A CABEÇA DA DEFUNTA - Conto Clássico Chinês de Terror. Conto Tradicional.

A CABEÇA DA DEFUNTA

Contro tradicional chinês.


Um sujeito chamado Tcheu, originário de Tche-Kiang, e seu amigo Tchenn, viajando pelo país de Kiang-Su, hospedaram-se em casa dum homem importante.

Era já no começo do outono, mas ainda fazia calor. Sentindo a escassez do ar no aposento que ocupavam, saíram ambos para o jardim, à noite, e, encontrando ao fundo, perto dum lago, diante das montanhas, um pavilhão isolado, para ali transportaram seus leitos.

Passaram algumas noites bem agradáveis; mas, numa delas, depois de passearem muito tempo ao luar, recolheram-se bastante tarde. Mal acabavam de deitar-se, ouviram sob a varanda rumor de passos, seguido do som duma voz que entoava uma estrofe sobre as flores da primavera e a Lua do outono.

A princípio, os dois amigos pensaram que era o proprietário da casa que andava tomando ar; porém, logo verificaram que a voz não era propriamente uma voz humana.

Olharam por uma fenda da janela e viram uma mulher calmamente encostada à balaustrada da varanda.

—Será alguma pessoa da família que ainda não conheciam? — perguntaram a si próprios.

Espreitaram de novo. A mulher estava vestida com roupas de talhe muito antigo.

—É um fantasma! — disse Tcheu.

—Mas é bonita — acrescentou. E continuou, elevando a voz:

— Por que não entra?

— Por que não sabes? — disse ela, puxando Tcheu pela mão. Tchenn abriu a porta e saiu. A mulher desaparecera como por encanto. Chamaram-na. Respondeu de longe.

Foram procurá-la à sombra da árvore. E, de repente, viram com horror uma cabeça de mulher pendurada num ramo de salgueiro.

Ambos soltaram terrível grito de pavor.

Ao ouvi-lo, a cabeça despencou-se de galho abaixo, bateu no chão molemente, como uma bola de borracha, pulando, e aos pulos dirigiu-se para o lado deles.

Tchenn e Tcheu largaram a correr como doidos, entraram de pavilhão a dentro e mais que depressa fecharam a porta, encostando-lhe as camas, aterrorizados!

A cabeça vinha aos saltos em seu encalço. Ouviram-na subir a escada, pulando de degrau em degrau e murmurando coisas! Suavam frio!

A cabeça fantástica chegou, enfim, e lançou-se contra a porta como uma bala de artilharia. Dava-lhe pancadas que a faziam estremecer toda. Felizmente, as tábuas eram fortes e resistiram. Mas os dois só faltavam morrer de medo.

Vendo que era inútil atacar daquela maneira a porta, a cabeça arrastou-se pelo chão e trepou na soleira, que começou a roer. Ouvia-se o estalar da madeira despedaçando-se entre os seus terríveis e incansáveis dentes. Já pelo buraco que abriam, o ar frio da noite penetrava no pavilhão e soprava nos rostos dos dois pobres homens apavorados, que tremiam como varas verdes.

Mas, felizmente, a doce claridade da aurora começou a filtrar-se por aquela pequena abertura. Daí a pouco um galo cantou, outros lhe responderam perto e longe, acordando a gente.

A cabeça deu um profundo gemido e, saltando pelos degraus abaixo, retirou-se! Ambos espiaram por uma frincha e viram-na passar sob as árvores, trepar pelo tronco do salgueiro, descer pelo galho em que a tinham visto dependurada e da sua ponta atirar-se dentro da lagoa.

Então, coitados, respiraram aliviados.

Todavia, somente se atreveram a pôr os pés fora de casa quando foi de todo dia claro.

Mudaram-se imediatamente daquele lugar e estiveram doentes de cama mais de um mês.


Versão em português de autor anônimo do séc. XX a partir da tradução francesa de Léon Wieger (1858 – 1922).

Fonte: “Policial em Revista”/RJ, edição de 22 setembro de 1943.

Fizeram-se breves adaptações textuais.

Ilustração: Maruyama Okyo (1733 – 1795).

 

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