Alburno entrou em Itália e tomou tôdalas (5) cidades dela pela maior parte. E estando ele em uma cidade que chamam Verona, fez um grande convite. E mandou ali trazer a copa que mandara fazer da cabeça do rei que matara, padre de sua mulher Rosimunda. E bebeu per aquela copa e fez a sua mulher que bebesse por ela, dizendo-lhe:
— Bebe com teu padre.
E quando ela isto soube, houve grande ódio a el-rei seu marido. E el-rei havia um duque que dormia com uma donzela (6) da rainha. E um dia, não vendo aí el-rei, dormiu com a rainha, cuidando que era a donzela. E a rainha fez-lhe conhecer e disse-lhe:
— Sabe por certo que tu hás feito tal cousa, que tu matarás a el-rei Alburno, ou tu morrerás das suas mãos. Eu quero que tu me vingues dele, que matou meu padre e fez copa da sua cabeça, e fez a mim que bebesse per ela.
E o duque lhe disse o não fazia, mas cataria outro que o fizesse. E então ela guisou (7) como se fizesse. E tirou as armas foras da câmara del-rei e ligou a espada que ele tinha à cabeceira em tal guisa que se não pudesse tirar. E depois que el-rei houve em seu leito, entrou aquele que o queria matar. E quando o sentiu, el-rei saltou fora e quis tirar a espada e não pôde. E então começou el-rei de se defender mui fortemente com uma cadeira que aí estava, mas pouco lhe valeu o seu ardimento (8) nem sua fortaleza. Cá o outro andava mui bem armado e pôde mais que el-rei e matou-o. E tomou tôdolos tesouros que achou em o paço e fugiu com a rainha Rosimunda pera uma cidade que há o nome de Ravena. E ali se pegou a rainha de um mancebo que era perfecto (9) de Ravena. E por casar com ela deu peçonha àquele com quem fugira. E ela embebedou-o, sentiu que era peçonha (10) e fez que a Rosimunda que bebesse o que ficara a força da espada. E assim morreram ambos. E assim parece que pouco prestou a fortaleza do corpo a el-rei Alburno, nem ao outro que o matou, que ambos morreram má morte.
Fonte: “Contos Tradicionais do Povo Português” de Teófilo Braga.
Notas:
(1) Alboíno ou Alboim (Panônia c. 530 – Verona, 572), rei dos lombardos por volta de 560 até o ano de 572.
(2) Em seu sentido original, testo (pronuncia-se têsto) significa tampa de ferro ou de barro para vasilha.
(3) Pai.
(4) Encastoada, engastada.
(5) Todas as.
(6) Aia.
(7) Deu azo.
(8) Intrepidez.
(9) Prefeito.
(10) Veneno.
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