ROLANDO, O NOIVO ESQUECIDO - Conto Clássico Fantástico - Irmãos Grimm

ROLANDO, O NOIVO ESQUECIDO

Irmãos Grimm

(Jacob Grimm [1785 – 1863] e Wilhelm Grimm [1786 – 1859])

Tradução de Ana de Castro Osório

(1872 – 1935)



Era uma vez uma mulher que era feiticeira. Tinha uma filha feia e má, de quem muito gostava, e uma enteada, bonita e boa, à qual odiava e tratava muito mal. Uma vez em que esta apareceu com um bonito avental, a filha da feiticeira ficou tão invejosa quo se dirigiu à mãe e declarou que queria e havia de ter aquele avental!

Não te apoquentes, minha filha — disse a velha. — O teu desejo será satisfeito. Tua irmã há já muito que merece a morte, e esta noite, quando ela estiver a dormir, cortar-lhe-ei a cabeça. Põe-te atrás da cama e empurra-a com força para diante, quando eu for para a matar.

A pobre menina seria vítima daquelas malvadas se por acaso se não escondesse a um canto do quarto, de onde pôde ouvir tudo o que elas tramavam. Durante todo o dia não pôde sair e, quando chegou a hora de se deitar, mandaram-na subir adiante, que era para ficar à frente. Quando a irmã chegou, deitou-se e adormeceu logo. Ela, então, levantou-se de mansinho e foi para o lado da parede, empurrando-a, devagar, para fora.

Alta noite, chegou a velha, muito sorrateira, levando um machado na mão direita e procurando com a esquerda a cabeça da menina. Como encontrasse a filha imaginando que era a enteada, pegou no machado com ambas as mãos e descarregou com tal força que lha decepou.

A rapariga, mal a viu pelas costas, levantou-se e foi a correr à casa de um vizinho que era seu noivo, e se chamava Rolando, batendo à porta com força. Quando ele veio abrir, disse-lhe toda assombrada:

Vamos fugir depressa, que a minha madrasta queria matar-me. Enganei-a de tudo, de modo que matou a própria filha. Amanhã, em acordando, dará pelo engano e estaremos perdidos.

Está bem — disse ele —, fujamos juntos, mas aconselho-te a que lhe vás tirar, primeiro do que tudo, a sua vara de condão, senão é impossível fugir-lhe quando nos perseguir.

A rapariga foi buscar a varinha de condão da feiticeira e pegou na cabeça da irmã, deixando-a pingar três gotas de sangue no chão: uma diante da cama, outra na cozinha e a terceira na escada. Depois fugiu com Rolando.

De manhã, quando a bruxa se levantou, chamou pela filha para lhe dar o avental, porém ela não lhe apareceu. Perguntou então:

Onde estás tu?

Aqui na escada, a varrer — respondeu uma das gotas de sangue.

Chegou à escada, e como não viu ninguém, tornou a perguntar:

Onde é que estás?

Aqui na cozinha, a aquecer-me — respondeu a segunda gota de sangue.

Foi à cozinha procurá-la e, não a encontrando, tornou a perguntar:

Onde estás, que não te encontro?

Aqui na cama a dormir — respondeu a terceira gota.

Foi então ao quarto e o que viu causava horror! O corpo da filha num mar de sangue, com a cabeça cortada por suas próprias mãos!

Cheia de cólera, correu à janela e, como tinha o dom de ver tudo o quanto se passava no mundo, viu a enteada a fugir ao longe com Rolando.

Ah, malvada, que já vai longe! Mas não faz mal, que assim mesmo não poderás escapar.

Calçou as botas de sete léguas e como em cada passo eram sete léguas que andava, não tardou que os não alcançasse. Mas a enteada, que a viu, pegou na varinha de condão e transformou Rolando num lago e, a si mesma, se transformou numa pata a nadar dentro. A bruxa, que a conheceu, chamou-a da margem e deitou-lhe migalhinhas de pão para a atrair, mas a rapariga não se deixou enganar e ela teve de voltar à noite para casa, sem ter conseguido fazer-lhes mal.

Mal voltou as costas, tornaram eles à forma natural, e durante toda a noite caminharam. De manhã, a rapariga, receando que a bruxa voltasse, transformou-se numa linda flor no meio de uma brenha e Rolando em tocador de rabeca. Daí a pouco apareceu a velha e diz ao tocador:

Ó homem, vossemecê dá-me licença que colha aquela bela flor?

Pois não! — respondeu ele. — E eu que a acompanho a tocar.

Correu para a brecha, ansiosa por cortar a linda flor que bem sabia ser a enteada, e ele principiou a tocar. E a velha no meio das silvas pôs-se a dançar, e quanto ele mais tocava, ela dançava, quer quisesse, quer não, pois era obra de encanto. Tanto mais ele tocava, tanto maiores eram os saltos que a feiticeira dava! Os espinhos rasgaram-lhe os vestidos, e enterravam-se-lhe no corpo, que estava já cheio de sangue e feridas. E Rolando, sem descansar, tocava na rabeca mágica, e a bruxa tanto dançou que caiu morta.

Livre da inimiga, disse ele para a menina:

Agora vou à casa de meu pai fazer os preparativos para o nosso casamento.

Eu te espero aqui — respondeu a rapariga. — E para que ninguém me conheça, transformo-me numa pedra vermelha.

Combinado isto, Rolando partiu e a noiva ficou sendo uma pedra vermelha no meio elo campo, enquanto aguardava a sua volta.

Mas, quando chegou à casa do pai, encontrou outra rapariga que gostava dele, o que o fez esquecer a desditosa enteada da feiticeira.

Ali ficou muito tempo à espera, mas como afinal não aparecia sombra de Rolando, encheu-se de tristeza e transformou-se de novo em flor, penando:

Antes assim, que virá alguém me pisar, e morrerei mais depressa.

Mas aconteceu que um pastor, que guardava ovelhas no campo, passou por ali e viu tão formosa flor. Gostou tanto dela que a apanhou e levou para a arrecadar no seu baú.

Desde este dia, a casa do pastorinho se transformou completamente. Quando se levantava, já encontrava tudo feito: o quarto varrido, a mesa e os bancos limpos, o lume aceso na lareira, água no pote, tudo na maior ordem. Quando, à hora do jantar, voltava, já o encontrava servido e excelentemente cozinhado. Por mais que pensasse, não adivinhava como podia suceder, que ninguém vinha à sua pobre cabana e nem lá se pudera esconder por muito tempo. Agradava-lhe o arranjo, é certo, mas ao mesmo tempo começou a encher-se de medo, temendo que fosse alguma feiticeira, e foi ter com uma mulher de virtude para lhe pedir conselho.

É verdade que anda nisso feitiço — respondeu a mulher —, mas a melhor maneira de o acabar é ver se alguma coisa se mexe dentro da cabana, e logo que a veja atire um pano branco para cima que tudo acabará.

O pastor fez como lhe ensinou, e no outro dia, ao romper do sol, como estivesse à espreita, viu abrir-se o baú e sair de lá a flor que lá tinha posto. Atirou-lhe o pano para cima e imediatamente a flor se fez em uma linda rapariguinha, que lhe confessou ser a mesma que lhe arranjara a casa durante aqueles dias. Contou-lhe toda a sua vida e ele, como achou mais bonita e digna, perguntou-lhe se o queria para marido. Respondeu-lhe que não, que queria ficar fiel ao seu noivo Rolando, apesar dele a ter esquecido. Mas prometeu que não deixaria a sua casa e continuaria a fazer-lhe os arranjos enquanto o outro não aparecesse.

Passado tempo, vem a notícia de que Rolando se ia casar, e que todas as raparigas se reuniriam para cantar em honra dos noivos, como era costume velho da terra. Quando a fiel menina ouviu falar em tal casamento, ficou tão triste que julgava que o coração se lhe partia no peito dela. Ela não queria ir à festa, mas as moças do lugar foram buscá-la e não teve remédio senão aparecer.

Quando todas as outras já tinham cantado e chegou a sua vez, não teve remédio senão se resolver também a dizer a sua cantiga.

Então, mal que a ouviu, Rolando reconheceu-lhe a voz e exclamou:

Reconheço aquela voz! É a da minha verdadeira noiva, e já não quero outra.

Tudo quanto tinha olvidado lhe lembrou de repente e, cheio de contentamento, abraçou a rapariga, que viu assim acabar a sua dor e começar de novo a sua alegria.

Casaram logo ali e com sua nova felicidade acabou seu pesar.

Fonte: Tico-Tico/RJ, edição de 8 de dezembro de 1920.

Ilustração: Arthur Rackham (1867 – 1939).

 

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