tag:blogger.com,1999:blog-34785246130140128332024-03-17T01:24:41.152-03:00CONTOS DE TERROR CONTOS DE TERROR, HORROR, FICÇÃO CIENTÍFICA E FANTASIAPAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.comBlogger1135125tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-16193030884217171632024-03-12T12:12:00.003-03:002024-03-12T14:50:03.641-03:00A AVENTURA DO ESTUDANTE ALEMÃO - Conto Clássico de Terror - Washington Irving<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjB6fPqIUUbLG2XFLhDFf8lbNpUyvSDqm2QLnhUGvxDf0M1mb2N9e2dVKKFVl0LMOsylLQPi4WlrLbE1aoj_JHPSH_zE69MtCQmzwlLKssoO9etsd4T2BCp6E83MMtVRadbY6IoVCJJ79CN_iavwDC-IuLbI-kAP6NQ6X7BymvfFrTgQUhC8VDcMGB4Rcw/s704/estudante%20alem%C3%A3o%202.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="704" data-original-width="659" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjB6fPqIUUbLG2XFLhDFf8lbNpUyvSDqm2QLnhUGvxDf0M1mb2N9e2dVKKFVl0LMOsylLQPi4WlrLbE1aoj_JHPSH_zE69MtCQmzwlLKssoO9etsd4T2BCp6E83MMtVRadbY6IoVCJJ79CN_iavwDC-IuLbI-kAP6NQ6X7BymvfFrTgQUhC8VDcMGB4Rcw/w600-h640/estudante%20alem%C3%A3o%202.jpg" width="600" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">A AVENTURA DO
ESTUDANTE ALEMÃO<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Washington Irving<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">(1783 – 1859)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Tradução de Paulo Soriano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Contemporâneo de Edgar
Allan Pöe, o escritor norte-americano <b>Washington Irving</b> (1783 — 1859)
deixou narrativas de terror impressionantes, a exemplo de “O Diabo e Tom
Walker” e a muito famosa “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”. Ambientado na Paris
revolucionária, em pleno reinado do Terror, “A Aventura do Estudante Alemão” é
um conto pungente, macabro ao extremo: um estudante idealista se apaixona por
uma bela jovem vestida de preto (apenas adornada por uma fita igualmente negra
a cingir-lhe o pescoço) que, em uma noite de tempestade, encolhia-se,
desamparada, ao pé das escadas do patíbulo, sob a sombra da terrível
guilhotina...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">O conto de Irving, que
se inspira em Flégon e Goethe, serviu de argumento a Alexandre Dumas na novela
“A Mulher da Gargantilha de Veludo”, em que o estudante alemão não é outro que
não o célebre escritor de terror E. T. A. Hoffmann.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Numa
noite tormentosa, nos tempos tempestuosos da Revolução Francesa, um jovem
alemão regressava aos seus aposentos, tarde da noite, cruzando a parte mais
antiga de Paris. Relampejava e nas ruas estreitas ressoava o ribombar dos
trovões. Mas devo, primeiramente, dizer alguma coisa sobre o jovem alemão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Gottfried
Wolfgang era um jovem de boa família. Ele estudara durante algum tempo em
Göttingen. Mas, tendo um caráter visionário e entusiasta, dedicou-se a
estranhas doutrinas especulativas, que há tanto tempo têm fascinado os
estudantes alemães. Sua vida reclusa, sua intensa dedicação e a natureza
singular de seus estudos produziram um estranho efeito sobre o seu corpo e o
seu espírito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Sua
saúde tornou-se débil; sua imaginação, doentia. Entregara-se a especulações
fantasiosas sobre a essência dos espíritos, até que, como Swedenborg,
encerrou-se num mundo ideal, construído em torno de si mesmo. Imaginava-se ― e
ninguém sabe a causa ― perseguido por uma influência maligna, um gênio do mal
ou um espírito, que intentava possuir-lhe o corpo, conduzindo-o à perdição. Tal
ideia, trabalhando em seu temperamento melancólico, produziu os efeitos mais
sombrios. Tornou-se abatido e desanimado. Seus amigos viram nisto uma doença
mental e decidiram que o melhor remédio era uma mudança de ares. Enviaram-no,
assim, para concluir os estudos, à alegre e esplendorosa Paris.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Wolfgang
chegou a Paris no eclodir da Revolução. O delírio popular capturou de imediato
sua mente entusiasmada e ele se deixou dominar pelas teorias filosóficas e
políticas da época. Todavia, as cenas sangrentas que se seguiram chocaram a sua
natureza sensível e, nauseado da sociedade e do mundo, tornou-se mais do que
nunca um recluso. Encerrou-se, pois, num apartamento solitário no Quartier
Latin, o bairro dos estudantes. Lá, numa rua sombria, não muito longe das
paredes monásticas da Sorbonne, continuou as suas especulações favoritas. Às
vezes, ele passava horas inteiras nas grandes bibliotecas de Paris, essas
catacumbas de autores falecidos, vasculhando suas hordas de obras ― empoeiradas
e obsoletas ― em busca de alimento para o seu apetite enfermiço. Ele foi, de
certa forma, um <i>ghoul </i>literário, que se alimentava no sepulcro da
literatura decadente. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Wolfgang,
embora solitário e recluso, era de um temperamento ardente, mas apenas no
âmbito da própria imaginação. Ele era muito tímido e ignorante do mundo para
insinuar-se ao sexo mais frágil, embora fosse um admirador apaixonado da beleza
feminina. E, na solidão de seu quarto, perdia-se muitas vezes em devaneios
sobre formas e rostos que ele havia visto; em sua fantasia, criava imagens de
beleza que superavam em muito a realidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Neste
estado de excitamento e sublimação, um sonho passou a exercer um extraordinário
efeito sobre ele. Era o sonho com um rosto feminino de beleza transcendente.
Tão forte foi a impressão recebida, que ele sonhava com o mesmo rosto,
repetidamente. De dia, o rosto assombrava seus pensamentos; de noite, seus
sonhos. Em suma, tornou-se apaixonadamente enamorado dessa sombra de seus
sonhos. E tal estado se prolongou até tornar-se uma daquelas ideias fixas, que
apavoram as mentes dos homens melancólicos, e que, às vezes, são confundidas
com a loucura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Tal
era Gottfried Wolfgang e tal o seu estado na época a que me referi.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Voltava
ele para casa no final da noite de tempestade, percorrendo as ruas antigas e
sombrias do Marais, na parte velha de Paris. O estrondear dos trovões
reverberava sobre as casas altas das ruas estreitas. Chegou à Place de Grève,
onde as execuções públicas eram realizadas. Os relâmpagos estremeciam acima dos
pináculos do antigo Hôtel de Ville, espraiando um brilho cintilante sobre o
espaço aberto à frente do estudante. Atravessando a praça, Wolfgang recuou de
horror quando se acercou da guilhotina. Era o auge do reinado do Terror e esse
terrível instrumento de morte estava sempre em prontidão. No cadafalso,
continuamente corria o sangue dos virtuosos e valentes. Nesse mesmo dia, a
guilhotina havia sido empregada ativamente em seu ofício de carnificina, e,
agora, erguia-se cruelmente, em meio a uma cidade silenciosa e adormecida, à
espera de novas vítimas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
coração de Wolfgang fremiu no peito, e já se afastava ele, a tremer, do
horrível instrumento, quando notou o vulto de uma figura encolhida ao pé da
escada que levava ao cadafalso. Uma sucessão de relâmpagos permitiu um
vislumbre mais claro: era uma figura feminina, vestida de preto. Ela estava
sentada em um dos degraus mais baixos, inclinada para frente, com o rosto
escondido no peito. Seus longos e desgrenhados cabelos tocavam o solo,
misturando-se à água que caía torrencialmente. Wolfgang fez uma pausa. Havia
algo de terrível nesse solitário monumento de aflição. A mulher parecia estar
acima do normal. Eram tempos de vicissitudes, e muitas belas cabeças, que antes
descansavam em seus travesseiros, agora vagavam sem teto. Talvez se tratasse de
uma pobre mulher enlutada, com o coração destroçado, a quem a terrível lâmina
havia deixado solitária, lançando à eternidade todos os entes queridos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ele
aproximou-se e falou-lhe num tom compadecido. Ela ergueu a cabeça e o olhou
selvagemente. Qual não foi o espanto do rapaz ao contemplar, à luz do clarão do
relâmpago, o mesmo rosto que insistentemente havia assombrado os seus sonhos!
Ela estava pálida e desconsolada, embora linda e encantadora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Tremendo
em meio a emoções violentas e conflitantes, Wolfgang novamente a abordou. À
mulher falou sobre a circunstância de estar ela exposta, àquela hora da noite,
à fúria de uma tempestade, oferecendo-se, assim, a conduzi-la a seus
conhecidos. Ela apontou para a guilhotina com um gesto de terrível significado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Não tenho ninguém sobre a Terra ― disse ela.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Mas você tem um lar ― Wolfgang respondeu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Sim, num túmulo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
coração do estudante se liquefez com tais palavras.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Se um estranho se atreve a fazer uma oferta ― disse ele ―, sem o perigo de ser
mal interpretado, eu te ofereço o meu humilde lar, como um amigo dedicado. Eu
mesmo não tenho amigos em Paris. Sou um estrangeiro nesta terra. Mas, se eu
puder dedicar a minha vida a seu serviço, ela está à tua disposição. Estou
propenso a sacrificar a minha vida antes que a ti sobrevenha alguma aflição ou
indignidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Havia
uma honestidade tão sincera na atitude do jovem que suas palavras realmente
produziram efeito. O seu sotaque estrangeiro também acorria em seu favor:
demonstrava que não era um habitante qualquer de Paris. Com efeito, há no
entusiasmo da verdade tanta eloquência que não é possível pô-lo em dúvida. Sem
reservas, a desconhecida desabrigada se entregou à proteção do estudante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgm4qmANT6N0Nj0LNrTTrAWc3QimGghCQhUvXrWZ5l8ljHu5JVZ554kjy6kHSA9hiQIYX0Ai_UaqNv9Yn90qjTgOy6MNanuurTHT5Lsilz0Fb45134LdCLjPca09Tq9Ttg96WV9Za93iyd_0wdMWDe4psWXtWY7zX9XQJAUvjPb8QsMiP5hiyHNVpMDcLc/s1024/jovem%20estudante%20alem%C3%A3o%203.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgm4qmANT6N0Nj0LNrTTrAWc3QimGghCQhUvXrWZ5l8ljHu5JVZ554kjy6kHSA9hiQIYX0Ai_UaqNv9Yn90qjTgOy6MNanuurTHT5Lsilz0Fb45134LdCLjPca09Tq9Ttg96WV9Za93iyd_0wdMWDe4psWXtWY7zX9XQJAUvjPb8QsMiP5hiyHNVpMDcLc/w400-h400/jovem%20estudante%20alem%C3%A3o%203.jpg" width="400" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p><br /></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ele
amparou os seus passos vacilantes através da Pont Neuf e do local onde a
estátua de Henrique IV havia sido derrubada pelas turbas. A tempestade amainara
e o trovão ressoava à distância. Toda Paris permanecia tranquila. O grande
vulcão das paixões humanas dormitava, reunindo as forças para a erupção do dia
seguinte. O estudante conduziu seu fardo pelas ruas antigas do Quartier Latin,
junto às paredes sombrias da Sorbonne, levando-a ao sórdido hotel em que
morava. A velha porteira, que lhes franqueou a entrada, contemplou, com
surpresa, a visão incomum de um melancólico Wolfgang acompanhado por uma
mulher.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ao
entrar no apartamento, o estudante, pela primeira vez, corou ao ver a pobreza e
a impessoalidade de seus aposentos. Consistiam em apenas um cômodo ― uma sala à
moda antiga ― fantasticamente talhado com os restos de uma antiga
magnificência, porquanto compunha um desses hotéis situados na mesma quadra do
Palácio de Luxemburgo, que pertencera à nobreza. Estava repleto de livros e
papéis, e de tudo o quanto é próprio a um estudante. Sua cama ficava em um
canto afastado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Quando
os lumes foram acesos, permitido a Wolfgang melhor vislumbrar a desconhecida,
ficou ele mais ainda extasiado com aquela beleza. O rosto da desconhecida era
pálido, mas de uma beleza deslumbrante, desencadeada por uma profusão de
cabelos negros, que pendiam em cachos. Seus olhos eram grandes e brilhantes,
dotados de uma expressão singular, quase selvagem. Até onde o vestido preto
permitia a visão de suas formas, estas eram de perfeita simetria. Sua aparência
geral era extremamente impressionante, embora a mulher se vestisse com
simplicidade A única coisa a assemelhar-se a um ornamento era uma fita preta,
larga, adornada por diamantes, que lhe cingia o pescoço.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Veio,
então, ao encontro do estudante alemão a preocupação de como ajudar aquela
mulher indefesa, que se lançara à sua proteção. Pensou em abdicar do próprio
quarto em favor dela e buscar alojamento em outro lugar. Mas estava tão
fascinado com os seus encantos, pois dela irradiava uma magia que lhe subjugava
os sentidos e pensamentos, que não podia desviar-se de sua presença. Suas
maneiras eram também estranhas e inexplicáveis. Ela deixou de falar sobre a
guilhotina. Sua aflição havia diminuído. Com suas atenções, o estudante ganhara
a confiança da desconhecida, e, aparentemente, o seu coração. Evidentemente,
ela era, assim como ele, uma entusiasta e as pessoas assim talhadas se entendem
prontamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Na
paixão do momento, Wolfgang confessou o seu amor pela mulher. Contou-lhe a
história de seus misteriosos sonhos, e como ela havia se apossado de seu
coração antes mesmo que o rapaz a conhecesse. A desconhecida ficou
estranhamente impressionada com aquela declaração e admitiu sentir-se atraída
por ele de uma maneira igualmente inexplicável. Era a época de teorias e ações
selvagens. Velhos preconceitos e superstições eram abolidos. Tudo estava sob a
influência da "Deusa da Razão". As formalidades e cerimônias de
casamento, escombros dos velhos tempos, começaram a ser consideradas supérfluos
rituais para as mentes honrosas. Os pactos sociais estavam em moda. Wolfgang
era demasiadamente teórico para não ser contaminado pelas doutrinas liberais de
sua época.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Por que devemos nos separar? ― perguntou. ― O nosso coração está unido; ante os
olhos da razão e da honra, somos um só. Que necessidade há de formalidades
sórdidas para unir as almas elevadas?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
desconhecida ouvia com emoção: ela evidentemente fora iluminada pela mesma
escola teórica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Tu não tens casa ou família ― continuou ele. ― Deixa-me ser tudo para ti. Ou
melhor, sejamos tudo um para o outro. Se as formalidades são necessárias, nós
as acataremos. Eis aqui a minha mão. Eu me entrego a ti para sempre.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Para sempre? ― indagou a desconhecida, solenemente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Para sempre! ― repetiu Wolfgang.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
desconhecida apertou a mão que lhe era estendida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Então eu sou tua ― murmurou ela, reclinando-se ao peito do rapaz.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Na
manhã seguinte, o estudante deixou sua esposa a dormir e saiu uma hora mais
cedo, em busca de um apartamento mais espaçoso, adequado a seu novo estado
civil. Ao voltar, encontrou a mulher deitada, com a cabeça pendendo da cama e
um braço estirado. Falou com ela, mas não recebeu resposta alguma. Então,
avançou para despertá-la daquela postura inquietante. Ao tomar-lhe a mão,
verificou que esta estava fria e que não havia pulsação. A face da mulher
estava pálida e medonha. Em uma palavra, ela era um cadáver.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Horrorizado
e frenético, ele soltou um grito alarmante, clamando pelos da casa. Uma cena de
confusão se seguiu. A polícia foi chamada. O oficial de polícia entrou na sala
e retrocedeu ao contemplar o cadáver.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Céus! ― gritou. ― Como esta mulher veio parar aqui?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Você sabe alguma coisa sobre ela? ― indagou Wolfgang, ansiosamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Se eu sei? ― exclamou o oficial. ― Ela foi guilhotinada ontem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Deu
um passo à frente e desatou a gargantilha negra que cingia o pescoço do
cadáver. A cabeça rolou no chão!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
estudante perdeu o controle.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
O demônio! O demônio finalmente me tomou! ― gritou ele. ― Estou perdido para
sempre.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Tentaram
acalmá-lo, mas em vão. Estava dominado pela crença de que um terrível espírito
maligno havia reanimado o cadáver com o intuito de apoderar-se dele, o
estudante. Enlouqueceu e morreu em um hospício.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Aqui,
o velho homem, de feições assombradas, terminou sua narrativa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Esse fato é verdadeiro? ― perguntou um cavalheiro curioso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">―
Um fato que não pode ser posto em dúvida ― respondeu o primeiro. ― Soube-o por
fonte autorizada: foi o próprio estudante que me contou. Eu o conheci no
manicômio de Paris.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Imagem do miolo PS/Copilot.<o:p></o:p></span></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-59127058783455073342024-03-12T12:04:00.004-03:002024-03-12T18:31:28.131-03:00A NOIVA DO ESPECTRO - Conto Clássico de Terror - William Harrison Ainsworth<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg-Wpj49L2f2nX1OsEBYbZIEzZtLqL-8u5M2JSLJe_jnJpQr5rd3LJtL5KQWFYsp14w8lFRULzB33gY0mJ3keWkUpEngwcc14s8lp0k9iLuGYZFFwSilUM_Cyo58Ye_x4KZ55WKlEVH5_jnBlforbs0uvazqrcIBNpQqVDlWqEsUg79uiqQk_j_4TiAUo/s1024/A%20NOIVA%20DO%20ESPECTRO.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg-Wpj49L2f2nX1OsEBYbZIEzZtLqL-8u5M2JSLJe_jnJpQr5rd3LJtL5KQWFYsp14w8lFRULzB33gY0mJ3keWkUpEngwcc14s8lp0k9iLuGYZFFwSilUM_Cyo58Ye_x4KZ55WKlEVH5_jnBlforbs0uvazqrcIBNpQqVDlWqEsUg79uiqQk_j_4TiAUo/w640-h640/A%20NOIVA%20DO%20ESPECTRO.jpg" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">A NOIVA DO
ESPECTRO<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">William Harrison Ainsworth<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">(1805-1882)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
castelo de Hernswolf era, no final do ano de 1655, o centro da moda e da
alegria. O barão do mesmo nome era o nobre mais poderoso da Alemanha e
igualmente célebre pelos feitos patrióticos de seus filhos e pela beleza da sua
única filha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
propriedade Hernswolf, situada no centro da Floresta Negra, fora concedida pela
nação em reconhecimento a um dos seus ancestrais, e passou, juntamente a outras
posses, de mão em mão, para a família do atual proprietário. Era uma mansão com
ameias, em estilo gótico, construída, conforme a moda da época, no mais
grandioso estilo arquitetônico. Consistia sobremodo de corredores escuros e
ventosos e de cômodos abobadados com tapeçarias, de fato magníficos em seu
tamanho, mas que pouco satisfaziam às necessidades de conforto, dada a
circunstância extrema da sua lúgubre magnitude. Um bosque escuro de pinheiros e
freixos cercava o castelo por todos os lados e conferia um aspecto sombrio ao
cenário, que raramente era animado pela alegre luz do Sol.<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Os
sinos do castelo repicavam alegremente quando o crepúsculo do inverno se
achegava e o guardião postava-se, com a sua comitiva, na galeria da ameia, para
anunciar a chegada dos visitantes, convidados a partilhar das diversões que
reinavam dentro das muralhas. <i>Lady</i> Clotilda, filha única do barão,
acabara de completar dezessete anos, e fora convocada a um cintilante auditório,
no qual comemoraria o seu aniversário.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">As
grandes salas abobadadas foram abertas para a recepção dos numerosos
convidados, e a festa noturna mal havia começado quando o relógio da torre
expandiu os seus repiques com inusual solenidade. Prontamente, um homem
desconhecido, alto, vestido com um traje negro, assomou no salão de baile. O
estranho inclinou-se, em cortesia, a um e outro lado, mas foi recebido por
todos com a mais estrita reserva. Ninguém sabia quem ele era ou de onde vinha;
contudo, por sua aparência, era evidente que se tratava de um nobre de primeira
grandeza e, embora a sua chegada fosse recebida com desconfiança, era respeitosamente
tratado. Dirigiu-se particularmente à filha do barão e era tão inteligente nos
comentários, tão jovial nos passeios e tão fascinante nos discursos, que
rapidamente despertou o interesse de sua jovem e sensível ouvinte. Finalmente —
depois de alguma hesitação por parte do anfitrião, que, tal como os demais
visitantes, era incapaz de abordar o estranho com indiferença —, foi convidado
a permanecer alguns dias no castelo, convite que o estranho aceitou
alegremente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Quando
caiu o silêncio da noite e todos se retiraram para descansar, ouviu-se o
monótono e pesado sino oscilando, de um lado para o outro, na torre cinzenta,
embora o vento mal tivesse forças para mover os ramos das árvores do bosque. Alguns
hóspedes, quando reunidos à mesa do desjejum na manhã seguinte, declararam que,
à noite, tinham ouvido os sons de uma música incrivelmente celestial; a
maioria, contudo, persistia em afirmar que lhes chegaram ruídos horríveis,
vindos, ao que lhes parecera, do quarto ocupado pelo estranho homem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ele
logo apareceu à mesa e, quando fizeram alusão às circunstâncias da noite
anterior, um sorriso sombrio, de inexprimível significado, aflorou em suas lúgubres
feições, prontamente matizadas pela mais profunda melancolia. Dirigiu sua
conversação principalmente a Clotilda, e quando falou dos diferentes climas que
visitou, das regiões ensolaradas da Itália, onde os simples sopros da
fragrância das flores e a brisa do verão suspiram sobre uma doce terra; quando lhe
disse que falava daqueles deliciosos países onde o sorriso do dia se funde à suave
beleza da noite, e a formosura do céu nunca é obscurecida sequer por um
instante, provocou lágrimas em sua bela e sensível ouvinte, que, pela primeira
vez na vida, lamentou nunca ter saído da casa paterna. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="color: black; font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-themecolor: text1;">Os dias </span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">se sucederam e a cada
momento aumentava o fervor dos inexprimíveis sentimentos que o estranho
inspirava à moça. Ele nunca falou de amor, mas este transparecia em sua
linguagem, em seus modos, nos insinuantes tons de sua voz, na suavidade de seu
sorriso; e quando o estranho descobriu que havia conseguido nela incutir os sentimentos
favoráveis, uma contorção facial, revestida do mais diabólico significado,
exsurgiu por um instante e depois feneceu em seu obscuro semblante. Quando a
via na companhia dos pais, mostrava-se ao mesmo tempo respeitoso e submisso, e
somente quando estava a sós com ela, no passeio pelos recantos sombrios da
floresta, é que assumia o aspecto do mais apaixonado admirador.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Certa
tarde, estando o estranho sentado com o barão na sala revestida de madeira da
biblioteca, a conversa convergiu a um tema sobrenatural. Durante a discussão, o
estranho manteve-se reservado e misterioso. Todavia, quando o barão,
jocosamente, negou a existência de espíritos e imitou satiricamente sua
aparência, seus olhos brilharam com um fulgor sobrenatural e sua forma pareceu dilatar-se,
transbordando-lhe as naturais dimensões. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Quando
a conversa cessou, dando lugar uma pavorosa pausa momentânea, ouviu-se um coro
de harmonia celestial a ecoar pela floresta sombria. Todos ficaram extasiados
de deleite, mas o estranho, então perturbado e sombrio, olhou para seu nobre
anfitrião com compaixão e algo similar a uma lágrima cruzou um dos seus olhos.
Depois de alguns segundos, a música distante agonizou suavemente e tudo serenou
como antes. Pouco depois, o barão deixou sala e foi seguido, quase
imediatamente, pelo estranho. Não fazia muito tempo que se ausentara, quando ouviram
um barulho horrível, como o de uma pessoa na agonia da morte, e o barão foi
encontrado morto e estirado pelos corredores.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Seu
semblante estava convulsionado de dor, e o aperto de uma mão era visível em sua
garganta enegrecida. O alarme foi dado instantaneamente, o castelo foi detidamente
examinado em todas as direções, mas o estranho não foi visto novamente. O corpo
do barão, entretanto, foi silenciosamente entregue à terra, e a memória da sua
horrenda passagem lembrada apenas como algo que sucedera.<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Após
a partida do estranho, que de fato fascinara os seus sentidos, o ânimo da
gentil Clotilda evidentemente declinou. Ela adorava caminhar, até tarde pelos
caminhos de costume, para recordar-se das últimas palavras do estranho; insistir
em doce sorriso; passear por onde falara com ele, certa feita, sobre o amor. A
todos ela evitava e nunca parecia feliz, exceto quando estava imersa na solidão
do seu quarto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Foi
então que ela deu vazão à sua aflição em lágrimas; e o amor, que seu orgulho de
donzela modestamente escondia em público, irrompeu nas horas de privacidade.
Tão bela — e ainda tão resignada no seu justo luto — que já parecia um anjo
libertado dos entraves do mundo, pronto para voar ao céu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Numa
tarde de verão, estava ela a vagar por um local isolado, que lhe era o
favorito, quando passos lentos avançaram em sua direção. Ela se virou e, para
sua infinita surpresa, ali descobriu o estranho. Feliz, ele deu um passo para o
seu lado e iniciou uma conversa animada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Quando foste embora — exclamou alegremente a garota —, pensei que toda a
alegria me fugira para sempre; mas, como tu voltaste, não seremos novamente
felizes? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—Feliz!
— respondeu o estranho, com uma explosão de sarcasmo desdenhoso. — Sem dúvida
que eu posso ser feliz novamente. E atribuo tal resultado ao prazer que sinto
em nosso reencontro. Oh, tenho tantas coisas a contar-te... Sim! E muitas
palavras afetuosas para receber, não é verdade, minha querida? Vem, diz-me a
verdade: foste feliz na minha ausência? Não! Vejo nesses olhos fundos, nesse pálido
semblante, que o pobre vagabundo pelo menos despertou algum sutil interesse no coração
de sua amada. Já vaguei por outros climas, já conheci outras nações, já conheci
outras mulheres, lindas e bem-sucedidas, mas encontrei apenas um anjo, e ele
está aqui, diante de mim. Aceita esta simples oferta de meu afeto, minha
querida — continuou o estranho, arrancando uma rosa de seu caule. — Tu és linda
como as flores silvestres, que adornam os teus cabelos, e doce como o amor que te
tenho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
És doce, certamente — respondeu Clotilda —, mas tua doçura dura pouco, assim
como o amor que um homem manifesta. Que não seja esse o teu carinho. Traz-me,
então, a delicada sempre-viva, a doce flor que desabrocha o ano todo, e direi,
enquanto a mergulho em meus cabelos: “As violetas floresceram e morreram, as
rosas floresceram e murcharam, mas a sempre-viva ainda é jovem, e tal é o amor no
meu coração!”. Tu não poderás me abandonar. Eu vivo apenas em ti, já que és a minha
esperança, os meus pensamentos, a minha própria existência. E se eu vier a
perder-te, perderei tudo de mim. Eu era apenas uma flor silvestre e solitária no
selvagem solo da natureza, até que me transplantaste para um solo mais afável,
e agora poderás partir o terno coração que antes ensinaras a cintilar apaixonadamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Não fales assim — respondeu o estranho. — Minha própria alma dilacera-se quando
te ouço. Deixa-me, esquece-me, evita-me para sempre, ou a tua eterna ruína virá.
Sou algo abandonado por Deus e pelo homem, de quem só se vê o coração ferido,
que mal bate dentro desta massa móvel e disforme. Deverias escapar de mim, como
se eu fosse uma víbora em teu caminho. Aqui está o meu coração, amor. Sente-o e
vê como é frio. Ele não tem pulso que afete a tua emoção, porque nele tudo é
congelado e morto, como os amigos que conheci.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—Tu
está infeliz, amor, e tua pobre Clotilda estará aqui para ajudar-te. Então crês
que eu posso abandonar-te em teu infortúnio? Não! Perambularei contigo pelo
mundo inteiro e serei tua serva, tua escrava, se assim o desejares. Vou proteger-te
das noites frias, para que o vento não sopre furiosamente em tua cabeça desnuda.
Defender-te-ei da tempestade que uiva ao teu redor. E mesmo que o mundo releve
ao desprezo o teu nome, mesmo que os teus amigos se separem e se juntem
tristemente na sepultura, haverá um coração terno que bem te amará em tua
desgraça, render-te-á as bênçãos e reconhecerá o teu valor. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ela
parou, com os olhos azuis banhados em lágrimas, voltando-se, radiante de
afeição, para o estranho. Mas ele desviou-se daquele olhar e um sorriso
sardônico, da mais sombria e mortal malícia, cruzou o seu fino semblante. Num
instante, a expressão declinou, o olhar vítreo recuperou a frieza sobrenatural
e ele voltou-se novamente à companheira.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
É a hora do crepúsculo! — ele exclamou. — A hora suave, a mais bela! É a hora
em que os corações dos amantes estão cheios de alegria e a natureza sorri em
harmonia com os seus sentimentos... Mas, para mim, a natura não mais sorrirá.
Antes da alvorada, eu estarei muito longe da casa da minha amada, das cenas que
meu coração guarda como num túmulo. Mas devo te deixar, querida flor silvestre,
para que sejas tragada por um redemoinho, como a vítima da explosão de uma
montanha?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Não, não vamos nos separar — respondeu a apaixonada. — Aonde fores, eu irei; tua
casa será minha casa e o teu Deus será o meu Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Promete-me, promete-me! — O estranho retomou a investida, enquanto,
selvagemente, segurava-lhe a mão. — Promete-me pelo horrível juramento que te
ditarei.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mandou,
então, que ela se ajoelhasse. Segurando-lhe a mão direita, num gesto ameaçador,
em direção ao céu, e jogando para trás suas negras madeixas de corvo, ele
exclamou amargas imprecações, com o sorriso hediondo de um demônio encarnado: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Caso te afastes da promessa, agora feita, de ser minha, que as maldições de um Deus
ofendido te persigam e te assombrem; agarrem-se à tua alma, para sempre, na
tempestade e na bonança, no dia e na noite, na doença e na tristeza, na vida e
na morte. Que os espíritos tenebrosos dos condenados ao Inferno uivem em teus
ouvidos os coros malditos dos demônios, que o ar torture o teu peito com as
chamas inextinguíveis do Inferno! Que a tua alma seja como o lazareto da
corrupção, onde se venera o fantasma do prazer ausente, como num sepulcro onde
o verme de cem cabeças nunca morre, onde o fogo nunca se apaga! Que o espírito
do mal controle a tua mente e proclame a teu passo: ESTA É A ABANDONADA DE DEUS
E DO HOMEM; que os espectros medonho te persigam à noite; que os teus mais
queridos amigos desçam ao túmulo dia após dia, e te amaldiçoem em seu último
suspiro! Que tudo o que há de mais hediondo na natureza humana, mais solene que
a linguagem possa enquadrar ou os lábios possam proferir, que tudo isso, e mais
do que isso, seja o teu legado eterno, caso venhas a violar o juramento que aqui
me fizeste.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mal
ciente do que ela fazia, ele parou. A jovem, cheia de pavor<span style="color: #0070c0;">, </span>anuiu para com o abjeto juramento, e prometeu
fidelidade eterna àquele que, desde então, seria o seu senhor. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Os espíritos dos condenados agradecem a tua ajuda — gritou o estranho. —
Cortejei bravamente a minha linda noiva. Ela é minha, minha para sempre. Sim,
corpo e alma são meus, meus na vida e meus na morte. Por que choras, minha
doçura, antes que tenha chegado a lua-de-mel? Por quê? Certamente, tens motivos
para chorar; mas, em breve, quando nos encontrarmos novamente, deveremos
assinar o nosso contrato nupcial.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então
ele imprimiu um beijo frio no rosto de sua jovem noiva e, abafando os horrores
indescritíveis de seu semblante, ordenou-lhe que o encontrasse às oito horas
daquela mesma noite na capela adjacente ao castelo Hernswolf. Ela virou-se para
o estranho com um ardente suspiro, como se implorasse sua proteção, mas o cavalheiro
já havia sumido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ao
entrar no castelo, a jovem viu-se afetada pela mais profunda melancolia. Em
vão, os seus parentes se esforçaram por descobrir a causa de sua angústia, mas
o tremendo juramento que ela havia feito paralisou completamente suas
faculdades, restando-lhe o medo de denunciar-se mesmo pela menor entonação de
voz ou pela mínima alteração em seu semblante. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Finda
a noite, todos retiraram-se ao descanso. Clotilda, todavia, não conseguindo
dormir, dada a agitação do seu espírito, pediu para ficar sozinha na biblioteca
contígua ao seu quarto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Já
era noite profunda e, há muito tempo, os servos haviam se recolhido ao repouso.
O único som que se ouvia era o lamento sombrio do cão de guarda, uivando para a
Lua. Clotilda permaneceu na biblioteca em atitude de profunda meditação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
lâmpada, que ardia sobre a mesa junto à qual se sentara, fenecia, mergulhando o
ambiente na semiescuridão. O relógio da extremidade setentrional do castelo
bateu a meia-noite, e o som ecoou tristemente na solene quietude da noite.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">De
repente, a maçaneta da porta de carvalho, no outro extremo do cômodo, levantou-se
suavemente, e uma figura pálida, vestida com roupas tumulares, avançou
lentamente pela sala. Nenhum som antecipou sua aproximação, enquanto ela se
movia com passos silenciosos em direção à mesa onde permanecia a jovem mulher. A
princípio, a dama não a percebeu, até sentir uma mão, fria como a morte,
agarrar rapidamente a sua. Então, ouviu uma voz solene murmurar em seu ouvido:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Clotilda!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ela
ergueu os olhos. Uma sombria figura estava parada ao seu lado. Tentou gritar,
mas sua voz não estava à altura do esforço necessário. Seu olhar fixou-se, como
num passe de mágica, na maneira como ele lentamente retirava o pano que ocultava
o seu rosto, revelando os olhos lívidos e a forma esquelética de seu pai. Ele,
que parecia contemplá-la piedosamente, cheio de sentimentos, exclamou, com voz
melancólica:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Clotilda, as roupas e os criados estão prontos, o sino da igreja já tocou e o sacerdote
está no altar... Mas onde está a noiva compromissada? Há um recanto para ela no
sepulcro, e ela, amanhã, estará comigo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Amanhã? — hesitou a jovem, distraída. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Os espíritos do inferno registraram tudo isto e amanhã o enlace deve ser
cancelado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
figura parou, retirou-se lentamente, e logo se perdeu na escuridão. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Chegou
a manhã; veio a tarde. E quando o relógio da sala bateu oito horas, Clotilda
estava a caminho da capela. Era uma noite escura. Massas espessas de nuvens sombrias
navegavam no firmamento, e o rugido do vento ecoava horrivelmente entre as
árvores da floresta. Ela chegou ao seu destino. Uma figura, que a aguardava,
avançou. A dama vislumbrou as feições do estranho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Por quê...?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Está tudo bem, noiva minha — exclamou ele com uma risada sardônica —, e vou
recompensar o teu carinho. Segue-me.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Caminharam
juntos, em silêncio, pelas naves ventosas da capela, até chegarem ao cemitério
adjacente. Aqui pararam por um momento, e o estranho, em tom suave, disse-lhe:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Só mais uma hora e a luta terminará. E mesmo este coração de malícia encarnada
pode ter sentimentos quando um espírito tão jovem, tão puro, é consagrado ao
túmulo. Mas deve, deve ser —continuou ele — como se a lembrança do amor passado
invadisse a sua mente, porque o demônio, a quem obedeço, assim o desejou. Pobre
menina, eu te conduzo às tuas núpcias, mas o sacerdote estará morto, seus pais
serão os esqueletos decompostos que se desfazem em pilhas ao redor, e as
testemunhas de nossa união serão os vermes preguiçosos que se regozijam nos
ossos carcomidos dos defuntos. Vem, minha jovem noiva, o sacerdote está
impaciente por sua vítima.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">À
medida que avançavam, uma tênue luz azul se movia rapidamente diante deles,
revelando, nos confins do cemitério, os portais de uma cripta. Estava aberta e
eles entraram em silêncio. O vento cavernoso precipitava-se pela lúgubre
residência da morte, e por todos os lados os restos decompostos dos féretros se
amontoavam, caindo pedaço por pedaço na umidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDmfOoAwPCveqMylnqV_UTwRCK5USFNMjSR0k5Mo26zyeKt3Q7SmJqwQqvk3lPZylPh3UrEmUPain9yHygdDVTFz7i2DjqhIvp1v31J4wCvrGSgYDODUuRg8k8289MN65NVLmkgdkJU0D-3PpH-67fXpwTqpN0jA-79wmokqj3UQXUeSFmFWg9ldmWQfQ/s683/noiva%20sombria.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="683" data-original-width="375" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDmfOoAwPCveqMylnqV_UTwRCK5USFNMjSR0k5Mo26zyeKt3Q7SmJqwQqvk3lPZylPh3UrEmUPain9yHygdDVTFz7i2DjqhIvp1v31J4wCvrGSgYDODUuRg8k8289MN65NVLmkgdkJU0D-3PpH-67fXpwTqpN0jA-79wmokqj3UQXUeSFmFWg9ldmWQfQ/w352-h640/noiva%20sombria.png" width="352" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Cada
passo que davam era por sobre um corpo morto, e os ossos esbranquiçados rangiam
horrivelmente sob seus pés. No centro da abóbada erguia-se uma pilha de
esqueletos insepultos, sobre os quais estava sentada uma figura tão hedionda
que escapava à mais sombria das imaginações. À medida que dela se aproximavam, a
abóboda oca ecoou uma gargalhada infernal, e cada cadáver em decomposição
parecia dotado de uma vida profana.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
estranho fez uma pausa e, ao agarrar a sua vítima, um suspiro brotou de seu
coração. Uma lágrima resplandeceu em seus olhos. Foi apenas por um instante,
mas suficiente a que, diante daquela vacilação, a figura hedionda franzisse terrivelmente
a testa e o convocasse com a mão descarnada. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
estranho avançou, fez certos círculos místicos no ar, articulou palavras
misteriosas e parou, dominado pelo terror. De súbito, ele levantou a voz e
exclamou descontroladamente:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Noiva do espectro das trevas, alguns momentos ainda são teus, para que saibas a
quem te entregaste. Sou o espírito imortal do miserável que amaldiçoou o seu Salvador
na cruz. Ele me olhou na hora final de sua existência, e esse olhar ainda permanece,
porque eu sou o ente mais amaldiçoado em toda a Terra. Estou eternamente
condenado ao Inferno e devo satisfazer o paladar do meu mestre até que o mundo
esteja ressequido como um pergaminho e os Céus e a Terra tenham perecido. Sou
aquele sobre quem deves ter lido e de cujas façanhas ouviste falar. Um milhão
de almas o meu mestre me condenou a capturar, e quando minha penitência estiver
cumprida, poderei conhecer o repouso de uma sepultura. És milésima alma que eu condenei.
Eu te vi em tua hora de pureza e imediatamente te assinalei para a minha
vivenda. Eu matei o teu pai por sua ousadia e lhe permiti que a avisasse de teu
destino. E eu mesmo fui seduzido por tua inocência. Ah! O feitiço trabalha
briosamente, e logo tu o verás, minha querida, a quem acorrentaste o teu
destino eterno. Enquanto as estações seguirem seu curso natural, enquanto os
relâmpagos refulgirem e os trovões rugirem, a tua penitência será eterna. Olha para
baixo e vê a que estás destinada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ela
olhou. A abóbada esfacelou-se em mil direções, a terra se abriu em pedaços e ouviu-se
o rugido de águas poderosas. Sob a jovem dama, um oceano vivo de magma cintilou
no abismo e, misturando-se aos gritos dos condenados ao Inferno e aos uivos
triunfantes dos demônios, o horror tornou-se inimaginável.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Dez
milhões de almas contorciam-se nas chamas ardentes e — à medida que as ondas
ferventes as atiravam violentamente contra as rochas rígidas e enegrecidas —
lançavam maldições, em desesperadas blasfêmias. E cada maldição expelida ecoava
como um trovão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
estranho correu em direção à sua vítima. Por um momento, ele a segurou diante
daquela visão flamejante. Olhando-lhe ternamente a face, o estranho soluçou
como se fosse uma criança. Mas isto foi apenas um impulso momentâneo;
agarrando-a novamente pelos braços — violentamente, cheio de fúria —,
arremessou-a na borbulha. E, enquanto o olhar de despedida mesclava-se à
bondade em seu rosto, ele vociferou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
O crime não é meu, mas da religião que tu professas. Pois não é dito que há um
fogo eterno preparado para as almas dos ímpios, e tu não sucumbiste aos teus
tormentos?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ela,
a pobre menina, não o ouviu, não deu atenção aos gritos do blasfemador. Sua
forma delicada saltava de rocha em rocha, sobre as ondas e sobre a espuma.
Enquanto caía, o oceano esbatia-se, em triunfo, por receber a sua alma; e,
enquanto ela afundava naquele poço ardente, dez mil vozes reverberavam do
abismo incomensurável:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Espírito do mal! Há, aqui, uma eternidade de tormentos para ti, pois cá o verme
nunca morre e o fogo nunca se apaga!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Versão em português de
Paulo Soriano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Imagem da portada: PS/Copilot.<o:p></o:p></span></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-57390585442739598742024-03-12T11:57:00.001-03:002024-03-12T11:57:28.031-03:00A HISTÓRIA DE MING-Y - Conto Clássico Sobrenatural - Koizumi Yakumo<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijebmXbLesob5Gs1fd0tL6HmNBSbnenMRZH6lR76MGZ2vTh7NEp_tvKIyz60O4njynenWta4ce5wBim7OKKQap4JmhSwTdhkXi-fQdgVQ5kobyntHvQnpKH46MuzCDYZqP8NyibjdQcr6QmuS3qYFLbcLwCUbJdyhZBF5s76Ze-EYl2hfymbCvx4TLX8w/s1024/MING-y%201.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijebmXbLesob5Gs1fd0tL6HmNBSbnenMRZH6lR76MGZ2vTh7NEp_tvKIyz60O4njynenWta4ce5wBim7OKKQap4JmhSwTdhkXi-fQdgVQ5kobyntHvQnpKH46MuzCDYZqP8NyibjdQcr6QmuS3qYFLbcLwCUbJdyhZBF5s76Ze-EYl2hfymbCvx4TLX8w/w640-h640/MING-y%201.jpg" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">A HISTÓRIA DE
MING-Y<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Koizumi Yakumo<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(Lafcadio Hearn)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(1850 – 1904)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Tradução de autor anônimo do séc. XX<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Há
cerca de quinhentos anos, no reinado do Imperador Houng-Wou<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20HIST%C3%93RIA%20DE%20MING.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>,
cuja dinastia era Ming, vivia na cidade de Genii um homem chamado Tien-Pelou.
Tinha um filho, um belo rapaz que em saber, aparência e cortesia não tinha quem
o excedesse entre os jovens de sua idade. Chamava-se Ming-Y. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ora,
aconteceu que, quando o rapaz completou o seu décimo oitavo verão, Pelou, seu
pai, foi nomeado inspetor da Instrução Pública da cidade de Tching-Tou, e
Ming-Y acompanhou sua família para lá. Perto da cidade de Tching-Tou vivia um
rico homem de categoria, um alto comissário do governo, cujo nome era Tchang, e
que desejava encontrar um digno preceptor para seus filhos. Ao ter notícia da
chegado do novo inspetor da Instrução Pública, o nobre Tchang visitou-o, e,
acontecendo travar conhecimento com o talentoso filho de Pelou, imediatamente
contratou Ming-Y como professor particular de sua família. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ficando<span style="color: #0070c0;"> </span>a casa deste senhor Tchang situada a várias
léguas da cidade, decidiu-se que era melhor Ming-Y fosse morar na casa de seu
patrão. Assim, o moço preparou todas as coisas necessárias para a sua nova
residência, e seus pais, ao se despedirem dele, deram-lhe muitos conselhos e
citaram as palavras de Lao-Tseu e dos antigos sábios:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Por um belo rosto o
mundo se enche de amor; mas o céu nunca se iludirá com isso. Se vires uma
mulher vindo do Leste, olha para o Oeste; se perceberes uma mulher aproximando
do Oeste, volta teus olhos para o Leste". <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Se
Ming-Y não seguiu este conselho, algum tempo depois, foi devido à sua juventude
e a leviandade de um coração naturalmente alegre. Partiu e foi morar na casa do
Senhor Tchang, enquanto o outono passava e o inverno também. Quando a segunda
luz da primavera se aproximava e com ela aquele dia feliz, que os chineses
chamam Hoa-Tchao, ou "O Nascimento de Cem Flores”, Ming-Y sentiu saudades
de seus pais e abriu seu coração ao bom Tchang, que, não só lhe deu a permissão
desejada, mas ainda lhe pôs na mão um presente de prata de duas onças, achando
que o rapaz deveria desejar levar algum pequeno presente a seu pai e a sua mãe.
Pois é um costume chinês, na festa de Hoa-Tchao, dar presentes a amigos e
parentes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Nesse
dia, todo o ar ficou sonolento com o perfume das flores e vibrante com o
zumbido das abelhas. Pareceu a Ming-Y que o caminho que ele seguia não tinha
sido pisado havia longos anos. A erva crescia nele; vastas árvores de um e de
outro lado entrelaçavam seus grandes galhos musgosos por cima dele, sombreando
o caminho; mas as folhosas obscuridades vibravam com o canto das aves e as
profundas perspectivas do bosque eram coloridas por vapores de ouro e
rescendentes de hálitos de flores como um templo de incenso. A sonolenta
alegria do bosque entrou no coração de Ming-Y, que se sentou entre as flores recém-desabrochadas,
sob os ramos oscilantes contra o céu violeta, para sorver o perfume e a luz e
gozar o grande e suave silêncio. Enquanto assim repousava, um som lhe fez
voltar o olhar para um luar sombreado, povoado de pessegueiros silvestres em
flor, e viu uma jovem mulher, bela como as próprias flores, tentando
esconder-se entre elas. Embora olhasse por um instante apenas, Ming-Y notou a
pureza de sua cútis e o brilho de seus longos olhos, que rutilavam sob um par
de sobrancelhas tão delicadamente curvadas como as asas abertas da borboleta do
bicho da seda. Ming-Y desviou a vista imediatamente; erguendo-se às pressas,
prosseguiu seu caminho. Mas tão embaraçado estava, lembrando aqueles olhos
encantadores, espreitando para ele através das folhas, que deixou cair o
dinheiro que levava na manga sem o notar. Alguns momentos depois, ouviu um
ruído de pés ligeiros, correndo atrás de si, e uma voz chamando-o pelo nome.
Voltando o rosto, com grande surpresa, viu uma encantadora serva que lhe disse:
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Senhor, minha ama pediu-me que apanhasse e vos entregasse esta prata, que
deixastes cair na estrada. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ming-Y
agradeceu gentilmente e pediu-lhe que transmitisse os seus cumprimentos à sua
ama. Depois, prosseguiu seu caminho através do silêncio perfumado, entre as
sombras que sonhavam ao longo do caminho esquecido, ele próprio sonhando também,
e sentindo o coração palpitar com estranha rapidez, pensando na bela criatura
que tinha visto. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Foi
num dia exatamente assim que Ming-Y, voltando pelo mesmo caminho, parou mais
uma vez no lugar onde a graciosa figura aparecera momentaneamente diante dele.
Desta vez, porém, ficou surpreendido de perceber, através de longo panorama de
árvores imensas, uma morada que antes tinha escapado à sua percepção — uma
residência de campo, não grande, mas extraordinariamente elegante. As telhas
azul-celeste do duplo teto curvo e dentado, elevando-se acima da folhagem,
pareciam confundir a sua cor com o azul luminoso do dia; os desenhos verdes e
dourados de seus pórticos esculpidos eram esquisitas zombarias artísticas das
folhas e flores banhadas de Sol. E, no cimo da escada do terraço, guardada por
grandes tartarugas de porcelana, Ming-Y viu, em pé, a dona da mansão — o ídolo
de sua apaixonada fantasia —, em companhia da mesma serva que lhe levara a sua
mensagem de gratidão. Enquanto olhava, Ming-Y percebeu que elas o observavam
também, sorriam e conversavam como se estivessem falando dele, e, por mais
tímido que fosse, o jovem reuniu coragem para saudar de longe a beldade. Com
grande assombro seu, a criada fez-lhe sinal de que se aproximasse e, abrindo o
portão rústico, encoberto de trepadeiras com flores carmesim, Ming-Y avançou ao
longo da aleia verdejante que conduz ao terraço com sentimentos misturados de
tristeza e tímida alegria. Quando ele se aproximou, a bela dama desapareceu;
mas a serva esperou na larga escadaria, e disse, quando ele subia: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—Senhor,
minha ama sabe que desejais agradecer-lhe o serviço que há pouco ela me pediu
vos prestasse, e pede que tenhais a bondade de entrar em sua casa, pois já vos
conhece de fama e deseja o prazer de dar-vos bom-dia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ming-Y
entrou timidamente, os passos silenciosos nos tapetes macios como o musgo da
floresta, e encontrou-se numa vasta câmara de recepção, fresca e recendendo o
perfume de flores recém-colhidas. Uma deliciosa quietude enchia a mansão;
sombras de aves passavam pelas faixas de "jus" que entravam através
das meias-persianas de bambus; grandes borboletas com asas, de cores
brilhantes, entravam, também, pairando um momento em volta dos vasos pintados e
desaparecendo outra vez no bosque misterioso. E tão silenciosa como as
borboletas, a jovem dona da casa entrou por outra porta e cumprimentou o rapaz,
que levou as mãos ao peito e se curvou em profunda saudação. Era mais alta do
que lhe parecera vista de longe, formosamente esbelta como um lírio; tinha o
cabelo negro ornado de flores cor de creme de "chu-sha-kih", e as
suas vestes de seda pálida assumiam cores diversas quando ela se movia, como os
vapores mudam de luz com a mudança da luz.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Se não me engano — disse ela, quando ambos estavam sentados, e depois de
haverem trocado as costumeiras formalidades de cortesia —, o meu honrado
visitante não é outro senão Tien-Chou, cognominado Ming-Y, educador dos filhos
de meu respeitável parente, o alto comissário Tcheng. Como a família do Senhor
Tchang é a minha família também, não posso deixar de considerar o professor de
seus filhos como meu próprio parente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Senhora — respondeu Ming- Y, sem assombro —, permiti-me perguntar o nome de
vossa honrada família e qual o vosso grande parentesco com o meu patrão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O nome de minha pobre família — respondeu a bela dama — é Ping, uma antiga
família da cidade de Tching-Tou. Eu sou filha de um certo Sie Moun-Hao. Sie é
meu nome também, e fui casada com um moço da família Ping, cujo nome era Khang.
Com este casamento tornei-me parente de vosso excelente patrão, mas meu marido
morreu pouco depois do nosso casamento, e eu escolhi este lugar solitário para
residir durante o período da minha viuvez. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Havia
uma música sonolenta na sua voz, como a da melodia dos rios, os murmúrios das
fontes, e uma graça tão estranha no seu modo de falar como Ming-Y nunca ouvira.
Contudo, ao saber que era viúva, o jovem não queria ficar muito tempo na sua
presença, sem um convite formal, e, depois de tomar a chávena de delicioso chá
que lhe fora oferecido, levantou-se para partir. Sie não permitiu que ele se
fosse tão rapidamente. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Não, amigo — disse. — Ficai ainda mais um pouco na minha casa, rogo-vos; pois
se o vosso honrado patrão viesse a saber que estivestes aqui e que eu não vos
tinha tratado como hóspede respeitável e obsequiado como a ele próprio, sei que
ficaria enormemente irritado. Ficai ao menos para a ceia. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Assim,
Ming-Y ficou, regozijando-se intimamente, pois Sie parecia-lhe o ser mais belo
e meigo que já vira e conhecera, e sentiu que a amava mais do que a seu pai e a
sua mãe. E, enquanto conversavam, as longas sombras do anoitecer misturaram-se
numa escuridão violenta; a grande luz da cidra do Sol poente apagou. E aqueles
seres estrelados que são chamados os Três Conselheiros e presidem à vida, à
morte e aos destinos dos homens, abriram os olhos frios ao Norte do céu. Dentro
da mansão de Sie acenderam-se as lanternas pintadas, foi posta a mesa para o
repasto da noite. E Ming-Y sentou-se a ela, sentindo pouca disposição para
comer, absorto que estava apenas na face que tinha diante de si. Observando que
ele mal provava as iguarias postas no seu prato, Sie insistiu com seu jovem
hóspede para que bebesse vinho, e os dois tomaram vários copos juntos. Era um
vinho púrpura, tão fresco que a taça em que era vertido se cobria de orvalho,
e, contudo, parecia aquecer as veias de um estranho fogo. Para Ming-Y, à medida
que bebia, todas as coisas se tornavam luminosas como por encanto, e as paredes
da sala pareciam recuar e o teto subir, as lâmpadas brilhavam como estrelas nas
suas correntes, e a voz de Sie chegava flutuante aos ouvidos do rapaz como uma
melodia ouvida através do espaço numa noite sonolenta. O seu coração intumesceu,
a língua soltou-se-lhe, e de seus lábios saíam palavras que ele imaginara nunca
ousariam pronunciar. Sie, entretanto, não procurava reprimi-lo: seus lábios não
sorriam, mas os seus olhos brilhantes pareciam rir de prazer com as suas
palavras de louvor e respondia ao seu olhar de apaixonada admiração com
afetuoso interesse. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuD8b8z95nWTiyzTSTKLGTLJX-SpnIMUP1YIZnCRBNG22e_u709TqP3EZbyhi3txZkwxepRmuMgibmCUzsnZa1cJhDAWWzr1TPshJV4MhrRcps4zIerPuHlG9NPM9VTEvHNDjb4lHyuTDTPauCzz0OZUICiuoRPV4DOB9w_X0U7Riw7d0QquEwDAlYAEQ/s1024/ming-y%202.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuD8b8z95nWTiyzTSTKLGTLJX-SpnIMUP1YIZnCRBNG22e_u709TqP3EZbyhi3txZkwxepRmuMgibmCUzsnZa1cJhDAWWzr1TPshJV4MhrRcps4zIerPuHlG9NPM9VTEvHNDjb4lHyuTDTPauCzz0OZUICiuoRPV4DOB9w_X0U7Riw7d0QquEwDAlYAEQ/w400-h400/ming-y%202.jpg" width="400" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"><br /></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> </span></div>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Tenho ouvido falar — disse ela — de vosso raro talento e de vossos inúmeros
dotes. Eu canto um pouco, se bem não possa gabar-me de nenhuma cultura musical,
e, agora, que tenho a honra de me encontrar em companhia de um professor de
música, aventurar- me-ei a pôr de parte a modéstia e a rogar-vos canteis
algumas canções comigo. Consideraria não pequena lisonja para mim se condescendêsseis
em examinar as minhas composições musicais. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
A honra e a lisonja, cara senhora — respondeu Ming-Y —, serão minhas, e não
tenho palavras para expressar a gratidão que merece o oferecimento de tão raro
favor. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
criada, obediente ao chamado de um pequeno gongo de prata, trouxe a música e
retirou-se.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ming-Y
tomou os manuscritos e começou a examiná-lo com vivo prazer. O papel em que
estavam escritos apresentava um tom amarelo pálido e era tão fino como gaze,
mas os caracteres eram antiquadamente belos, como se houvessem sidos traçados
pelo pincel do próprio Hei-Song Che-Tchoo — aquele divino gênio da tinta, que
não é maior do que uma mosca; as assinaturas ligadas às composições eram as de
Youentchin, Kaopien e Thou-Mou, pujantes poetas e músicos da dinastia de Thang!
Ming-Y não pôde reprimir um grito de prazer à vista de tesouros tão
inestimáveis e tão únicos, mal pôde reunir resolução suficiente para permitir
deixassem as suas mãos percorrê-los mesmo por um instante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Oh, senhora! — exclamou. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Estas são
coisas verdadeiramente inestimáveis, superiores em valor aos tesouros de todos
os reis. Esta é, com efeito, a letra daqueles grandes mestres que cantaram
quinhentos anos antes do nosso nascimento. Como está maravilhosamente
conservada! Não é esta a tinta maravilhosa sobre a qual se escreveu: “Depois de
séculos, eu permaneço firme como a rocha e as letras que eu faço são como laca”?
E como é divino o encanto desta composição! — a canção de Kao-Pien, príncipe
dos poetas e governador de Sze-Tchouen, quinhentos anos atrás! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—Kao-Pien!
Querido Kao-Pien! — murmurou Sie, com uma luz singular nos olhos. — Kao-Pien é
também o meu preferido. Caro Ming-Y, cantemos os versos juntos, com a melodia
de antanho — a música daqueles grandes anos, quando os homens eram mais nobres
e mais sábios do que hoje. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
suas vozes elevaram-se através da noite perfumada como as vozes dos pássaros
milagrosos — dos Fun-Hoang — confundindo-se em líquida doçura. Um momento
depois, Ming-Y, dominado pela magia da voz de sua companheira, apenas pôde
escutar um mudo êxtase, enquanto as luzes da sala dançavam diante da sua vista,
e lágrimas de prazer corriam pela sua face.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Assim
passou uma hora, e eles continuavam a conversar e a beber o fresco vinho
púrpura e a cantar as canções dos tempos de Tchang, através da noite. Mais de
uma vez, Ming-Y pensou em partir, mas toda vez Sie recomeçava, naquela sua voz
de prata, uma história tão maravilhosa dos grandes poetas do passado e das
mulheres que eles tinham amado, que ele ficava extasiado, ou então cantava para
ele uma canção tão estranha que todos os seus sentidos pareciam desaparecer,
exceto o do ouvido. E, por fim, quando ela se interrompeu para beber com ele
uma taça de vinho, Ming-Y não pôde conter-se e, lançando-lhe um braço em volta
do pescoço redondo, puxou-lhe a cabeça delicadamente para si e beijou-a nos
lábios, que eram mais rubros que o vinho. Depois seus lábios não se separaram
mais, e a noite ia adiantada, e eles não o sabiam. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">As
aves acordaram, as flores abriram os olhos para o Sol nascente, e Ming-Y viu-se
finalmente obrigado a despedir-se de sua encantadora amante. Sie acompanhou-o
até o terraço, beijou-o delicadamente e disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Querido rapaz, vem aqui todas as vezes que
puderes... todas as vezes que teu coração te murmure que venhas. Eu sei que não
és desses sem fé e verdade, que traem segredos. Contudo, sendo tão jovem,
poderia ser irrefletido algumas vozes. Peço-te, porém, que nunca esqueças de
que só as estrelas foram testemunhas do nosso amor. Não fales disto a viva
alma, bem-amado, e leva contigo esta pequena recordação da nossa noite feliz. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
presenteou-o com uma coisinha esquisita e curiosa — um peso de papéis
semelhando um leão deitado, esculpido em jade amarelo, como criado por um
arco-íris em honra de Kong-Fu-Tze. Ternamente, o rapaz beijou o presente e a
bela mão que lho deu. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Que os Espíritos me castiguem — jurou — se, alguma vez, que eu saiba, der
motivo que me que me censures, querida! — e separaram-se com mútuas promessas
de fidelidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Naquela
manhã, quando voltou à casa do senhor Tchang, disse a primeira mentira que
jamais passara pelos seus lábios. Asseverou que sua mãe pedira que, daí em
diante, passasse as noites em sua casa, agora que o tempo se tinha tornado tão
agradável, pois, embora a distância fosse grande, ele era forte e ativo e
precisava de ar livre e exercício físico. Tchang acreditou em tudo que Ming-Y
lhe disse e não se opôs. Assim, o rapaz pôde passar todas as noites na casa da
bela Sie. Todas as noites, eles se dedicavam ao mesmo prazer que tinha tornado
tão encantador o seu primeiro encontro: cantavam e conversavam alternadamente;
jogavam xadrez — o sábio jogo inventado por Wu-Wang, que é uma imitação de
guerra; compunham peças de oito rimas sobre as flores, as árvores, as nuvens,
as fontes, as aves, as abelhas. Em tudo, porém, Sie excedia muito ao seu jovem
namorado. Toda vez que jogavam xadrez, era sempre o general de Ming-Y, o “tsiang”
de Ming-Y, que era cercado e vencido; quando compunham versos, os versos de Sie
eram sempre superiores aos seus em harmonia, colorido de palavras, elegância de
forma, em majestade clássica de pensamento. E os temas que eles escolhiam eram
sempre os mais difíceis — os dos poetas da dinastia Thang; as canções que
cantavam eram também as de quinhentos anos atrás — as canções de Youentchin,
Thou-Mou, de Kao-Pien sobretudo, grande poeta e governador dia província de
Ste-Tchouen. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Assim
o verão passou sobre o seu amor, e veio o outono luminoso com seus vapores de
ouro fantasma, suas sombras de púrpura mágicas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Então,
inesperadamente, o pai de Ming-Y encontrou-se com o patrão de seu filho em
Tching-Tou, e este perguntou-lhe:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Por que há de vosso filho continuar a ir para sua casa todas as noites, agora
que o inverno se aproxima? A caminhada é puxada e quando chega de manhã parece
cansado. Por que não lhe permitis que durma em minha casa durante a estação da
neve? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
o pai de Ming-Y, muito espantado, respondeu: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Senhor, meu filho não visitou a cidade, nem esteve em nossa casa durante todo este
verão. Temo que tenha adquirido maus hábitos e passe as noites em má companhia,
talvez jogando, ou bebendo com as mulheres dos barcos de flores. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mas
o alto comissário replicou: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Não Isso não pode ser. Eu nunca encontrei nenhuma maldade em vosso filho, e não
há tavernas, nem barcos de flores, nem quaisquer lugares de dissipação nestas
redondezas. Sem dúvida, Ming-Y encontrou amável moço de sua idade com quem
passa os serões e só me disse uma mentira com medo de que eu não lhe permitisse
deixar a minha residência. Peço-vos que não lhe digais nada enquanto eu não
tiver procurado descobrir este mistério, e esta mesma noite mandarei o meu
criado atrás dele, para ver aonde vai.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Pelou
assentiu prontamente e, prometendo visitar Tchang na manhã seguinte, voltou
para sua casa. À noite, quando Ming-Y deixou a casa de Tchang, um criado o
seguiu de longe sem ser notado. Mas, ao chegar à parte mais escura da estrada,
o rapaz desapareceu da sua vista tão subitamente como se a terra o tivesse
engolido. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Depois de o ter procurado em
vão, o doméstico voltou muito intrigado para casa e narrou o que acontecera.
Tchang mandou imediatamente um mensageiro a Pelou. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Entretanto,
Ming-Y, entrando na câmara de sua bem-amada, ficou surpreendido e profundamente
penalizado de vê-la em lágrimas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Querido — soluçou ela, lançando-lhe os
braços em volta do pescoço —, estamos prestes a separar-nos para sempre, por
razões que eu não posso revelar. Desde o princípio que eu sabia que isto
deveria acontecer e, não obstante, no momento me pareceu uma perda tão
subitamente cruel, um infortúnio tão inesperado, que não pude deixar de chorar!
Depois desta noite, nunca mais tornaremos a ver-nos, bem-amado, e eu sei que tu
não poderás esquecer-me enquanto viveres. Mas eu sei também que te tornarás um
grande letrado, serás cumulado de honra e riquezas e que alguma bela e amorosa
mulher vos consolará de minha perda. E, agora, não falemos mais de pesar, mas
passemos esta última noite alegremente, a fim de que minha recordação não seja
penosa e que possais lembrar mais de meu riso do que das minhas lágrimas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Limpou
as gotas brilhantes da face e trouxe vinho e música e o melodioso
"kin" de sete cordas de seda, e não permitiu que Ming-Y falasse, nem
por um instante, da próxima separação. E cantou para ele uma canção antiga sobre
a calma dos lagos no verão, refletindo apenas o azul do céu, e a calma do
coração, antes que as nuvens dos cuidados, do pesar e da fadiga obscurecessem o
seu pequeno mundo. Em breve eles esqueceram o seu pesar na alegria da música e
do vinho, e aquelas últimas horas pareceram a Ming-Y mais celestiais até mesmo
do que as primeiras horas do seu conhecimento. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mas
quando a beleza amarela da manhã começou a aparecer, sua tristeza voltou e
ambos choraram. Uma vez mais, Sie acompanhou seu amante até às escadas do
terraço, beijou-o em despedida, pôs-lhe na mão um presente, um pequeno estojo
de pincéis de ágata, maravilhosamente cinzelado e digno da mesa de um grande
poeta. E separaram-se para sempre, derramando muitas lágrimas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Apesar
de tudo isso, Ming-Y não podia acreditar que fosse uma separação eterna.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Não!"
— pensava. — "Visitá-la-ei amanhã, pois não posso viver sem ela, e tenho a
certeza de que ela não poderá recusar-se a receber-me.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Tais
os pensamentos que enchiam a sua mente quando chegou à casa de Tchang, onde
encontrou seu pai e seu patrão, em pé ao limiar, à sua espera. Antes que ele
pudesse pronunciar uma palavra, Pelou perguntou: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Filho, em que lugar tens passado as noites? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Vendo
que tinha sido descoberto, Ming-Y não ousou responder. E ficou confuso e
silencioso, de cabeça baixa, na presença de seu pai. Então Pelou, ferindo o
rapaz violentamente com o seu bordão, ordenou-lhe que revelasse o segredo e,
finalmente, em parte por medo de seu pai, e em parte por medo da lei que ordena
que “o filho que recusar a obedecer a seu pai, será punido com um cento de
pancadas com a vara de bambu”, Ming-Y gaguejou a história de seu amor. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Tchang
mudou de cor ao ouvir a narrativa do rapaz. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Filho, eu não tenho parente nenhum com o nome de Ping. Nunca ouvi falar da
mulher que descreveste. Nunca ouvi falar nem mesmo da casa a que te refere. Mas
sei também que não ousarias mentir a Pelou, teu honrado pai. Deve haver alguma
estranha ilusão em tudo isto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Então
Ming-Y mostrou os presentes que Sie lhe dera: o leão de jade amarelo, a caixa
de pincéis de ágata lavrada e algumas composições originais dela própria. O
assombro de Tchang foi compartilhado por Pelou. Ambos observavam que a caixa de
pincéis de ágata e o leão de jade tinham o aspecto de objetos que jazeram
enterrados na terra durante séculos e que eram de um primor de arte que nenhum
homem vivo seria capaz de imitar, ao passo que as composições eram verdadeiras
obras-primas de poesia, escritas no estilo dos poetas da dinastia de Tchang.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Amigo Pelou — exclamou o alto comissário —, acompanhemos imediatamente o rapaz
ao lugar onde ele obteve estas coisas milagrosas e apliquemos o testemunho de
nossos sentidos a este mistério. O rapaz está, sem dúvida, dizendo a verdade,
mas a história excede à minha compreensão. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
os três encaminharam-se para o lugar da habitação de Sie.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mas,
quando chegaram à parte mais sombreada da estrada, onde os perfumes eram mais
doces, os musgos mais verdes e os frutos do pessegueiro silvestre mais rosados,
Ming-Y, olhando através dos bosques, soltou um grito de assombro. Onde o
telhado de telhas azuis se envergava contra o céu, havia apenas o vazio azul do
ar; onde estivera a fachada verde-dourada, via-se apenas a agitação de folhas
sob a áurea luz outonal, e onde se estendia o amplo terraço, apenas podia
distinguir-se uma ruína — um túmulo tão antigo, tão profundamente corroído pelo
musgo, que o nome gravado nele já não se podia decifrar. A casa de Sie havia
desaparecido. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Subitamente,
o alto comissário bateu na cabeça e, voltando-se para Pelou, recitou o bem
conhecido verso do antigo poeta de Tching-Kou: “Decerto as flores do
pessegueiro florescem sobre o túmulo de Sie-Thao". <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Amigo Pelou — continuou Tchang —, a beleza que enfeitiçou vosso filho não foi
outra que aquela cuja sepultura está aí diante de nós! Não disse ela que era
casada com Ping-Khang? Não existe família nenhuma com este nome, mas Ping-Khang
é, com efeito, um amplo beco da cidade próxima. Havia um enigma em tudo o que
ela dissera. Ela se chamou Sie de Moun-Hiao. Não há pessoa com esse nome, não
há rua com esse nome, mas os caracteres chineses Moun e Hiao, colocados juntos,
formam o caráter “Kiao”. Escute! O beco Ping-Khang, situado na rua do Kiao, era
o lugar onde moravam as grandes cortesãs da dinastia de Tchang! Não cantou ela
a canção de Kaopien? E sobre o estojo de pincéis e o peso de papeis, que ela
deu a seu filho, não estão os caracteres que dizem: “Puro objeto de arte
pertencente à cidade de Pno-Hai”? A cidade não existe mais, mas a memória de
Kao-pien permanece, pois era governador da província de Sie-Tchouen, e um
grande poeta. E quando viveu na terra de Chou, não era sua favorita a bela e
volúvel Sie — Sie-Tchao, incomparável em graça entre todas as mulheres do seu
tempo? Foi ela quem lhe deu de presente aqueles manuscritos de canção; foi ela
quem lhe deu aqueles objetos de arte. Sie-Thao não morreu como morrem as outras
mulheres. Os seus membros poderão estar pulverizados. Alguma coisa dela vive
ainda, porém, neste bosque profundo, sua sombra habita ainda estes lugares
sombrios. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Tchang
parou de falar. Um vago temor se apossou dos três. Os vapores finos da manhã
tornavam indivisas as distâncias verdes e aprofundava a beleza fantasmagórica
do bosque. Uma brisa vaga passou por eles, deixando um rasto de cheiro de flor
— o último cheiro de flores murchas, débil como o que se prende à seda de um
vestido esquecido, e, quando passou, as árvores pareceram murmurar através do
silêncio: “Sie-Thao”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Temendo
muito por seu filho, Pelou mandou imediatamente o rapaz para a cidade de
Kwang-Tchau-Fu. E aí, anos depois, Ming-Y obteve altas dignidades e honras em
virtude de seu talento e sabedoria, e desposou a filha de uma casa ilustre, com
quem teve filhas e filhos famosos por suas virtudes e educação. Nunca,
entretanto, pôde esquecer Sie-Thao, e, contudo, diz-se que nunca falou dela,
nem mesmo a seus filhos, quando eles lhe pediam que lhes contasse a história de
dois belos objetos que estavam sempre sobre a sua mesa de escrever: um leão de
jade amarelo e um estojo de pincéis de ágata lavrada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Fonte: “A Cigarra”/SP,
edição de janeiro de 1950.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Imagens: Ps/Copilot<o:p></o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20HIST%C3%93RIA%20DE%20MING.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Imperador da
China entre 1383 e 1389.<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-76812354179943274752024-03-12T11:23:00.004-03:002024-03-17T00:44:57.766-03:00UMA VISITA SOBRENATURAL - Narrativa Clássica Verídica Sobrenatrual - S. R. Wilmot e W. B. H.<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOIEvZAO1u577W5Bs0q1746PgGHoxJWdCYpLBJS2y78beuvFdiwBuEWbxZYCw4JolVCNvaECcj9-iGYjKI9ghh9EGup7Aad89buXC3FwK4s59LLpAdy-0EGX-614AIYvCwNQrWI7f555-c_Y1NIMBVP5MRAUh-wEyFH-JNq9HNzqB7P9dnL_UuHywAdwQ/s1024/VISITA%20SOBRENATURAL2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOIEvZAO1u577W5Bs0q1746PgGHoxJWdCYpLBJS2y78beuvFdiwBuEWbxZYCw4JolVCNvaECcj9-iGYjKI9ghh9EGup7Aad89buXC3FwK4s59LLpAdy-0EGX-614AIYvCwNQrWI7f555-c_Y1NIMBVP5MRAUh-wEyFH-JNq9HNzqB7P9dnL_UuHywAdwQ/w640-h640/VISITA%20SOBRENATURAL2.jpg" width="640" /></a></div><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">UMA
VISITA SOBRENATURAL<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">S.
R. Wilmot<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20VISITA%20SOBRENATURAL.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a> e
W. B. H.<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20VISITA%20SOBRENATURAL.docx#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a> <o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">(Séc.
XIX)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Em
3 de outubro de 1863, parti de Liverpool para Nova York, no vapor City of
Limerick, da linha Inman, sob o comando do capitão Jones.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Na
noite do segundo dia de viagem, pouco depois de deixar Kinsale Head, teve
início uma forte tempestade, que durou nove dias. Durante este tempo, não vimos
o Sol, as estrelas ou qualquer outra embarcação; os baluartes da proa foram
arrastados, uma das âncoras soltou-se das amarras e causou danos consideráveis
antes de ser fixada, e várias velas de tempestade robustas, apesar de bem
amarradas, foram arrastadas e as retrancas partidas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Na
noite que se seguiu ao oitavo dia de mau tempo, a tempestade abrandou um pouco
e, pela primeira vez desde que deixei o porto, tive um sono reparador.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Quando
amanhecia, sonhei que via a minha mulher, que havia partido aos Estados Unidos,
chegando, de camisola, à porta do meu camarote. Tive a impressão de que ela
notara que eu não era o único ocupante do quarto; assim, depois de uma breve
hesitação, avançou até onde eu estava, abaixou-se e beijou-me. Depois de me
acariciar suavemente por alguns instantes, retirou-se calmamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ao
acordar, fiquei surpreso ao ver o meu companheiro de viagem — cujo beliche
ficava acima do meu, mas não diretamente, devido ao fato de o nosso quarto
estar na popa do navio — apoiado no cotovelo e olhando fixamente para mim. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Tens de ser um belo rapaz — disse ele por fim —, para que uma dama venha
visitá-lo assim. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Eu
o pressionei por uma explicação, que ele inicialmente se recusou a dar, mas
acabou por contar-me o que vira, quando estava bem acordado, deitado no seu
beliche. Correspondia exatamente ao meu sonho. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Esse
cavalheiro era William J. Tait, e fora meu companheiro de quarto na viagem de
ida, em julho anterior, no vapor Olympus da Cunard; ele era natural de
Inglaterra e filho de um clérigo da Igreja Estabelecida. Viveu durante alguns
anos em Cleveland, no Estado de Ohio, onde ocupou o cargo de bibliotecário da
Biblioteca Associada.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Naquela altura,
tinha ele, talvez, cinquenta anos de idade e, ademais, não era o seu costume
fazer brincadeiras tolas; ao contrário, era um homem calmo e muito religioso,
cujo testemunho sobre qualquer assunto podia ser tomado sem hesitação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Pareceu-me
tão estranho aquele incidente que eu o interroguei sobre o fato, em três
ocasiões distintas, a última das quais pouco antes de chegarmos ao porto.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O Sr. Tait repetiu-me o mesmo relato do que
havia testemunhado. Quando chegamos em Nova York, nós nos separamos e eu nunca
mais o vi, embora saiba que ele morreu há alguns anos em Cleveland.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">No
dia seguinte ao desembarque, apanhei um trem para Watertown, Connecticut, onde
os meus filhos e a minha mulher visitavam os pais dela. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Assim
que estávamos a sós, a sua quase primeira pergunta foi a seguinte:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Recebeste a minha visita na terça-feira da semana passada? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Uma visita tua? — disse eu. —Estávamos a mais de mil milhas no mar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Eu sei — respondeu ela —, mas tenho a impressão de que o visitei.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Isto seria impossível — disse eu.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Diz-me o que te leva a pensar assim. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
minha mulher contou-me então que, em razão da severidade do tempo e da notícia
da perda do África — que zarpou para Boston no mesmo dia em que deixei
Liverpool com destino a Nova York, e que desembarcara de Cape Race —, havia
ficado extremamente preocupada comigo. Na noite anterior —a mesma noite em que,
como já disse, a tempestade tinha começado a abrandar —, ficara ela acordada
durante muito tempo, pensando em mim e, por volta das quatro horas da manhã,
pareceu-lhe que tinha saído para me procurar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvmeYrmjx-wytsqngsTEMGv2iULlkt6BfQIBw5DMDfjrcTcpYed16zXXahyIDDqjYinaXyhab_9u7i13bcOxguXDcoxLM3bTt_bNFisZ42pibk_-alDFdDESwNv5TTtYExdETleMYbgPmcs1ZfIBlfVvWVGKpSLiC4S5KMrb9WMC0Ph9298p_D4_7rQGk/s1024/VISIITA%20SOBRENATURAL1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvmeYrmjx-wytsqngsTEMGv2iULlkt6BfQIBw5DMDfjrcTcpYed16zXXahyIDDqjYinaXyhab_9u7i13bcOxguXDcoxLM3bTt_bNFisZ42pibk_-alDFdDESwNv5TTtYExdETleMYbgPmcs1ZfIBlfVvWVGKpSLiC4S5KMrb9WMC0Ph9298p_D4_7rQGk/w400-h400/VISIITA%20SOBRENATURAL1.jpg" width="400" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Cruzando
o mar amplo e tempestuoso, finalmente chegou a um navio a vapor baixo e negro,
a cujo costado subiu. Descendo, depois, para a cabine, atravessou-a até a popa,
chegando, finalmente, ao meu camarote.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Diz-me — disse ela — se havia, em teu navio, camarotes como aquele que eu vi,
no qual o beliche de cima recua-se em relação ao de baixo.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Havia um homem no beliche superior, olhando
para mim. Por instantes, tive medo de entrar, mas depressa me aproximei de teu beliche,
abaixei-me, eu te beijei e te abracei; depois, fui-me embora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
descrição que a minha mulher fez do navio a vapor estava correta em todos os
aspectos, embora ela nunca o tivesse visto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Fonte: Isaac K. Funk
(1839 - 1912), em “The Widow’s Mite and Other Psychic Phenomena”, 3ª. Edição,
1911, Funk & Wagalls, Londres.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Imagem: PS/Copilot.<o:p></o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20VISITA%20SOBRENATURAL.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Protagonista e
narrador original.<o:p></o:p></span></p>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20VISITA%20SOBRENATURAL.docx#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Redator final.<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div><br /><p></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-55347164144045895792024-03-12T11:16:00.001-03:002024-03-12T11:16:23.992-03:00MORTE PELO RISO - Narrativa Clássica de Terror - Pu Songling<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdJrfpY-jAqDuYGRkUiWCCBTBD4vQd6CK0L2TQFZmSabdaBd2TdowDz2qvvwApzLEb3vQLNaEep5YR-LxGBo867bjTaE8Z2db39ooAQ6MQzY05liVmZ9tcEDOgIsxuHy7hkPpnndxJ21krjDq5kqnwHaOINi1sGkSK8t4cYAeyYSsKqHRqCz049NnRk5g/s1024/morte%20pelo%20riso2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdJrfpY-jAqDuYGRkUiWCCBTBD4vQd6CK0L2TQFZmSabdaBd2TdowDz2qvvwApzLEb3vQLNaEep5YR-LxGBo867bjTaE8Z2db39ooAQ6MQzY05liVmZ9tcEDOgIsxuHy7hkPpnndxJ21krjDq5kqnwHaOINi1sGkSK8t4cYAeyYSsKqHRqCz049NnRk5g/w640-h640/morte%20pelo%20riso2.jpg" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">MORTE PELO RISO<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Pu Songling<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(1640 - 1715)</span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
professor universitário Sun Ching-hsia contou-me que, em sua aldeia, um certo
homem fora aparentemente assassinado por rebeldes que assediaram o lugar. A
cabeça do homem tombara sobre o peito. Assim que os rebeldes se foram, os
servos recolheram o corpo do infeliz, e já estavam prestes a enterrá-lo, quando
viram que ele ainda respirava. Examinaram-no com redobrada atenção e constataram
que a traqueia não estava completamente cortada. Colocando a cabeça no seu
devido lugar, levaram-no de volta a casa. Em vinte e quatro horas, o homem
começou a gemer e, à força de alimentá-lo cuidadosamente, com o emprego de uma
colher, em seis meses estava ele completamente recuperado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Cerca
de dez anos depois, o homem conversava com alguns amigos, quando um deles
contou uma piada que motivou intensos aplausos dos camaradas. O nosso herói
também aplaudiu. Mas, enquanto ele, de tanto rir, se movimentava para trás e
para frente, a sutura de seu pescoço se abriu e a sua cabeça tombou com um
jorro sanguinolento.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Viram,
então, que ele estava morto. O seu pai, prontamente, ingressou com uma ação
judicial contra o brincalhão<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/MORTE%20PELO%20RISO.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>.
Mas os que estavam presentes subscreveram uma soma em dinheiro e a entregaram
ao pai do homem falecido. Tendo sepultado o filho, o pai desistiu da ação
judicial.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Versão em português de
Paulo Soriano, a partir da tradução inglesa de Herbert Giles (1845 – 1935).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Imagem: PS/Copilot.<o:p></o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/MORTE%20PELO%20RISO.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Os chineses
distinguem cinco graus de homicídio, dentre os quais o homicídio acidental (ver
Código Penal, Livro VI). Assim, se uma arma dispara sozinha na mão de um homem
e mata um espectador, o detentor da arma é culpado de homicídio; mas, se a
mesma arma estivesse sobre uma mesa, seria considerada a vontade do Céu. Da
mesma forma, um homem é responsabilizado por qualquer morte causada por um
animal de sua propriedade. Em tais casos, a causa geralmente se resolve pelo
pagamento de quantia indenizatória, sem qualquer notificação dos crimes em
geral, a menos um promotor determine que uma investigação seja feita. Pode o
promotor, ainda, promover o arquivamento do processo. Quando as circunstâncias
são puramente acidentais, a lei admite uma compensação monetária. (Nota do
Tradutor original.)<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-66943233152491033132024-03-12T11:08:00.003-03:002024-03-12T11:18:58.612-03:00REPARAÇÃO POST MORTEM - Narrativa Clássica Verídica Sobrenatural - Catherine Crowe<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh16PPOG8P3tSymMRa47tWd-7IjtUYCssXl8eZ436I-61Xqlfknp7bpdO7PiT3lQc9GNBkqMhtvs6sMZ_azzhkD0ebNaOuvVQ0t2wrkMDppg7C8XCQkxVuc42WcFAcr6bm8QshuoZCWy5u-HK6MaNdZviUAuhrFgsJ2XiM5lXWvkyw24lrPD7GDZ3pJkQ4/s1024/REPARA%C3%87%C3%83O2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh16PPOG8P3tSymMRa47tWd-7IjtUYCssXl8eZ436I-61Xqlfknp7bpdO7PiT3lQc9GNBkqMhtvs6sMZ_azzhkD0ebNaOuvVQ0t2wrkMDppg7C8XCQkxVuc42WcFAcr6bm8QshuoZCWy5u-HK6MaNdZviUAuhrFgsJ2XiM5lXWvkyw24lrPD7GDZ3pJkQ4/w640-h640/REPARA%C3%87%C3%83O2.jpg" width="640" /></a></div><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">REPARAÇÃO <i>POST
MORTEM</i><o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Calibri;">Catherine
Crowe<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Calibri;">(1803 –
1876)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Calibri;">Tradução de
Paulo Soriano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
Dr. Bretton — que fora, no final da vida, nomeado reitor de Ludgat — havia
morado anteriormente em Herefordshire, onde se casou com a filha do Dr. Santer,
uma mulher de grande piedade e virtude. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Esta
senhora morreu. Certa feita, estava Alice, uma ex-empregada da falecida — a quem
a criada, agora casada, era muito apegada —, a amamentar o filhinho em sua
rústica vivenda. A porta se abriu e uma senhora, cópia fiel da Sra. Bretton no
vestuário e aparência, entrou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf8CjCZEfw8dfdcr-P3fqFSZyJD0CHysdBlYfJn1qdo_3_lqN81h-UCBsFj2Zoyt-j0kJgw-ByUr3GTbSjd-0Xf7gfg5qD5b7ZFjsksIYO53jTiInD2mbNzk_SYBGRClI91q4VOwXI6D8HzRkF070xE5Jmc-WaBmtnjpz39nR3saTVkefKiXbD44GqPyk/s1024/REPARA%C3%87%C3%83O2%20(2).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf8CjCZEfw8dfdcr-P3fqFSZyJD0CHysdBlYfJn1qdo_3_lqN81h-UCBsFj2Zoyt-j0kJgw-ByUr3GTbSjd-0Xf7gfg5qD5b7ZFjsksIYO53jTiInD2mbNzk_SYBGRClI91q4VOwXI6D8HzRkF070xE5Jmc-WaBmtnjpz39nR3saTVkefKiXbD44GqPyk/w400-h400/REPARA%C3%87%C3%83O2%20(2).jpg" width="400" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Se a minha senhora não estivesse morta — disse a mulher —, eu diria que você é
ela!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ao
que a aparição lhe disse que era ela, sim, e pediu-lhe que viesse consigo, pois
tinha algo de suma importância a lhe dizer. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Alice objetou, muito assustada, aquela
proposta, e pediu-lhe que se dirigisse ao Dr. Bretton. Mas a Sra. B. respondeu
que tinha se esforçado em fazê-lo, e tinha estado várias vezes no quarto do Dr.
Bretton para esse propósito, mas ele ainda dormia. Disse-lhe que não tinha o
poder de fazer mais para acordá-lo, senão descobrir-lhe os pés. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Alice,
então, alegou que não tinha ninguém para deixar com seu filho. A Sra. B.,
contudo, prometeu que a criança dormiria até o seu retorno. Finalmente, Alice
rendeu-se ao chamado. A aparição a levou a um grande campo. Lá, pediu à
ex-empregada que observasse a área que ela media com os pés. E, tendo feito uma
volta considerável, solicitou à mulher partisse e contasse ao seu irmão que
toda aquela porção de terra, que havia circunscrito, havia sido indevidamente subtraída
aos pobres pelo pai, e que o irmão deveria restituí-lo aos verdadeiros donos.
Disse, ademais, que estava seriamente preocupada com isso, pois o seu nome
havia sido usado na transação. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Tendo
Alice perguntando como deveria demonstrar ao cavalheiro a veracidade de sua
missão, a Sra. B. mencionou-lhe uma circunstância conhecida apenas por ela e pelo
irmão. O espectro, então, conversou bastante com a mulher e deu-lhe muitos bons
conselhos. Lá permaneceu até que, escutando o som dos sinetes de cavalos, disse:
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Alice, não devo ser vista por ninguém, além de você.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Então,
desapareceu. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Diante
disso, Alice dirigiu-se ao Dr. Bretton, que admitiu ter realmente ouvido alguém
rondando seu quarto de uma maneira que não conseguia explicar. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ao
mencionar o incidente ao irmão da falecida, este riu muito, até que Alice participou-lhe
o segredo que constituía as suas credenciais. Ele, então, mudou de tom e se
declarou pronto para fazer a devida restituição.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Parece
que o Dr. Bretton não fez segredo desta história, uma vez que a relatou a
várias pessoas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Fonte: <i>The Nigth-Side
of Nature</i>, B. B. Mussey & CO, Boston,1850. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Imagens: PS/Copilot.<o:p></o:p></span></p><br /><p></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-85321342341397127062024-03-06T09:23:00.005-03:002024-03-10T15:20:14.076-03:00A AUTÓPSIA DE SOPHIE RENARD - Conto de Terror - Paulo Soriano<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhj8AfxAlKfpyF3rzRSZccXdvVL4VLxOTIPA-1nw4xP8GjsHzldvDJ8WYjZzmWoe2P9ARAQABi0wGHfHI_FgSfkMj0OzJAEpv8s6MQPMEqELLC04Q-EVvlxop9Pjna3zsCvbERelkYatc3HYXIP-jI2JcYlxP7C9VISEH7H0pyYSbskBkAHaxTHu50jqig/s1000/AUT%C3%93PSIA%20DE%20MULHER%20-%20Enrique%20Simonet%201886%201927.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="602" data-original-width="1000" height="386" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhj8AfxAlKfpyF3rzRSZccXdvVL4VLxOTIPA-1nw4xP8GjsHzldvDJ8WYjZzmWoe2P9ARAQABi0wGHfHI_FgSfkMj0OzJAEpv8s6MQPMEqELLC04Q-EVvlxop9Pjna3zsCvbERelkYatc3HYXIP-jI2JcYlxP7C9VISEH7H0pyYSbskBkAHaxTHu50jqig/w640-h386/AUT%C3%93PSIA%20DE%20MULHER%20-%20Enrique%20Simonet%201886%201927.png" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">A AUTÓPSIA DE
SOPHIE RENARD<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Paulo Soriano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Por
mais que as autoridades se esforçassem em manter sigilo sobre as macabras
circunstâncias associadas à morte do Dr. Llewellyn, o público logo ficou
sabendo, em detalhes, dos horrores impingidos à vítima do homicídio e das
atrozes mutilações de seu cadáver. E isto graças às involuntárias indiscrições
da Sra. Gwrhyr, a velha governanta. Foi ela quem, ao retornar da missa vespertina
de um domingo cinzento e frio, encontrou o corpo vilipendiado do jovem patrão.
Conquanto passasse os sábados e domingos nas casas dos parentes na vizinha
Ponthir, sentira uma necessidade imotivada de retornar a Caerllion naquela
mesma manhã. “Uma compulsão”, dissera ela ao investigador de polícia. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
polícia bem advertiu a boa senhora das consequências que lhe adviriam se não
mantivesse silêncio sobre tão delicado assunto, mas o fato é que a Sra. Gwrhyr,
como boa católica romana, não poderia deixar de confessar-se ao padre Machen. O
velho pároco, porque quase surdo — embora ele mesmo não soubesse disto —,
exigia dos seus parcos paroquianos, quando lhe faziam as cada vez mais raras
confissões, um grande esforço: eram todos obrigados a elevar o tom de voz a
níveis que não eram minimamente adequados ao sigilo dos confessionários.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Assim,
algumas beatas abelhudas — algo muito comum em lugares diminutos como Caerllion, onde o legista residia — ficaram sabendo que
o Dr. Llewellyn fora encontrado morto sobre a mesa de mármore de sua sala de
estar. Conservava, nos olhos bem abertos, uma expressão vívida e perturbadora. O
peito e o abdome do doutor, que exibiam uma longa incisão forma de ípsilon, haviam
sido abertos e — depois da remoção de vísceras — costurados com linhas próprias
a uma autópsia. Muitos de seus órgãos — inclusive o cérebro — foram
cirurgicamente retirados, pesados e acondicionados em potes de formol. Os
instrumentos empregados naquele macabro procedimento — tesouras cirúrgicas,
pinças de dissecção, bisturis, costótomos, serras <i>etc.</i> —, todos eles tisnados
de sangue, foram dispostos em fila, com meticuloso cuidado, sobre o mármore, ao
lado do corpo. Num criado-mudo, chegado à mesa, havia uma balança de necropsia.
E, sobre a pedra fria, aos pés do cadáver, se via uma inscrição, feita a dedo,
com o sangue do médico assassinado à guisa de tinta:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><i><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Je
n'étais pas morte.<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20AUT%C3%93PSIA%20DE%20SOPHIE%20RENARD.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></b></span><!--[endif]--></span></span></a><o:p></o:p></span></i></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
que deixou a polícia galesa atônita — e disto as beatas mexeriqueiras não
tomaram conhecimento — foi a confirmação de um fato absolutamente impossível: as
digitais encontradas na mesa e nos instrumentos de autópsia pertenciam a uma
pessoa morta há cerca de dois meses. Uma exumação foi feita. Como era inverno,
o corpo ainda estava fresco. As impressões digitais colhidas do cadáver
correspondiam, perfeitamente, às constantes da ficha dactiloscópica mantida nos
arquivos da polícia — a dona das digitais, uma enfermeira estrangeira, havia
sido detida dois anos antes por revidar violentamente a uma investida de um
vagabundo bêbado — e eram as mesmas encontradas sobre a mesa de mármore e nos
instrumentos do crime. Como foram parar lá, era algo que desafiava a astúcia
dos mais brilhantes investigadores galeses. Afinal, os mortos não saem de seus
túmulos para matar pessoas vivas. Alguém se lembrou de que o sepulcro da
estrangeira, quando da exumação, apresentava irrefutáveis sinais de violação. E
— pura loucura! — de <i>dentro para fora</i>. Outros aludiram aos rumores sobre
uma misteriosa mulher loura e nua que, na noite anterior à descoberta do corpo,
teria sido vista a sair da casa do médico falecido. Mas, como as testemunhas
eram crianças travessas, a informação não foi levada em conta. Diversas
suposições foram feitas. Mas conjectura alguma afluiu em auxílio à polícia, que
se viu obrigada a arquivar o caso sem estabelecer suspeitos. <o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Dois
meses antes, o Dr. Llewellyn realizara uma autópsia que o abalou profundamente.
O cadáver era o de uma mulher. Uma jovem de deslumbrante beleza, mesmo na
morte. E tão lindo era aquele corpo inerme que obrigou o doutor a uma revelação
de que jamais cogitara em toda a sua vida profissional:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><br /></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0jKrcdrkCA2CDQ5pTbk7MgVV-KNzACVLvWuORNgprFw_3kJcLOF5wL9TTqJ0KGM13fO3xseewqv-awlkM9ym5cMYbxCovGio96MWNRIo1f7ue5fYP8C7vB0__kYwPExYClO9DfJvpCwl_eV7IFhCc1TepQwfQ5zAbnXcpz1YkjR3kHc5ToLWoDM_FJzs/s886/aut%C3%B3psia%20de%20sophie%203.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="886" data-original-width="554" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0jKrcdrkCA2CDQ5pTbk7MgVV-KNzACVLvWuORNgprFw_3kJcLOF5wL9TTqJ0KGM13fO3xseewqv-awlkM9ym5cMYbxCovGio96MWNRIo1f7ue5fYP8C7vB0__kYwPExYClO9DfJvpCwl_eV7IFhCc1TepQwfQ5zAbnXcpz1YkjR3kHc5ToLWoDM_FJzs/w250-h400/aut%C3%B3psia%20de%20sophie%203.png" width="250" /></a></div><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Desculpe-me por isto, Sophie Renard — disse o médico, antes de mergulhar o
bisturi nas carnes frias da beldade. — Farei o possível para deixar o seu rosto
intacto. Se você não estivesse morta, eu me apaixonaria por você. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Terminada
a autópsia, o médico, perplexo, escreveu no atestado de óbito:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><br /></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Causa
da morte: desconhecida”.<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Sim.
Cada órgão fora examinado à exaustão. Aquele corpo era perfeitamente saudável e
nele não havia qualquer sinal de traumatismo ou de envenenamento. E daquela
mulher não evoluía o olhar transcendente, gélido e insubstancial, que tão
profundamente caracteriza as miradas opacas, perdidas, dos cadáveres. Ao
contrário, parecia mergulhar profundamente no imo do cirurgião, com um poder
incrivelmente eloquente e devastador. Queriam dizer alguma coisa. Algo de trágico e terrivelmente assustador. Enquanto
viveu, o médico, por mais que lutasse contra tal opressão, jamais deixou de
ver, em sonhos, o olhar vivo e perscrutante da bela morta. Acordado, sentia que
a sombra fria e apavorante do cadáver o acompanhava para onde quer que fosse. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><br /></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuLVFFg-yhpkQGL1lW5hkF4PBWiw9jx_wMfEwCuedE1NJx5Ji3yS36S9uPrSPA_ETH1YjEqVO1h9MH-CC5C8AkLsyvn_2C_cC5ztr8VzIay9Mm2GAtQt0wVAs58-JFZzl-XHsWuEEAWRrP7xleR3t1LcHDtr6NbOi2CFw2gDwKoqNOPC7KsMRWKzjnxL4/s742/A%20AUT%C3%93PSIA%20DE%20SOPHIE2.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="742" data-original-width="706" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuLVFFg-yhpkQGL1lW5hkF4PBWiw9jx_wMfEwCuedE1NJx5Ji3yS36S9uPrSPA_ETH1YjEqVO1h9MH-CC5C8AkLsyvn_2C_cC5ztr8VzIay9Mm2GAtQt0wVAs58-JFZzl-XHsWuEEAWRrP7xleR3t1LcHDtr6NbOi2CFw2gDwKoqNOPC7KsMRWKzjnxL4/w380-h400/A%20AUT%C3%93PSIA%20DE%20SOPHIE2.png" width="380" /></a></div><br /><o:p><br /></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt;"> </span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Um
fato singular, que acometeu de terror o jovem médico, aconteceu cerca de um mês
e meio após a autópsia da jovem dama. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Certa
manhã, no consultório de Casnewydd, o Dr. Llewellyn viu entrar em seu gabinete
de exames ninguém menos que a jovem cuja autópsia havia feito. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Se
não tivesse um coração saudável, o médico teria morrido imediatamente, tão
assustadora que fora aquela visão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mas
não, não se tratava de Sophie Renard. Tratava-se de</span>
<span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Marie-Thérèse
Renard, sem dúvida gêmea da dama falecida. Tudo havia sido uma grande
coincidência: a jovem francesa viera em busca de uma cura para uma grande
insônia, seguida de torpores, paralisia noturna e sonhos inquietantes. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mais
calmo, o médico desculpou-se — era apenas um clínico geral e, às vezes, legista
— e limitou-se a aviar uma receita de sonífero. Recomendou-lhe, contudo, a
assistência de um colega estudioso da mente humana — este enigma que parecia
ainda insondável à luz da ciência do limiar do séc. XX —, e não hesitou em
convidar a beldade loura a um café.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
moça de profundos olhos azuis acedeu e, em pouco tempo, já eram namorados. <o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">No
dia da morte do médico, à tardinha, Marie-Thérèse o visitou em Caerllion. Já
estivera lá antes e se de admirara da profusão de substâncias e medicamentos
exóticos que o médico mantinha em sua farmácia. Mas, desta feita, não seria uma
visita meramente social: havia-lhe prometido a nudez e algo mais que a nudez.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eu tinha uma irmã gêmea, sabia? — disse a francesa, deitando-se, ao comprido,
sobre a mesa de mármore. Fechou os olhos, estirou os braços ao longo do corpo e
deixou que o queixo caísse um pouco, à maneira de um cadáver. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Owen
Llewellyn evitara, até então, fazer qualquer referência à autópsia de Sophie
Renard. Agora, parecia revê-la na mesa de necropsia. Não sabia o que dizer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Foi por isto que eu o procurei — concluiu</span> <span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Marie-Thérèse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Llewellyn
gelou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Gostaria de saber como ela morreu? — perguntou o médico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Não. Eu sei como ela morreu. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Como?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Numa mesa de autópsia. Ela tinha paralisia do sono, que evoluía, muitas vezes,
a um estado cataléptico. Não se deram ao trabalho de examiná-la com cautela. Deram-na
por morta. E, então, mataram-na.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
E você sabe quem fez a autópsia?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Marie-Thérèse
não respondeu. Limitou-se a dizer:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Prometi-lhe a nudez e algo mais. Agora, cumprirei a minha palavra. A propósito,
eu sou virgem... Mas acho que você já sabe disto... Espere-me um pouco. Estas
roupas me sufocam.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Caminhou
até a sala de estudos, onde o médico mantinha uma farmácia e um pequeno
laboratório, conjugado a uma saleta de consultas. Quando voltou, estava nua. Trazia
na mão uma seringa com curare, uma substância paralisante. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
<i>Me reconnais-tu maintenant</i>?<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20AUT%C3%93PSIA%20DE%20SOPHIE%20RENARD.docx#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
corpo lívido da mulher apresentava incisões profundas, grosseiramente
suturadas, como as de um cadáver autopsiado. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Llewellyn
gemeu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—<i>
Je n'étais pas morte</i> — disse o cadáver, antes de avançar e mergulhar a
agulha no pescoço de seu algoz. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Depois,
apenas o ruído febril de ruginas, tesouras e bisturis. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Paralisado,
o Dr. Llewellyn não pôde gritar. Mas os seus olhos conservavam uma expressão
eloquente e devastadora. Queriam dizer algo de trágico e terrivelmente assustador.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">E
foi exatamente aquilo que a Sra. Gwrhyr viu, na manhã seguinte, quando retornou
à casa do doutor, após a missa dominical vespertina.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Imagem da abertura: Enrique
Simonet (1886 – 1927).<o:p></o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20AUT%C3%93PSIA%20DE%20SOPHIE%20RENARD.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"> Eu não estava
morta.<o:p></o:p></span></p>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20AUT%C3%93PSIA%20DE%20SOPHIE%20RENARD.docx#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"> Reconhece-me
agora?<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-88640802203462461622024-03-06T09:13:00.002-03:002024-03-12T15:55:01.759-03:00O APAVORANTE TOQUE DA MORTE - Conto Clásico de Terror - Robert E. Howard<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwE6EUmoNNYZazqtn7TXaCXmGWc4uT_1DEU87ORC3Z7hbkpjZ36nmSnWZD0R34_GOZr1PFegawUZtIUUO8XxjkdxRmuwRi5D6gsysTvzQVI5ve8Kmzzjdz5Jefjw42hNaFPzT4egU9gVBjRNp9PLfFGGd2n_cXlWayP0p425Bmh_pKgNN0LYnASRJy0Bo/s1024/O%20APAVORANTE%20TOQUE%20DA%20MORTE1.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwE6EUmoNNYZazqtn7TXaCXmGWc4uT_1DEU87ORC3Z7hbkpjZ36nmSnWZD0R34_GOZr1PFegawUZtIUUO8XxjkdxRmuwRi5D6gsysTvzQVI5ve8Kmzzjdz5Jefjw42hNaFPzT4egU9gVBjRNp9PLfFGGd2n_cXlWayP0p425Bmh_pKgNN0LYnASRJy0Bo/w640-h640/O%20APAVORANTE%20TOQUE%20DA%20MORTE1.jpg" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">O APAVORANTE
TOQUE DA MORTE<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Robert E. Howard<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">(1906 – 1936)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Tradução de Paulo Soriano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: right;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;">Quando a meia-noite cobrir a terra<o:p></o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: right;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;">com sombras cruas e sinistras,<o:p></o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: right;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;">Salve-nos Deus do beijo traiçoeiro<o:p></o:p></span></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: right;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;">de um homem morto na escuridão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
velho Adam Farrel jazia morto na casa onde vivera, sozinho, durante os últimos
vinte anos. Era um ermitão silencioso e intratável, em cuja vida jamais tivera amigos.
Agora morto, somente dois conhecidos seus velavam-lhe o corpo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
Dr. Stein levantou-se. Pela janela, olhava o advento do crepúsculo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Então, você acha mesmo que pode passar cá a noite? — perguntou ao seu
companheiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O homem, chamado
Falred, anuiu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">— Sim, certamente. Creio
que esta tarefa é minha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eis uma tradição de toda inútil e primitiva: velar os mortos — comentou o
médico, preparando-se para partir. — Mas creio que, por decência, teremos que
nos curvar aos costumes. Talvez eu consiga achar alguém que venha auxiliá-lo em
sua vigília.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Falred encolheu os
ombros. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Duvido muito! Farrel não era nem um pouco querido. Poucas pessoas acudiam ao
seu trato. Eu, mesmo, mal o conhecia; contudo, não me importo em velar-lhe o
cadáver.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
Dr. Stein retirava as luvas de borracha. Falred observava aquele procedimento
com um interesse quase tangente ao fascínio. Um leve e involuntário estremecimento
fê-lo vibrar quando se lembrou da sensação táctil que lhe provocavam aquelas luvas
— algo escorregadio, frio e pegajoso, tal qual o toque da morte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Terá que ficar sozinho esta noite, caso eu não encontre ninguém — observou o
médico ao abrir a porta. — Você não é supersticioso, não é mesmo?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Falred
sorriu. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Não muito. Para dizer a verdade, pelo que sabemos do temperamento de Farrel, é
preferível velar-lhe o corpo a ter sido, em vida, um hóspede seu. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
porta se fechou e Falred assumiu a vigília. Sentou-se na única cadeira enfiada
no quarto, olhando, às vezes, para aquele volume mortuário — disforme e coberto
de lençóis — que jazia sobre a cama, à sua frente. Então pôs-se a ler, sob à
fraca luz do candeeiro, que jazia sobre uma mesa rústica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBgJoOlk229ItGnUi7iOWA86MxQmSQ9lwidWLJbRuJEK3cv_LWQC4LPygQvDYMMYo2vQx0HfwWr23XNXU9P0WJPoe6z6pO24X_istvw1HntwtSocmeLcjZUN4nrH0q0274hWayTTRilCGRVTvnj3_n7BPxxSseN3098MZPfyzaOqXD0Yh3EBBoh3vCCKM/s1024/TOQUE%20DA%20MORTE3.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBgJoOlk229ItGnUi7iOWA86MxQmSQ9lwidWLJbRuJEK3cv_LWQC4LPygQvDYMMYo2vQx0HfwWr23XNXU9P0WJPoe6z6pO24X_istvw1HntwtSocmeLcjZUN4nrH0q0274hWayTTRilCGRVTvnj3_n7BPxxSseN3098MZPfyzaOqXD0Yh3EBBoh3vCCKM/w400-h400/TOQUE%20DA%20MORTE3.jpg" width="400" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Lá
fora, a escuridão descia rapidamente; finalmente, Falred largou a revista para descansar
a vista. Vislumbrou novamente o fardo que, em vida, fora Adam Farrel.
Perguntou-se qual seria a peculiaridade na natureza humana que tornava a visão
de um cadáver não apenas repulsivo, mas, sobremodo, a essência do horror para os
que ainda viviam. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Ignorância
irracional, que extrai das coisas mortas a lembrança da morte inexorável” — ele
concluiu, apaticamente. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Pôs-se,
então, a divagar, ociosamente, sobre o que a vida reservara àquele velho
sombrio e rabugento; não tinha ele parentes nem amigos, e raramente saía da
casa onde fenecera. As tradicionais histórias sobre a riqueza acumulada pelo
morto avarento haviam-se disseminado, mas Falred, quanto a isto, nenhum
interesse albergava: passava-lhe bem longe a tentação de revirar a casa em
busca de um possível tesouro escondido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Encolhendo
os ombros, Falred retomou a leitura. Aquela tarefa era mais enfadonha do que
ele havia pensado. Passado um tempo, percebeu que, sempre que levantava os
olhos da revista, direcionando-os à cama e seu sombrio ocupante, assustava-se
involuntariamente, como se tivesse, por um instante, esquecido a presença do
homem morto e fosse, desagradavelmente, dela lembrado. A perturbação era leve e
instintiva, mas aquele sobressalto fazia-o irritar-se consigo mesmo. Então
notou, pela primeira vez, o silêncio absoluto e mortal que envolvia a casa — um
silêncio aparentemente compartilhado pela noite, pois som algum chegava-lhe da
janela. Adam Farrel escolhera viver o mais longe possível dos vizinhos e ali
não chegava qualquer ruído proveniente de outras casas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Falred
agitou-se, como se quisesse livrar a mente de especulações desagradáveis, </span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Arial;"></span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">e voltou </span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Aptos;">à</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> leitura. Uma s</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Aptos;">ú</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">bita rajada de vento entrou pela
janela e fez tremer a luz do candeeiro, que se apagou subitamente. Falred, praguejando
baixinho, tateou na escurid</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Aptos;">ã</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">o
em busca de f</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Aptos;">ó</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">sforos,
mas queimou a ponta do dedos na manga do candeeiro. Riscou um f</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Aptos;">ó</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">sforo, reacendendo-o. Mas, ao olhar
para cama, levou um choque terrível. O rosto de Adam Farrel mirava-o cegamente.
Tinha os olhos mortos arregalados e vazios, emoldurados por umas feições
cinzentas e retorcidas. Ainda que institivamente estremecesse, a sua razão
explicou o aparente fenômeno: o lençol que cobria o cadáver houvera sido
estendido descuidadamente sobre o rosto e a súbita rajada de vento tinha-o
feito escorregar, deslocando-o lateralmente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">No
entanto, havia algo de horrível em tudo aquilo — algo terrivelmente sugestivo —,
como se, sob o manto da escuridão, uma mão morta tivesse jogado o lençol para o
lado, como se o cadáver estivesse prestes a se reerguer...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Falred,
um homem de muita imaginação, encolheu os ombros diante desses terríveis pensamentos
e cruzou a sala para recolocar o lençol em seu lugar. Os olhos mortos pareciam fitá-lo
malevolamente — fitá-lo com uma maldade que transcendia o caráter iracundo do homem,
quando vivo. Falred sabia que aquilo tudo era produto de uma vívida imaginação.
Cobriu novamente o rosto acinzentado, contraindo-se quando a sua mão tocou a
carne fria, escorregadia e pegajosa: o toque da morte. Estremeceu com a natural
repulsa dos vivos pelos mortos e voltou para a cadeira e a revista.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Por
fim, sentindo-se sonolento, deitou-se num sofá que, por algum estranho capricho
do proprietário original, fazia parte do escasso mobiliário do quarto, e
preparou-se para dormir. Resolveu deixar a lamparina acesa, dizendo a si mesmo que
os costumes recomendavam que se deixasse a luz acesa para os mortos. Assim
ponderou porque não estava disposto a admitir o quão lhe era desagradável ter
de permanecer deitado, na escuridão, ao lado de um cadáver. Então cochilou, mas
acordou assustado. Olhou para a cama coberta com lençóis. O silêncio reinava
sobre a casa e lá fora estava muito escuro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
meia-noite se aproximava, acompanhada de seu sinistro domínio sobre a mente
humana. Falred olhou novamente para a cama onde jazia o cadáver e achou a visão
daquele ente coberto por um lençol deveras repulsiva. Uma fantástica ideia nascera
e crescera em sua mente: sob o lençol, o mero corpo sem vida havia se tornado
uma coisa estranha e monstruosa, um ser hediondo e consciente, que o observava
com olhos que ardiam através do tecido. Ele explicava, a si mesmo, tal
pensamento — uma mera fantasia, é claro — como uma alusão às lendas de
vampiros, mortos-vivos e coisas do gênero; ou seja, como uma referência aos
temíveis atributos com os quais os vivos cobriram os mortos por incontáveis </span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Arial;"></span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">eras, desde que o homem primitivo
reconheceu, pela primeira vez, na morte, algo horr</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Aptos;">í</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">vel e desvinculado da vida. O homem
teme a morte — pensou Falred — e parte desse medo arrojou-se aos mortos, de
modo que eles tamb</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Aptos;">é</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">m
passaram a ser temidos. E a vis</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Aptos;">ã</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">o
dos mortos gera pensamentos terr</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-bidi-font-family: Aptos;">í</span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">veis,
dando origem a medos obscuros, de hereditária memória, espreitando nos sombrios
recantos do cérebro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">De
qualquer forma, aquela coisa silenciosa e oculta dava-lhe nos nervos. Pensou em
descobrir o rosto, partindo do princípio de que a familiaridade gera o descaso.
A visão das feições, calmas e imóveis na morte, baniria — pensou ele — todas as
conjecturas selvagens que o assombravam, apesar da repulsa. Mas a ideia
daqueles olhos mortos, fitando à luz do candeeiro, era-lhe intolerável; então,
finalmente, apagou o lume e deitou-se. Aquele medo apoderara-se dele de forma
tão insidiosa e gradual que ele não percebera a sua real dimensão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Porém,
com a extinção da luz, que lhe furtava a visão do cadáver, as coisas assumiram o
seu verdadeiro caráter e proporções. Falred, então, adormeceu quase
instantaneamente, com um leve sorriso nos lábios, como uma lembrança de sua
anterior insanidade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mas
acordou de repente. Há quanto tempo estivera dormindo, ele não sabia. Sentou-se,
o pulso latejando freneticamente, o suor frio escorrendo pela testa. Ele soube imediatamente
onde estava e se lembrou do outro ocupante do quarto. Mas o que o havia
despertado? Um sonho — sim, agora se lembrava —, um sonho hediondo, em que o
morto se levantava da cama e atravessava o quarto com passos rígidos, com olhos
ígneos e um esgar — malicioso e terrível — congelado nos lábios acinzentados.
Falred parecia estar imóvel, indefeso; então, quando o cadáver estendeu uma mão
retorcida e hedionda, ele acordou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Esforçou
para romper a escuridão, mas o quarto era treva pura e lá fora a negrura era
tão densa que nenhum raio de luz se escoava pela janela. Estendeu a mão trêmula
em direção à lamparina, mas a recolheu prontamente, como se tivesse, diante de
si, uma serpente escondida. Ficar sentado ali no escuro com um cadáver
diabólico já era bastante ruim, mas ele não ousou acender a lamparina: temia
que sua razão se apagasse como uma vela diante do que poderia ver. O horror —
severo e irracional — assenhorou-se completamente de sua alma. Já não
questionava os medos instintivos que afloravam. Retornvam-lhe, agora dignas de
crédito, todas aquelas lendas que já ouvira. A morte era uma coisa hedionda, um
horror devastador, conferindo ao homem sem vida uma horrenda malevolência.
Quando vivo, Adam tinha sido simplesmente um homem rude, mas inofensivo; agora,
ele era um terror, um monstro, um demônio à espreita nas sombras do medo,
pronto para saltar sobre os homens com garras profundamente mergulhadas na
morte e na insanidade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Falred
ficou sentado ali, com o sangue gelado nas veias, e travou sua batalha
silenciosa. Débeis lampejos de razão começaram a atenuar o seu medo quando um
som suave e furtivo novamente o congelou. Não reconheceu aquilo como o sussurro
do vento noturno no parapeito da janela. Sua fantasia frenética tomava-o
sussurro de passos da morte e do horror. Ele saltou do sofá e ficou indeciso. A
ideia de uma fuga agitava-se em sua mente, mas ele estava confuso demais para formular
qualquer plano de fuga. Até mesmo seu senso de direção desapareceu. O medo
embrutecera a sua mente a pronto de fazê-lo incapaz de pensar racionalmente. A
escuridão se espalhava, em longas ondas, ao seu redor, e sua sombra e o seu
vazio subjugaram o seu cérebro. Agora, os seus movimentos eram apenas
instintivos. Parecia estar preso por correntes poderosas e seus membros
respondiam lentamente ao seu comando, como os de um débil mental.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Um
terrível horror germinou dentro dele — a terrível sensação de que o homem morto
estava em seus calcanhares, fluindo furtivamente para atacá-lo pela retaguarda.
Já não pensava em acender a lamparina; já não pensava em nada. O medo dominou completamente
o seu ser; não mais havia espaço para o que quer que fosse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ele
recuou lentamente na escuridão, com as mãos estendidas para trás, sentindo
instintivamente o caminho. Com um esforço terrível, agitou parcialmente as
névoas de horror que se lhe acumulavam, e, com o suor frio pegajoso sobre o
corpo, lutou por se orientar. Não conseguia ver nada, mas a cama estava do
outro lado do quarto, à sua frente. Ele estava se afastando dela. Era ali que
jazia o morto, segundo todas as leis da natureza; se a coisa estivesse, como
ele sentia, atrás dele, então as velhas histórias eram verdadeiras: de fato, a
morte implantava nos corpos sem vida uma animação sobrenatural, e os homens
mortos vagavam pelas sombras para exercer sua vontade medonha e maligna sobre
os filhos dos homens. Ora — ó meu Deus! —, o que era o homem senão uma criança
chorosa, perdida na noite e assolada por coisas assustadoras, vindas dos
abismos negros e dos terríveis vazios desconhecidos do espaço e do tempo? Ele
não chegou a essas conclusões por meio de um processo racional: os corolários,
perfeitamente desenvolvidos, saltaram em seu cérebro atordoado pelo terror. Falred
recuou lentamente, tateando, agarrando-se ao pensamento de que o homem morto
deveria estar à sua frente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então,
as suas mãos, lançadas para trás, encontraram algo — algo escorregadio, frio e
pegajoso — como o toque da morte. Um grito ecoou, seguido pelo estrondo de um
corpo caindo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Na
manhã seguinte, os que foram à casa do homem falecido encontraram dois
cadáveres no quarto. O corpo coberto por um lençol de Adam Farrel jazia imóvel
sobre a cama; do outro lado, jazia o cadáver de Falred, sob a prateleira onde o
Dr. Stein, distraidamente, deixara as luvas: as luvas de borracha,
escorregadias e pegajosas ao toque de uma mão tateando no escuro — a mão de
alguém que foge do próprio medo —, luvas de borracha, escorregadias, úmidas e
frias como o toque da morte.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Imagens: PS/Copilot.<o:p></o:p></span></p><br /><p></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-22189658463590684722024-03-06T09:04:00.005-03:002024-03-10T10:43:09.296-03:00O ALQUIMISTA - Narrativa Clássica Sobrenatural - Pu Songling<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiycktZQFHhnKxR1eR4I2UywnzDp_2kQdn_RGxpU9Hcno6Ip4NXoYCo_0jkbfxlMVy02sQmKaqyzMlm5IJ9-uhHz_wMcho46-Q88wYiQQgRVbxp-C5Mpgr1GnGTRJfa_9t0BMIey9eUkLxDBCyvWfZnnIXQd4WgRYN13aoVZNeyH0OF9fJdWdJ7vaST0Yw/s655/alquimista%20chin%C3%AAs2.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="655" data-original-width="640" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiycktZQFHhnKxR1eR4I2UywnzDp_2kQdn_RGxpU9Hcno6Ip4NXoYCo_0jkbfxlMVy02sQmKaqyzMlm5IJ9-uhHz_wMcho46-Q88wYiQQgRVbxp-C5Mpgr1GnGTRJfa_9t0BMIey9eUkLxDBCyvWfZnnIXQd4WgRYN13aoVZNeyH0OF9fJdWdJ7vaST0Yw/w626-h640/alquimista%20chin%C3%AAs2.png" width="626" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">O ALQUIMISTA<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Pu Songling<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(1640 - 1715)</span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt; text-align: left;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Certa
feita, em Ch'ang-ngan, o erudito Chia Tzŭ-lung viu um desconhecido que lhe
pareceu muito cortês. Perguntando sobre ele, soube que se tratava de um certo
Sr. Chen, recentemente instalado naquela cidade. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">No
dia seguinte, Chia procurou-o, mas não o viu; por acaso, o Sr. Chen estava
ausente naquele momento. Deixou-lhe, contudo, o seu cartão de visitas. Por três
vezes, sucedeu-se o mesmo incidente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Por
fim, Chia contratou alguém para vigiar a casa e avisá-lo quando o Sr. Chen lá
estivesse. No entanto, mesmo assim, o Sr. Chen não apareceu para recebê-lo. Chia,
então, teve que entrar por si mesmo. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Os
dois homens começaram a conversar e logo ficaram mutuamente encantados. Ao longo do encontro, Chia enviou um criado
para trazer-lhes vinho de uma venda vizinha. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
Sr. Chen provou ser um companheiro agradável e, quando a bebida estava quase
acabando, foi até uma caixa e dela tirou algumas taças e um grande vaso de
jade, no qual ele derramou uma única taça de vinho. De repente, aquele vaso estava
cheio até a borda!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Os
homens serviram-se do vaso; mas, por mais que o entornassem, o conteúdo nunca
parecia diminuir. Surpreso, Chia implorou ao Sr. Chen que lhe contasse como aquilo
era possível.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Ah —respondeu o Sr. Chen —, tentei evitá-lo apenas por causa de seu único
defeito: a avareza. A arte que pratico é
um segredo somente conhecido pelos Imortais: como posso participar-lhe tal
arte?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O senhor não procede corretamente ao atribuir-me a avareza — respondeu Chia. — Os avarentos, na verdade, são sempre pobres-diabos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
senhor Chên riu e os homens se despediram. Mas, desde então, estiveram
constantemente juntos, e, entre eles, toda cerimônia foi deixada de lado. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Sempre
que Chia precisava de dinheiro, o Sr. Chen trazia uma pedra preta e, murmurando
umas palavras mágicas, esfregava-a numa telha ou num tijolo, que, imediatamente,
transformava-se em prata, que era dada a Chia, justamente no montante que ele
realmente precisava. E, se Chia pedisse mais, o Sr. Chen invocava o tema da
avareza. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Finalmente,
Chia resolveu apossar-se daquela pedra. Certa feita, quando o Sr. Chen dormia,
curando-se de uma bebedeira, Chia cuidou de furtar a pedra de suas roupas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Chen,
contudo, percebeu imediatamente aquele furto, e declarou que, a partir de
então, ele e Chia não poderiam ser mais amigos. No dia seguinte, Chen abandonou
definitivamente aquele lugar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgs7M830skRAui-D0FRpV2nGJbDtc9MhHmS9bUTAPFa34uZ0RXbvb0wLVYZEWGnI8O2unyfxkrvp1hKr-6NeUMOPq2JCZuyDWVbEPPCPM5jgLfwLAwsyZmcX0TDHYBjK85YcX-dhEU_kF-ZadBc0G4cSoKb0cIVak6NqwH5wvDdwHsac_h63URz6fqa3hI/s300/alquimista%20chin%C3%AAs.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="208" data-original-width="300" height="277" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgs7M830skRAui-D0FRpV2nGJbDtc9MhHmS9bUTAPFa34uZ0RXbvb0wLVYZEWGnI8O2unyfxkrvp1hKr-6NeUMOPq2JCZuyDWVbEPPCPM5jgLfwLAwsyZmcX0TDHYBjK85YcX-dhEU_kF-ZadBc0G4cSoKb0cIVak6NqwH5wvDdwHsac_h63URz6fqa3hI/w400-h277/alquimista%20chin%C3%AAs.png" width="400" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Cerca
de um ano depois, Chia vagava pela margem do rio, quando viu uma bela pedra,
maravilhosamente parecida com aquela que estava em posse de Senhor Chen.
Tomou-a prontamente e a levou para casa. Alguns dias se passaram e, de repente,
o Sr. Chen apresentou-se em sua casa, explicando-lhe que a pedra em questão —
que lhe fora ofertada, há muitos anos, por um sacerdote taoísta, a quem ele
seguira como discípulo — tinha o poder de transformar qualquer coisa em ouro. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Infelizmente — acrescentou ele —, fiquei embriagado e a perdi. Mas, com o
emprego das artes divinatórias, soube onde estava a pedra. Se você me devolver
a preciosidade, terei o cuidado de retribuir sua gentileza<b>. </b><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Você previu corretamente — respondeu Chia. — A pedra está comigo. Mas
lembre-se, por favor, de que o indigente Kuan Chung compartilhou a riqueza de
seu amigo Pao Shu<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20ALQUIMISTA.docx#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a>.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
essa insinuação, o Sr. Chen disse que daria a Chia cem onças de prata; ao que
este último respondeu que aquela era uma oferta justa, mas que preferiria que o
Sr. Chên lhe ensinasse a fórmula oral que empregava quando esfregava a pedra em
qualquer coisa, prometendo-lhe experimentá-la apenas uma vez. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
Sr. Chen receava satisfazer àquele desejo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Você é um Imortal — gritou-lhe Chia. — E deve saber muito bem que eu nunca
enganaria um amigo. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Desta
maneira, Chia convenceu o Sr. Chen a ensinar-lhe as palavras mágicas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Chia
teria tentado executar a magia sobre o imenso bloco de pedra, que estava por
perto, se o Sr. Chen não lhe tivesse agarrado o braço e implorado para que ele
não fizesse nada tão ultrajante. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Chia
tomou, então, meio tijolo e colocou-o na tábua de lavar, dizendo ao Sr. Chen: <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Esse pedacinho não é demais, não é mesmo?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Assim,
o Sr. Chen afrouxou o seu controle e deixou Chia prosseguir.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Chia
ignorou prontamente o meio tijolo e esfregou rapidamente a pedra na tábua de
lavar. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
Sr. Chen ficou pálido ao vê-lo fazer aquilo. Correu para tomar-lhe a pedra. Mas
era tarde demais: a tábua de lavar já era uma massa sólida de ouro, e Chia
devolveu-lhe calmamente a pedra.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Ai de mim! ai de mim! — gritou o Sr. Chen, desesperado. — O que fazer agora?
Por ter conferido, de forma irregular, riqueza a um mortal, o Céu certamente me
punirá. Oh, se quer me salvar, doe aos pobres cem caixões<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20ALQUIMISTA.docx#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></a> e
cem ternos usados!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Meu amigo — respondeu Chia —, o meu objetivo, ao arranjar dinheiro, não era o
de acumulá-lo como um avarento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
Sr. Chen ficou encantado com isso. E, durante os três anos seguintes, Chia
dedicou-se ao comércio, tendo o cuidado de cumprir rigorosamente a promessa feita
ao Sr. Chen. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Decorrido
este período, o próprio Sr. Chen reapareceu e, segurando a mão de Chia,
disse-lhe: <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—Digno
e nobre amigo, quando nos separamos pela última vez, o Espírito da Felicidade
me acusou diante de Deus<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20ALQUIMISTA.docx#_ftn3" name="_ftnref3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></a>, e
o meu nome foi apagado da lista dos anjos. Mas, agora que você atendeu ao meu
pedido, aquela sentença foi revogada.</span> <span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Continue como começou,
sem parar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> Chia perguntou ao Sr. Chen que cargo ele
ocupava no Céu; ao que este respondeu que era apenas uma raposa que, por uma
vida sem pecado, tinha finalmente alcançado aquela clara percepção da Verdade
que leva à imortalidade. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Trouxeram,
então, o vinho. Os dois amigos divertiram-se como antigamente. E mesmo quando
Chia já tinha ultrapassado a idade de noventa anos, aquela raposa continuava a
visitá-lo ocasionalmente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Versão em português de
Paulo Soriano, a partir da tradução inglesa de Hebert Giles (1845 – 1935).<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
</p><div><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20ALQUIMISTA.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Kuan Chung e
Pao Shu eram amigos exemplares chineses. Eram dois estadistas de considerável
habilidade, que floresceram no século VII a.C. (Nota do Tradutor original.)<o:p></o:p></span></p>
</div>
<div id="ftn2">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20ALQUIMISTA.docx#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Fornecer
caixões a pessoas pobres sempre foi considerado um ato de mérito transcendente.
O tornado em Cantão, em abril de 1878, no qual se perderam vários milhares de
vidas, proporcionou uma oportunidade admirável para o exercício dessa
modalidade de caridade — uma oportunidade que foi largamente aproveitada pela
gente benevolente. (Nota do Tradutor
original.)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20ALQUIMISTA.docx#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[3]</span></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 12pt;"> Por usurpar sua
prerrogativa, ao permitir que Chia obtivesse riqueza não autorizada. (Nota do
Tradutor original.)</span></p></div><div id="ftn3">
<p class="MsoFootnoteText"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> </span></p>
</div>
</div><div style="mso-element: footnote-list;"><div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-91227051809319484512024-03-06T08:57:00.009-03:002024-03-10T10:42:52.242-03:00A DAMA DO CEMITÉRIO - Narrativa Clássica de Terror - William Carleton<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnyKfKcebg-o1RR6vZMp8kWBC8BNuAC42BP_jV3qy18oRQurpxATiem8fdHtSNgYuNqXIMjaTkEsT_dbuAKCL77OyPc13Ai3-dd4R7n2BnlEQtsE-OusSiAdm6XkYdAeBj-RtVBlbu6wMw7Z5ZS5aeCCQdJZMcDOpQZwCYL0wpDz-SXp1kJmEckGxZ-x8/s1024/NOIVA%20NO%20CEMIT%C3%89RIO.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnyKfKcebg-o1RR6vZMp8kWBC8BNuAC42BP_jV3qy18oRQurpxATiem8fdHtSNgYuNqXIMjaTkEsT_dbuAKCL77OyPc13Ai3-dd4R7n2BnlEQtsE-OusSiAdm6XkYdAeBj-RtVBlbu6wMw7Z5ZS5aeCCQdJZMcDOpQZwCYL0wpDz-SXp1kJmEckGxZ-x8/w640-h640/NOIVA%20NO%20CEMIT%C3%89RIO.jpg" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">A DAMA DO
CEMITÉRIO<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">William Carleton<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">(1794 – 1869)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Tradução de Paulo Soriano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">No
cemitério de Erigle Truagh, sito no baronato de Truagh, condado de Monaghan,
diz-se que existe um espírito que aparece às pessoas cujos familiares ali estão
sepultados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
aparição, que geralmente surge da forma que logo narrarei, é sempre fatal. É um
presságio de morte para aqueles que tenham a infelicidade de cruzar-se com ela.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Quando
há um enterro, o espectro acerca-se da última pessoa a sair do adro cemiterial
e sobre ela exerce uma fascinante e inexplicável atração.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Se
a vítima for um jovem, o espectro assume a forma de uma bela mulher, que lhe infunde
uma paixão arrebatadora e exige do infeliz a promessa de um novo encontro no
cemitério dentro de um mês, contado daquele dia. A promessa é selada com um
beijo, através do qual a peçonha mortal é transmitida à pobre vítima.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"><br /></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3zAju-YK7Ssmz54q0b_iUgPMGVt7h7dbutHHjWVOkqGBc5m9_DjtO8blDe8tTJZ0ehsHDq-9I06ShO9z5gejLwR9ZJBMBypKDSQUDH-nbg7Zw66ZBbG0Yrz5bihjyWsBkqiSzophDtoNpt53KqDLM7ppNyU0lyxLnhKjYBtRevVCj7vS4xJkrjmuSuds/s1024/fantasma%20de%20mulher%20no%20cemit%C3%A9rio.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3zAju-YK7Ssmz54q0b_iUgPMGVt7h7dbutHHjWVOkqGBc5m9_DjtO8blDe8tTJZ0ehsHDq-9I06ShO9z5gejLwR9ZJBMBypKDSQUDH-nbg7Zw66ZBbG0Yrz5bihjyWsBkqiSzophDtoNpt53KqDLM7ppNyU0lyxLnhKjYBtRevVCj7vS4xJkrjmuSuds/w400-h400/fantasma%20de%20mulher%20no%20cemit%C3%A9rio.jpg" width="400" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p><br /></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então,
o espectro se afasta.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Assim que o jovem
abandona o cemitério, percebe-se que fora vítima da cruel ilusão do espectro,
cujas aventuras são bem conhecidas naquela freguesia. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Caída
em desespero, a vítima definha e morre. E é sepultada no dia em que a promessa
deveria ser cumprida. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Se
o retardatário for uma mulher, o fatídico espectro assume a forma de um jovem
rapaz de extrema beleza e elegância.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Há
alguns anos, mostraram-me a sepultura de um jovem, com cerca de dezoito anos,
que teria sido vítima da aparição; ademais, não faz mais de dez meses que um
homem, da mesma freguesia, declarou ter feito a promessa, seguida do beijo
fatal; por conseguinte, considerou-se perdido. Ele teve febre, faleceu e foi
sepultado no dia marcado para o encontro, exatamente um mês após o assédio.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: left; text-indent: 1cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2ywbudB4QUo2bHrrSSEzTjjMFi1LdZLL3lTi-8yx7HAI0JPUV2D3mbUwvEynL0QAbPCHh7YLnMPnVsjneGgoDGpY0CqB4WSV9sIHMuDSL7OcCJ1iyOuyAhdESESoxvBz4dw6wj_38_19vU_9WL6lzVeHFyLh1ovoDNlONWjZDWz__V0u1GAMzU1JSk_o/s1024/fantasma%20de%20mulher%20no%20cemit%C3%A9rio%202.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2ywbudB4QUo2bHrrSSEzTjjMFi1LdZLL3lTi-8yx7HAI0JPUV2D3mbUwvEynL0QAbPCHh7YLnMPnVsjneGgoDGpY0CqB4WSV9sIHMuDSL7OcCJ1iyOuyAhdESESoxvBz4dw6wj_38_19vU_9WL6lzVeHFyLh1ovoDNlONWjZDWz__V0u1GAMzU1JSk_o/w400-h400/fantasma%20de%20mulher%20no%20cemit%C3%A9rio%202.jpg" width="400" /></a></div><br /><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: left; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><br /></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mencionam-se
vários casos semelhantes, mas o dos dois aludidos namorados são os únicos que
chegaram ao meu conhecimento. Parece, no entanto, que o espectro não se limita
ao cemitério da igreja, pois já foram mencionados casos de sua aparição em
casamentos e festas, em que nunca deixou de subjugar as suas vítimas, com as
quais dança e, depois, lança-as às febres pleuríticas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Não
sou capaz de dizer se esta é uma superstição estritamente local ou se é
considerada peculiar a outros cemitérios na Irlanda ou em outros lugares. Em
sua forma feminina, o espectro rememora as donzelas <i>Elle </i>da
Escandinávia, mas não conheço nenhum relato de fadas ou aparições em que haja a
mutação do sexo da aparição, exceto se a manifestação é a do próprio Diabo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
gente do campo diz que o espectro é a Morte.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">Imagens:
Ps/Copilot.</span></span></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-10918156669410138582024-03-06T08:50:00.005-03:002024-03-10T10:43:43.854-03:00O VISITANTE DE ANNA MARIA PORTER - Narrativa Verídica Sobrenatrual - Robert Dale Owen <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZm23zqfgZbQahMAFaadRJf3mzeCx4Ir3r0j3L1EiIbbJVmiForx-etVrG5BVCph4ZKXqAf15oDTzEvldzyvIxVZdJ89BXKnQ-To4dolQOuyFtl0KoZkGP4YP2Cs7HyJO6KMj4-4Zrm8bfTGllqU5CRvM_iM8Md5kuS7Ot9TPPPvbuxsBWaVCNze3JEIg/s582/visitante.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="547" data-original-width="582" height="602" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZm23zqfgZbQahMAFaadRJf3mzeCx4Ir3r0j3L1EiIbbJVmiForx-etVrG5BVCph4ZKXqAf15oDTzEvldzyvIxVZdJ89BXKnQ-To4dolQOuyFtl0KoZkGP4YP2Cs7HyJO6KMj4-4Zrm8bfTGllqU5CRvM_iM8Md5kuS7Ot9TPPPvbuxsBWaVCNze3JEIg/w640-h602/visitante.png" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">O VISITANTE DE
ANNA MARIA PORTER<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Robert Dale Owen <o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(1801 – 1870)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Tradução de Paulo Soriano<b><o:p></o:p></b></span></p>
<p class="MsoNormal"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Quando
a célebre Miss Anna Maria Porter<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/PUBLICADOS/O%20VISITANTE%20DE%20ANNA%20MARIA%20PORTER.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>
residia em Esher, Surrey, um senhor idoso, seu amigo, que morava na mesma
aldeia, tinha o hábito de frequentar-lhe a casa. Geralmente, aparecia todas as
noites para ler jornal e tomar uma xícara de chá.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Uma
noite, Miss Porter o viu entrar como de costume e sentar-se à mesa, mas sem nada
dizer. Ela dirigiu-lhe alguma observação, mas ele nada respondeu; e, depois de
um alguns segundos, ela o viu levantar-se e sair da sala, sem proferir uma
palavra sequer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Espantada,
e temendo que ele pudesse ter sido repentinamente acometido por uma doença, Ana
Maria imediatamente enviou o seu empregado à casa do amigo, para saber o que
lhe acontecera. A resposta foi que o velho senhor havia morrido, de repente,
cerca de uma hora antes.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Isso
foi relatado pela própria Miss Porter ao Coronel H****, do <i>Second Life
Guards</i>; a viúva do Coronel repetiu-me, em Londres, no mês de fevereiro de 1859,
a mesma história.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Fonte: <i>Footfalls on
the Boundary of Another World</i>, Londres, 1860.<o:p></o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/PUBLICADOS/O%20VISITANTE%20DE%20ANNA%20MARIA%20PORTER.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Poetisa e
Romancista inglesa (1778 – 1932).<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-68490654078236702092024-03-06T08:46:00.004-03:002024-03-06T10:43:24.555-03:00MEDO DA CRIAÇÃO - Conto de Terror - Dino Gomes<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEia-ZREsEzmOcwY147qr-IPvA4UZggDiajRv3uSL6Vg2xBgxCOMTXZjbmbVxraVPSz2NFF5R_9Wi2yKEjMY7SIazdKA91RMLziXF1SCiOm6S4I6QIXsnp-cVMIGBNdEiFGEinehK6ZkeqmA4lGYLsONspKsJ5o24Rja6DRYKEnBgVxX6P9-aVhAEl4JWjc/s727/MEDO%20DA%20CRIA%C3%87%C3%83O.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="727" data-original-width="500" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEia-ZREsEzmOcwY147qr-IPvA4UZggDiajRv3uSL6Vg2xBgxCOMTXZjbmbVxraVPSz2NFF5R_9Wi2yKEjMY7SIazdKA91RMLziXF1SCiOm6S4I6QIXsnp-cVMIGBNdEiFGEinehK6ZkeqmA4lGYLsONspKsJ5o24Rja6DRYKEnBgVxX6P9-aVhAEl4JWjc/w440-h640/MEDO%20DA%20CRIA%C3%87%C3%83O.png" width="440" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">MEDO DA CRIAÇÃO<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Dino Gomes<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Lá
estava eu, tentando criar a vida de novo. Se Deus foi e era humano, e criou
vida, por que nós, seres humanos, que o matamos, não poderíamos criar vida?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Então,
o meu galpão empoeirado, com frascos de cinzas humanas, naquele lugar sujo e
imundo, com aquele cheiro de inferno mórbido, com a luz que mal entrava no
local e cogumelos crescendo nas paredes, com plantas indesejadas invadindo o
local, me deixava mais fatídico ainda. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Peguei
o corpo dela, sem vida, com seu sangue escorrendo, deixando mais uma decoração
para o local. Coloco ela em cima da maca, com seus olhos sem vida, como um
olhar de uma boneca de pano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Eu
olho de cima abaixo seu corpo ensanguentado, assim como minhas roupas. Dá para
ver que o quanto ela queria viver com suas unhas arrancadas após tentar me
arranhar, sem sucesso. Consigo ouvir cada pingo de sangue que se forma em meu
chão, que provavelmente ficará até o galpão se decompor. Pego o outro corpo, que
eu já havia deixado na geladeira. Um de seus pés infelizmente caiu, mas não
intervirá no processo. Eu coloco os dois lado a lado, enquanto tento juntar os
dois de qualquer jeito. Tentando criar a vida dos mortos. Tentado extrair a
vida da fonte da morte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Junto
os cérebros, braços, pernas, costuras e mais costuras cobriam o corpo. Ficou
desproporcional ao que eu esperava. Porém, funcionou. Eu criei a vida!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Vi
seus olhos abrirem enquanto aquele cheiro de ratos do mais fundo do inferno
infestava a mim e a minhas roupas. Ele não conseguia se mover, nem falar. Apenas
olhar. Não sabia se aquilo tinha consciência ou não. Conforme cada membro era conectado
a ele, mais força ele ganhava. Começou movendo seus dedos. Aqueles dedos longos
e finos ao mesmo tempo se moviam de uma forma abstrata. Parecia que tinha
ossos, suas mãos se moviam como quisesse, livremente. Ele revirava seus olhos, acredito
eu que estava tentando gritar o mais alto possível. Quando seus braços foram
conectados, ele se mexia como um peão. Rodava e rodava sem parar. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Amarrei
uma corda em seus braços para que parasse. Abri sua garganta, e coloquei as
cordas vocais. Foi difícil, pois ele se debatia e debatia, como um peixe fora
da água. Com língua para fora, ele tentava pronunciar palavras; porém, apenas
saíam gemidos e gritos histéricos. Como se alguém tivesse abrindo sua barriga
com um estilete enquanto joga sal e álcool em cima das feridas. Como se tivesse
uma agulha em seus olhos ou um alicate em seus dentes. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Quando
suas pernas foram postas, ele conseguiu sair da maca e ficar em pé. Como o
criador pode ter medo da própria criação? Ele me olhava com aqueles olhos de
alguém que não deveria existir, muito menos respirar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Tentava
recitar palavras, porém apenas saiam gemidos e gritos. Não conseguia andar, mas
havia coordenação motora o suficiente para ficar de pé. Vi ali algo que eu
criei. A vida da morte. Algo que já morreu tendo vida. Fiquei abismado, porque
sou um gênio. Quando eu tocava em minha criação, eu sentia como vermes
movimentando em sua pele morta e estranha. Ele fazia coisas fora da realidade
humana, como girar seu torso perfeitamente. Ter controle total de seus cabelos e
dentes. E não necessitava de comida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ele
finalmente conseguiu andar. Eu o vi dando seus primeiros passos, como um pai
vendo seu filho. Eu genuinamente fiquei orgulhoso disso, embora tivesse medo. Fiquei
noites em claro ouvindo essa criatura andando pela casa. Choros e gritos a
madrugada toda. Acho que eu entendi por que Deus não dá vida aos mortos.
Enquanto eu o consertava, ele disse uma palavra em latim: "dīvus".
Naquele momento, eu tinha percebido o que eu fiz. Eu não criei a vida, eu
apenas dei forma para a morte. Algo que andava e respirava, quando sequer
deveria existir. Eu o vi naquele momento me senti inseguro como criador.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ele
tinha suas próprias vontades e sentimentos. Porém, tudo relacionado à morte.
Ele exalava um odor de um verdadeiro Satã. Como se houvesse defuntos em seus bolsos.
O seu choro era como o de uma mãe que havia perdido o filho. Foi quando eu
decidi acabar com sua "vida". Fui até ele com um clima de terror e
horror no local. E tentei desmontá-lo, mas ele chorava e chorava, dessa vez
pior. Seus gritos eram como os de alguém que havia tido um acidente terrível.
Cada peça que eu desmontava, era como se fosse um alívio. Peça por peça. Erro
por erro era desfeito. Olhando em seus olhos eu via um abismo cristalizado, em
um córrego torto e fissurado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Algo
torto e estranho, como sua pupila. Em que não havia cor. Arranquei sua língua
para que não gritasse, mas o grito continuava. E quando eu finalmente desmontei
o meu erro, eu o via se remontando em dois. Não há o que eu faça. Minha criação
sempre se multiplicará e respirará. Como eu não havia previsto.<o:p></o:p></span></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-64637443472892912592024-03-06T08:44:00.000-03:002024-03-06T08:44:03.748-03:00TIMOCLEIA - Narrativa Clássica Cruel - Plutarco<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwlXYEkiimJo9nVqumcZIhbCIBqx31qiz-zDv37DfvgySz0km-rInXdj4EgiVjBAHcIwWgKJzce_A_VDWVTthvI2CikAwLbVl-rdZ09e5TZCPQWHBSViOLZfIjGWWWlzFo2tDafCy5jiQtyHeDctxJUwPZsW7nUL61bTuXdXTHy0IAy2hm8_PaAz-d72A/s755/timoclea.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="755" data-original-width="567" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwlXYEkiimJo9nVqumcZIhbCIBqx31qiz-zDv37DfvgySz0km-rInXdj4EgiVjBAHcIwWgKJzce_A_VDWVTthvI2CikAwLbVl-rdZ09e5TZCPQWHBSViOLZfIjGWWWlzFo2tDafCy5jiQtyHeDctxJUwPZsW7nUL61bTuXdXTHy0IAy2hm8_PaAz-d72A/w480-h640/timoclea.png" width="480" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">TIMOCLEA<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Plutarco<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(46 – 120)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Em
meio aos muitos e terríveis males que afligiram aquela desgraçada cidade de
Tebas, alguns trácios invadiram a casa de Timoclea, dama da elite e de conduta
admirável.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Enquanto
a turba saqueava-lhe os bens, o comandante, depois de insultar e estuprar a dama,
perguntou-lhe se houvera escondido prata ou ouro em algum lugar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
dama confessou-lhe que sim e o conduziu ao jardim, onde lhe mostrou um poço.
Disse-lhe que, antes que a cidade fosse tomada, ali lançara os seus preciosos
tesouros. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
trácio acercou-se ao poço. Quando o examinava, estando Timoclea à sua costa,
empurrou-o. Depois, arrojando-lhe um monte de pedras, matou o invasor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Os
trácios, tendo manietado a senhora, a conduziram a Alexandre. Desde logo, a
dama pareceu-lhe respeitável e animosa, pois acompanhava os seus algozes sem
dar a menor mostra de temor ou sobressalto.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNk7CmC_174rQfsSGb88T0Loec2sz3NLX0DUs44RQcQTgP9q_RujDw8WcyizU9zZsa-pjbQhmBc1-CH8rx1-_GsrnvDBGOVSrnFKhq3nLUa1zpP4U7rYnGWEEq3vBLbSG4UzValSvz3DJ86eqyUfuaVwf33sdiUdz9u6dO6sRXuuHsrTyKFQ4dtYei3io/s1076/timoclea%20presa.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1076" data-original-width="750" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNk7CmC_174rQfsSGb88T0Loec2sz3NLX0DUs44RQcQTgP9q_RujDw8WcyizU9zZsa-pjbQhmBc1-CH8rx1-_GsrnvDBGOVSrnFKhq3nLUa1zpP4U7rYnGWEEq3vBLbSG4UzValSvz3DJ86eqyUfuaVwf33sdiUdz9u6dO6sRXuuHsrTyKFQ4dtYei3io/w446-h640/timoclea%20presa.png" width="446" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Tendo-lhe
Alexandre perguntado quem seria, ela respondeu-lhe que era irmã do general
Teágenes, que lutara contra Filipe pela liberdade dos gregos e morrera na
batalha de Queroneia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Admirado
com a sua resposta e do que havia feito, Alexandre devolveu a liberdade à dama
e aos seus filhos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Versão em português de
Paulo Soriano a partir da tradução espanhola de Antonio Ranz Romanillos (1759 –
1830).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Ilustrações: Elisabeta
Sirani (1638 – 1665) e Francesco Primaticcio (1504 – 1570).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-26964981073185421762024-02-29T00:39:00.000-03:002024-02-29T00:39:31.533-03:00A MULHER ALTA - Conto Clássico de Terror - Pedro de Alarcón<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf1HwCAXlBfvGoFzm3vtSeFgof55fDIGYkbpiWRdMedjOf7egOFFFj-cPb5GZ9Z2FBFF6lmvLoQvRxnvhqePyTEgWsZ_5M3gQMPT4PfqQGgxEvS742bzxEo1kjU_wfQcdrTCsw2eTG3azM4_TSd7mx1KcFF3c8_89wiQYRXHLzBRSjDS5q6yWKlpnaZ50/s1024/A%20MULHER%20ALTA%203.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf1HwCAXlBfvGoFzm3vtSeFgof55fDIGYkbpiWRdMedjOf7egOFFFj-cPb5GZ9Z2FBFF6lmvLoQvRxnvhqePyTEgWsZ_5M3gQMPT4PfqQGgxEvS742bzxEo1kjU_wfQcdrTCsw2eTG3azM4_TSd7mx1KcFF3c8_89wiQYRXHLzBRSjDS5q6yWKlpnaZ50/w640-h640/A%20MULHER%20ALTA%203.jpg" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">A MULHER ALTA<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Pedro de Alarcón<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(1833-1891)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Tradução de autor desconhecido do século
XX<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Quão pouco sabemos nós, amigos; como sabemos realmente pouco! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Quem
falava era Gabriel, um distinto engenheiro civil do corpo de montanha. Estava
sentado sob um pinheiro, perto de uma fonte, no cimo do Guadarrama. Distava
apenas légua e meia do palácio do Escurial, na linha fronteiriça das províncias
de Madri e Segóvia. Conheço o lugar, a fonte, o pinheiro, e tudo, mas esqueci-lhes
o nome.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Sentemo-nos — prosseguiu Gabriel —, já que esta é a melhor coisa que temos a
fazer e já que nosso programa exige um descanso aqui... aqui neste local
agradável e clássico, famoso pelas propriedades digestivas desta fonte e pelos
inúmeros cordeiros, aqui devorados pelos nossos notáveis professores Dom Miguel
Bosch, Dom Máximo Laguna, Dom Augustín Pascual e outros ilustres naturalistas.
Sentem-se, pois quero contar-lhes uma estranha e maravilhosa história em prova
da minha tese, que pretende demonstrar, embora vocês me chamem de
obscurantista, que acontecimentos sobrenaturais ainda ocorrem neste globo terráqueo.
Falo de acontecimentos que vocês não podem avaliar em termos de razão, ou
ciência, ou filosofia... essas “palavras, palavras, palavras” da frase de Hamlet,
como são compreendidas (ou o não são) hoje. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Gabriel
dirigia suas animadas observações a cinco pessoas de idades diferentes. Nenhuma
delas era jovem, embora apenas um estivesse adiantado em anos. Três deles eram
engenheiros como Gabriel, o quarto um pintor e o quinto um <i>literateur</i> em
pequeno estilo. Em companhia do narrador, que era o mais moço, tínhamos todos cavalgado
mulas alugadas no Real Sitio de San Lorenzo, a fim de passar o dia estudando
botânica entre as belas alamedas de pinheiros de Pequerinos, caçando borboletas
com redes, apanhando escaravelhos raros na casca de pinheiros apodrecidos e
comendo o lanche frio de um cesto que tínhamos comprado de parceria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Era
em 1875, no clímax do verão. Não me lembro se era dia de São Jaime ou São Luís;
inclino-me a crer que fosse de São Luís. Fosse de quem fosse, gozávamos de um
delicioso frescor nas alturas, e o coração e o cérebro, bem como o estômago,
achavam-se em muito melhor disposição do que usualmente. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Quando
os seus amigos estavam sentados, Gabriel continuou da seguinte maneira:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Não creio que vocês me acusem de ser um visionário.
Feliz ou infelizmente, sou, se me permitem dizê-lo, um homem do mundo moderno.
Não tenho superstições e sou tão positivista quanto o melhor deles, mas incluo
entre os fatos positivos da natureza todas as misteriosas faculdades e
sentimentos da alma. Bem, então, a propósito dos fenômenos sobrenaturais ou
extranaturais, ouçam o que vi e ouvi, embora não seja o verdadeiro herói desta
muita estranha história que vou contar, e digam-me, depois, que espécie de explicação
terrena, física ou natural, seja qual for o nome que lhe queiram pôr, vocês
podem dar para uma ocorrência tão maravilhosa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“O
caso foi assim. Mas esperem! Deem-me antes um trago, pois o cantil já deve ter
gelado nessa fonte cristalina e murmurante, localizada pela Providência neste
alto pinheiral para o fim expresso de gelar o vinho de um botânico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Bem,
senhores, não sei se já ouviram falar de um engenheiro do corpo de estradas chamado
Telésforo X...; morreu em 1861.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Não; eu não.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Mas eu ouvi.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Também eu. Era um camarada moço da Andaluzia, de bigode negro; estava para
casar-se com a filha do Marquês de Moreda, mas morreu de icterícia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Esse mesmo — disse Gabriel. — Bem, então, meu amigo Telésforo, seis meses antes
de sua morte, era ainda um jovem de futuro promissor, como se costuma dizer
agora. Simpático, esbelto, enérgico e tinha a glória de ser o primeiro da sua
classe a ser promovido. Já havia sobressaído em sua profissão por alguns
excelentes trabalhos que fizera. Diversas companhias disputavam seus serviços e
era também disputado por diversas moças casadouras. Mas Telésforo, como você
disse, era fiel à pobre Joaquina Moreda.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Como
sabem, aconteceu que ela morreu, subitamente, nos banhos de Santa Agueda, no
fim do verão de 1859. Eu estava em Pau quando recebi as tristes notícias de sua
morte, que muito me afetaram, em virtude de minha estreita amizade com Telésforo.
Com ela tinha falado apenas uma vez, em casa de sua tia, a mulher do general
Lopez, e certamente considerei a palidez azulada de sua pele como um sintoma de
má saúde. Mas, seja como for, tinha ela maneiras distintas e muita graça, e
era, ademais, a única filha de um título, e de um título que carregava com ele
alguns confortáveis milhares; por isso, tive certeza de que o meu bom
matemático estaria inconsolável. Consequentemente, logo que voltei a Madri,
quinze ou vinte dias depois de sua perda, fui vê-lo numa manhã bem cedo. Ele
vivia em elegantes aposentos de solteiro da Rua I.obo... não me lembro que
número, mas era perto da Carrera de San Jerónimo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“O
jovem engenheiro estava muito melancólico, embora calmo e senhor de seus
sentimentos. Já estava trabalhando, mesmo àquela hora, examinando, com seus
assistentes, os planos de uma ferrovia ou outros quaisquer. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Recebeu-me
com um longo e apertado abraço, sem outra coisa mais que um suspiro. Depois,
deu algumas instruções aos seus assistentes sobre o trabalho e, em seguida,
conduziu-me ao seu gabinete particular, na extremidade da casa. Enquanto
caminhávamos, disse me ele, num tom de voz lamentoso e sem olhar-me: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Estou muito contente por ter vindo. Muitas vezes desejei que você estivesse
aqui. Aconteceu-me uma coisa muito estranha. Só mesmo um amigo como você pode
ouvir-me sem considerar-me um tolo ou um louco. Quero uma opinião a respeito
disso, tão serena e fria como a própria ciência. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Sente-se — continuou ele quando chegamos ao gabinete — e não pense que vou
aborrecê-lo com uma descrição da dor que estou experimentando... uma dor que
durará enquanto eu estiver vivo. Por que o faria? Você pode facilmente
imaginá-la, mesmo que conheça muito pouco de tais sentimentos. E quanto a ser
consolado, não desejo sê-lo, nem agora, nem mais tarde, nem nunca! O que
pretendo contar-lhe é um fato horrível e misterioso, que foi o presságio infernal
da minha desgraça e que me angustiou de uma maneira terrificante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Continue — repliquei, sentando-me. O fato é que eu estava quase arrependido de
haver entrado na casa quando vi a expressão de um medo abjeto na face do meu
amigo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Ouça, então — disse ele, enxugando o suor testa. — Não sei se é devido a alguma
fatalidade inata da imaginação, ou por haver ouvido alguma história dessa
espécie, com que as crianças permitem tão precipitadamente que a amedrontem,
mas o fato é que, desde os meus primeiros anos, nada me causa tanto horror e
susto como uma mulher sozinha na rua, a uma hora tardia da noite. O efeito é o
mesmo, quer eu realmente a encontre ou apenas a imagine. Você pode testemunhar
que eu nunca fui um covarde. Travei um duelo, certa vez, quando tive que fazê-lo,
como qualquer homem. Logo depois que saí da Escola de Engenharia, meus
trabalhadores em Despeñaderos se revoltaram e lutei contra eles, com pau e
revólver, até obrigá-los à submissão. Durante toda minha vida, em Jaen, em
Madri e noutros lugares, andei pelas ruas a qualquer hora, sozinho e desarmado,
e se me acontecia topar com pessoas suspeitas, ladrões ou simples mendigos
impertinentes, eles tinham que sair de meu caminho ou correr. Mas quando
acontecia que a pessoa fosse uma mulher solitária, parada ou caminhando, e eu
também estivesse sozinho, sem ter ninguém à vista em qualquer direção... então
(ria se quiser, mas acredite-me) toda a minha carne estremecia; vagos temores
me assaltavam; eu pensava em seres do outro mundo, em existências imaginárias, em
todas as histórias supersticiosas que me teriam feito rir noutras
circunstâncias. Apressaria meus passos ou faria meia-volta e não me libertaria
do medo enquanto não estivesse a salvo na minha própria casa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Quando
me visse em casa, começaria a rir e ficaria envergonhado de meus temores
loucos. Meu único conforto era que ninguém sabia de nada. Então eu asseguraria
desapaixonadamente a mim mesmo que não acreditava em duendes, feiticeiras ou
fantasmas, e que não tinha nenhuma razão em amedrontar-me com aquela desgraçada
mulher, tirada de sua casa a uma tal hora pela pobreza, ou por algum crime, ou
por acidente, e a quem eu deveria ter oferecido ajuda, se ela a necessitasse,
ou lhe dado esmola. Não obstante, a lamentável cena se repetiria sempre que
fatos similares ocorressem... e lembre-se de que eu tinha vinte e quatro anos
de idade, tinha tomado parte em muitas aventuras noturnas, ainda que eu nunca
tinha tido nenhum conflito com essas mulheres solitárias depois da meia-noite!
Mas nada do que lhe contei teve jamais qualquer importância, pois o medo
irracional me abandonava logo que eu me encontrasse em casa ou visse alguma
outra pessoa na rua, e eu dificilmente poderia evocá-lo minutos depois mais nitidamente
do que alguém evoca um engano estúpido sem consequências. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“As
coisas continuavam assim, quando, há cerca de três anos (tenho, infelizmente,
boas razões para lembrar-me da data — foi na noite de 15 para 16 de novembro de
1857), eu voltava para casa às três da madrugada. Como você deve recordar-se, eu
morava, então, naquela pequena casa da Rua Jardines, perto da Rua Montera.
Tinha justamente saído, àquela hora tardia em que soprava um vento áspero e
frio, de uma espécie de casa de jogo... digo-lhe isso, embora saiba que o estou
surpreendendo. Você sabe que não sou um jogador. Entrei na casa, enganado por
um suposto amigo. Mas o fato é que, à medida que as pessoas começaram a entrar,
cerca da meia-noite, vindas de recepções ou de teatros, o jogo começou a
animar-se e o ouro começou a luzir em quantidade. Depois apareceram títulos de
banco e promissórias. Pouco a pouco, fui fascinado pela paixão sedutora e febricitante
e perdi todo o dinheiro que tinha. Saí mesmo devendo uma grande soma, pelo que
deixei uma promissória atrás de mim. Em resumo, tinha me arruinado
completamente; e se não fosse a herança que recebi logo depois e os bons
empregos que tive, minha situação seria extremamente crítica e lamentável. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ia,
pois, para casa, como disse, a uma hora tão tardia da noite, entorpecido pelo
frio, faminto, envergonhado, aborrecido como você pode imaginar, pensando no meu
pai doente mais do que em mim mesmo. Via-me obrigado a escrever-lhe pedindo
dinheiro, e isto deveria espantá-lo e entristecê-lo, pois considerava-me numa situação
muito boa. Pouco antes de alcançar a minha rua, onde ela cruza com a Rua
Peligros, ao passar diante de um prédio recém-construído, percebi alguma coisa
na sua porta. Era uma mulher alta, grande, que estava tesa e imóvel, como se
fosse de madeira. Parecia ter uns sessenta anos de idade. Sus olhos atrevidos e
malignos, desprovidos de pestanas, estavam fixos nos meus como dois punhais.
Sua boca desdentada dirigiu-me um esgar horrível, que pretendia ser um sorriso.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“O
próprio terror ou delírio de medo, que instantaneamente me dominou, tornou a
minha percepção mais aguda, de maneira que pude distinguir, num só relance, dos
segundos que levei para passar em frente da repugnante visão, os menores
detalhes do seu rosto e dos seus trajes. Deixe-me ver se posso reproduzir as
impressões que tive, pela maneira e forma por que as recebi, como estão indelevelmente
gravadas em meu cérebro, à luz daquela lâmpada de rua, que brilhava lugubremente
sobre a fantástica cena. Mas estou me excitando demasiado, embora haja muitas
razões para isto, como você verá depois. Não se preocupe, porém, com o estado
da minha mente. Não estou louco ainda! <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“A
primeira coisa que me impressionou naquela <i>mulher</i>, como prefiro chamá-la,
foi a sua extraordinária altura e a largura de seus ombros ossudos. Depois, a
redondeza e fixidez dos seus frios olhos de coruja, o tamanho enorme do seu
nariz saliente, e a grande caverna escura de sua boca. Finalmente, seu vestido,
como o de uma jovem mulher de Avapiés... o pequeno lenço de algodão que trazia
na cabeça, amarrado sob o queixo, e um leque minúsculo que segurava aberto na
mão e com o qual, com afetada modéstia, cobria a metade do seu peito. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh109Z0Wt-Gyzw07r6LIsUO_ApZTKc3ePY6R71tIjejyCYlidysz4Irvjz-WM3dsy1L2FDHAraViH7Z5w2SE5UvGszwQPHAO7tUWUyjaiLksSMoKzYpH6YQZsx28gWxy9JIkpgBnB_f_7UmV7sm2sBcCAMtI5pSuH0Qv6edn4NT4J_zbJL9WVoX7JXDzig/s1024/A%20MULHER%20ALTA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh109Z0Wt-Gyzw07r6LIsUO_ApZTKc3ePY6R71tIjejyCYlidysz4Irvjz-WM3dsy1L2FDHAraViH7Z5w2SE5UvGszwQPHAO7tUWUyjaiLksSMoKzYpH6YQZsx28gWxy9JIkpgBnB_f_7UmV7sm2sBcCAMtI5pSuH0Qv6edn4NT4J_zbJL9WVoX7JXDzig/w400-h400/A%20MULHER%20ALTA.jpg" width="400" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Nada
podia ser, ao mesmo tempo, mais ridículo mais medonho, mais risível e mais
zombeteiro do que o pequeno leque naquelas mãos enormes. Parecia como um cetro
de brinquedo nas mãos de uma tal velha, horrível e ossuda gigante! O mesmo
efeito produzia o pequeno lenço de percal que adornava sua face ao lado daquele
nariz adunco e masculino; por um momento, fui levado a crer (ou gostaria de ter
crido) que era um homem disfarçado. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Mas
seu olhar cínico e o seu grosseiro sorriso eram os de uma bruxa, de uma
feiticeira, de uma maga, de uma... não sei o quê! Havia nela qualquer coisa que
justificava inteiramente a aversão e o medo que eu experimentara durante toda a
minha vida pelas mulheres que caminham pelas ruas, sozinhas, à noite. Dir-se-ia
que eu tinha, desde a infância, o pressentimento desse encontro. Dir-se-ia que
eu estava aterrorizado instintivamente, como todo o ser vivente receia e
adivinha, e suspeita e reconhece seu inimigo natural antes mesmo de ser atacado
por ele, antes mesmo de tê-lo visto, e somente por ouvir seus passos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Não
fugi correndo quando vi a esfinge de minha vida. Contive o impulso de fazê-lo,
menos por vergonha, ou principalmente por orgulho, do que pelo receio de que o
meu próprio medo lhe revelasse quem eu era ou lhe desse asas para seguir-me,
para apanhar-me... nem eu sei. Pânicos assim imaginam coisas que não têm forma
nem nome. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Minha
casa ficava no extremo oposto da rua comprida e estreita, na qual eu estava só,
completamente só com aquele misterioso fantasma que eu jugava capaz de
aniquilar-me com uma única palavra. Como poderia eu alcançar a minha casa? Oh,
quão ansiosamente olhei para a longínqua Rua Montera, larga e bem iluminada,
onde se podia encontrar policiais a qualquer hora! Decidi, finalmente, extrair
o máximo de minha fraqueza; dissimular e esconder aquele miserável medo: não
apressar o passo, mas avançar lentamente, mesmo à custa de anos de saúde ou de
vida, e desse modo, pouco a pouco, aproximar-me da minha casa, fazendo o
possível para não cair desmaiado no chão antes de atingi-la. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Estava
eu caminhando assim... devia ter dado cerca de vinte passos depois que deixara
atrás de mim a porta na qual a mulher do leque estava escondida, quando, de
repente, uma ideia terrível me assaltou... horrível, contudo, muito natural — a
ideia de olhar para trás e ver se o meu inimigo estava me seguindo. Pensei numa
coisa e noutra com a rapidez de um relâmpago: ou o meu medo tinha algum fundamento
ou era apenas loucura; se tivesse algum fundamento, aquela mulher estaria
caminhando atrás, de mim, pronta para apanhar-me, e, então, não haveria mais
esperança para mim neste mundo. Mas se fosse loucura, uma simples suposição, um
temor pânico como outro qualquer, eu ficaria plenamente convencido na atual
situação e em todos os casos futuros, se visse que a pobre mulher se tinha refugiado
no umbral da porta para proteger-se contra o frio, ou para esperar até que lhe
abrissem; e, assim sendo, eu poderia seguir para minha casa perfeitamente tranquilo,
e me curaria definitivamente de uma fantasia que tão grandes mortificações me
causava. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Raciocinando
dessa maneira, fiz um esforço extraordinário e voltei a cabeça. Ah, Gabriel!...
Gabriel! como foi pavoroso! A mulher alta tinha me seguido silenciosamente,
estava muito perto de mim, quase tocando-me com seu leque, quase encostando sua
cabeça no meu ombro. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Por
que fazia isso?... Por que, meu Gabriel? Era uma ladra? Era realmente um homem
disfarçado? Era alguma velha feiticeira maliciosa, que percebera que eu sentira
medo dela? Era um espectro evocado pela minha própria covardia? Era um fantasma
zombeteiro da autodecepção humana? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Nunca
lhe poderei contar tudo quanto pensei rum único momento. Se a verdade deve ser
dita, então digo-lhe que dei um grito e corri como uma criança de quatro anos
que pensa ter visto o Homem Sombrio. Não parei de correr até chegar à Rua Montera.
Lá chegando, o medo abandonou-me como por arte mágica. Isto apesar daquela rua
também estar deserta. Então voltei a cabeça para a Rua Jardines. Podia vê-la em
toda a sua extensão. Estava suficientemente iluminada para que eu pudesse ver a
mulher alta se ela tivesse seguido para qualquer direção e — pelos céus! — não
pude vê-la, nem parada, nem andando, nem de qualquer modo. Não obstante, tive a
cautela de não voltar àquela rua. A bruxa, pensei comigo, escondeu-se em algum
outro umbral. Mas ela não pode mover-se sem que eu veja.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Justamente,
então, percebi um policial, vindo da Rua Cabellero de Gracia, e chamei-o sem
sair do meu lugar. Disse-lhe que havia um homem vestido de mulher na Rua
Jardines. Pedi-lhe que fosse pela Rua Peligros, e Aduana, enquanto eu
permanecia onde estava, a fim de que o sujeito, que devia ser provavelmente um
ladrão ou um assassino, não pudesse escapar-nos. O policial seguiu minhas
instruções. Entrou pela Rua Aduana e logo que vi sua lanterna aparecer na Rua
Jardines, encaminhei-me resolutamente para ela. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Encontramo-nos
no meio do quarteirão, sem que nenhum de nós tivesse visto viva alma, embora examinássemos
porta por porta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Entrou em alguma casa — disse o policial. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Deve ter entrado — repliquei, abrindo minha própria porta, com o firme
propósito de mudar-me para outra rua no dia seguinte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Momentos
depois, estava em meus aposentos: sempre tive o cuidado de trazer minha chave,
a fim de não perturbar o meu bom José. Não obstante, ele esperava por mim,
naquela noite. Meus infortúnios de 15 para 16 de novembro ainda não tinham
terminado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O major Falcón esteve aqui — retrucou ele, em evidente agitação —, esperando
pelo senhor das sete até as duas e meia, e disse-me que, se o senhor dormir em casa,
seria melhor não tirar a roupa, pois ele virá vê-lo assim que amanhecer. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Essas
palavras fizeram-me tremer de pesar e de alarma, como se predissessem minha
própria morte Eu sabia que meu amado pai, em sua casa em Jaén, sofria
frequentes e perigosos ataques de suas dores crônica. Escrevera nos meus irmãos
que, se ocorresse um súbito e fatal desfecho da doença, telegrafassem ao major
Falcón, o qual logo me informaria. Não Tinha, pois, a menor dúvida de que meu
pai havia morrido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Sentei-me
numa poltrona para esperar a manhã e o meu amigo e, com eles, as notícias de
minha grande desgraça. Só Deus sabe o que sofri naquelas duas cruéis horas de
espera. Durante todo o tempo, três ideias distintas estavam indissoluvelmente ligadas
no meu cérebro; embora parecessem diferentes, tudo faziam para conservar-se
juntas num grupo terrível. Eram elas: minhas perdas no jogo, meu encontro com a
mulher alta e a morte do meu estimado pai. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Precisamente
às seis, o major Falcón entrou no meu quarto e olhou-me em silêncio. Atirei-me
em seus braços, soluçando amargamente, enquanto ele exclamava, afagando-me: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Sim, meu caro amigo, soluce, soluce.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Meu
amigo Telésforo — continuou Gabriel, depois de haver tragado outro copo de
vinho — também fez uma pausa nesta altura da narração e, em seguida, prosseguiu
da seguinte maneira:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Se minha história terminasse aqui, talvez você nada visse nela de
extraordinário ou de sobrenatural. Você me diria a mesma coisa que homens de
bom senso me disseram naquela ocasião: que todas as pessoas dotadas de
imaginação viva estão sujeiras a algum impulso de medo ou outro qualquer; que o
meu provinha de mulheres retardatárias e solitárias, e que a velha criatura da
Rua Jardines era apenas alguma miserável sem teto, que pretendia pedir-me uma
esmola quando eu gritei e corri. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“De
minha parte, procurei acreditar que fosse assim. Cheguei mesmo a acreditá-lo,
ao cabo de muitos meses. Contudo, eu estava, então, disposto a dar alguns anos
de minha vida para certificar-me de que não tornaria a encontrar a mulher alta.
Mas, hoje, eu daria todas as gotas do meu sangue para tornar a encontrá-la. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span lang="ES" style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: ES;">— Para quê? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span lang="ES" style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: ES;">— Para m atá-la. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Não compreendo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Compreenderá quando lhe disser que a encontrei novamente, há três semanas,
algumas horas antes de receber as notícias fatais da morte de minha pobre
Joaquina.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Conte-me isso, conte-me Isso!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Há muito pouco que dizer. Eram cinco horas da manhã. Ainda não estava
completamente claro, embora a aurora fosse visível através das ruas que se
dirigiam para o leste. As lâmpadas dos postes tinham-se apagado e os policiais
desaparecido. Enquanto eu seguia pela Rua Prado, para alcançar o outro extremo
da Rua Lobo, a horrível mulher passou pela minha frente. Não me olhou e pensei
que não me tivesse visto. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Trazia
o mesmo vestido e segurava o mesmo leque, como três anos antes. Meu
estremecimento e susto foram maiores do que nunca. Corri depressa ao longo da Rua
Prado, logo que ela passou, embora não desviasse os olhos da sua figura, como
para assegurar-me de que ela não olharia para trás, e quando atingi a outra extremidade
da Rua Lobo, arquejava como se tivesse atravessado a nado a corrente impetuosa
de um rio. Apressei o passo, então, com renovada energia, para casa, cheio,
agora, de alegria em vez de medo, porque pensei que a odiosa bruxa tinha sido
conquistada e despojada de seu poder pelo próprio fato de haver eu passado tão
perto dela sem que me tivesse visto. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Cedo,
porém, e quando eu quase havia alcançado esta casa, uma onda de pavor
invadiu-me, ao pensamento de que a esperta feiticeira tinha-me visto e
reconhecido, simulando o contrário a fim de deixar que eu entrasse na Rua Lôbo,
onde ainda estava escuro e onde poderia atirar-se sobre mim com segurança.
Sentia que ela estava me seguindo, que já estava junto de mim. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Passei
do medo à mais furiosa cólera, a urna cólera desesperada e selvagem. Atirei-me
contra a velha criatura. Encostei-a na parede, pus a mão na sua garganta. Senti
seu rosto, seu hálito, as mechas errantes do seu cabelo grisalho, até que me
convenci inteiramente de que ela era um ser humano... uma mulher.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Entrementes,
ela emitira um gemido roufenho e penetrante ao mesmo tempo. Pareceu-me falso e
fingido, bem como a hipócrita expressão de medo que ela não devia realmente
sentir. Logo em seguida, ela exclamou, como se estivesse prestes a chorar, mas
olhando-me com seus olhos de hiena: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Por que está brigando comigo? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Esta
observação aumentou meu medo e atenuou minha raiva.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Lembre-se — gritei-lhe —, que você já se encontrou comigo, noutro lugar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Creio que sim, querido — retrucou ela, zombeteiramente. — Na noite de Santo
Eugênio, na Rua Jardines, há três anos. Minha própria medula estava gelada. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Mas quem é você? — perguntei sem largá-la. — Por que me segue? O que pretende
de mim?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Sou uma pobre e fraca mulher — tornou ela com um olhar diabólico. — Você me
odeia e tem medo de mim sem razão alguma. Se não tem, diga-me, meu bom senhor,
por que se mostrou tão amedrontado quando me viu pela primeira vez? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Porque eu a detesto desde que nasci. Porque você é o espírito mau de minha vida.
Parece, então, que você me conhece há muito tempo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Bem, ouça meu filho, eu também o conheço há muito tempo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Conhece-me? Desde quando?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Mesmo antes de você nascer! E quando o vi passar por mim, três anos atrás,
disse comigo mesma: é ele. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Mas que sou eu para você? Que é você para mim?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O diabo! — replicou a bruxa, cuspindo na minha face, livrando-se de meus braços
e correndo com espantosa agilidade. Erguia a saia acima dos joelhos e seus pés não
faziam o menor ruído ao tocarem no chão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Seria
loucura tentar alcançá-la. Ademais, já começavam a passar pessoas pela Carrera
de San Jerónimo e, também, na Rua Prado. Já era dia. A mulher alta continuou a
correr ou a voar até a Rua Huertas, a qual estava agora iluminada pelo Sol. Lá
ela parou e voltou-se para olhar-me. Acenou-me com o leque uma ou duas vezes, ameaçadoramente
e desapareceu pareceu no ângulo de uma esquina.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Espere
um pouco, Gabriel. Não pronuncie ainda sua sentença, neste caso em que minha vida
e minha alma estão em jogo. Ouça-me dois minutos mais. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Quando
entrei em casa, encontrei o coronel Falcón, que tinha justamente chegado para
dizer-me que minha Joaquina, minha noiva, toda minha esperança, felicidade e
alegria na terra, tinha falecido no dia anterior em Santa Agueda. O infeliz pai
telegrafara a Falcón para comunicar-me a notícia... a mim que, uma hora ante, devia
tê-lo adivinhado ao encontrar o espírito mau de minha vida! Não compreende,
agora, que devo matar esse inimigo nato da minha felicidade, essa bruxa velha e
vil que é a zombaria viva do meu destino? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Mas
por que digo matar? É ela uma mulher! É um ser humano? Por que tive um
pressentimento do sua existência desde que nasci? Por que me reconheceu ela
quando me viu pela primeira vez? Por que a vejo somente quando uma grande
calamidade cai sobre mim? É ela o Demônio? É a Morte? E' a Vida? É o
Anticristo? Quem é ela? Que é ela?”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Vou poupar-lhes, queridos amigos — continuou Gabriel —, os argumentos e
observações que empreguei para tentar acalmar Telésforo, pois são os mesmos,
precisamente os mesmos, que vocês estão se preparando para empregar a fim de
provar que nada há de sobrenatural ou sobre-humano na minha história. Vocês
irão ainda mais longe; dirão que meu amigo estava semilouco; que ele sempre o fora;
que, ao menos, ele sofria daquela doença moral que alguns chamam “terror pânico”,
e outros “insanidade emocional”; que, mesmo assegurando a verdade do que contei
sobre a mulher alta, tudo deve ser atribuído a coincidência de datas e de
fatos; e, finalmente, que a pobre velha criatura também devia ser louca, ou uma
ladra, ou uma mendiga, ou uma alcoviteira... como o herói de minha história
disse a si mesmo num intervalo lúcido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Uma suposição muito adequada — exclamaram os camaradas de Gabriel. — Justamente
o que íamos dizer. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Bem, ouçam alguns minutos mais e verão que eu estava enganado naquela época e
que vocês estão enganados agora. O único que não se enganou, infelizmente, foi
Telésforo. É muito mais fácil dizer a palavra “insanidade” do que encontrar
explicação para certas coisas que acontecem na terra. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Fale, fale!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Vou falar; e desta vez, como é a última, não tomarei o fio da narração sem
beber antes um copo de vinho. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Alguns
dias depois daquela conversa com Telesforo, fui enviado à província de Albaceta
na qualidade de engenheiro do corpo de montanha. Não muitas semanas se passaram
antes que eu soubesse, por um contratador de trabalhos públicos, que o meu
'infeliz' antigo tinha sido atacado por uma terrível espécie de icterícia;
tornara-se inteiramente verde e vivia reclinado numa poltrona, sem trabalhar e
sem desejar ver nenhuma pessoa, soluçando noite e dia no mais inconsolável e
amargo desespero. Os médicos tinham-no desenganado. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Isto
me fez compreender o motivo por que ele não respondeu às minhas cartas. Tive
que escrever ao coronel Falcón para obter notícias e, nesse ínterim, todas as
informações que me chegavam eram cada vez mais desfavoráveis e soturnas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Após
uma ausência de cinco meses, voltei a Madri, no mesmo dia em que o telégrafo
espalhava as notícias da batalha de Tetuán<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20MULHER%20ALTA%20-%20PEDRO%20DE%20ALARC%C3%93N.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>.
Lembro-me como se fosse ontem. Naquela noite, comprei o indispensável <i>Correspondencia
de España</i> e a primeira coisa que li foi a notícia da morte de Telésforo.
Seus amigos eram convidados para o funeral na manhã seguinte. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Estão
naturalmente certos de que compareci. Ao chegarmos ao cemitério de San Luis,
para o qual eu rodava numa carruagem próxima do coche funerário, minha atenção
foi despertada por uma camponesa. Era velha e muito alta. Ela riu
sacrilegamente ao ver que tiravam o caixão. Então, postou-se na frente dos que
conduziam o esquife numa atitude triunfante, indicando-lhes, com um
pequeníssimo leque, o caminho que deviam tomar para chegarem à cova aberta que
esperava.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“À
primeira vista percebi, com espanto e susto, que era a implacável inimiga de
Telésforo. Era justamente como ele me havia descrito... com o nariz enorme, os
olhos diabólicos, a boca horrível, o lenço de perca e aquele minúsculo leque
que parecia em suas mãos o cetro da indecência e da zombaria. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Ela
imediatamente observou que eu a estava olhando e fixou os olhos em mim de um
modo peculiar, como se estivesse me reconhecendo, como se quisesse demonstrar
que estava me reconhecendo, como se soubesse que o morto me tinha contado os episódios
da Rua Jardines e Rua Lobo, como que desafiando-me, como que declarando-me
herdeiro do ódio que tinha alimentado pelo meu infeliz amigo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Confesso
que, no momento, meu medo foi maior do que o meu espanto, diante daquelas novas
<i>coincidências e acidentes</i>. Pareceu-me evidente que alguma relação
sobrenatural, anterior à vida terrena, existira entre a misteriosa velha e
Telésforo. Mas, no momento, minha única preocupação era sobre minha própria
vida, minha própria alma, minha própria felicidade... coisas estas que ficariam
expostas ao maior perigo se eu realmente herdasse tamanha maldição... <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“A
mulher alta começou a rir. Apontou para mim, com desprezo, usando o leque, como
se tivesse lido meus pensamentos e expusesse publicamente minha covardia. Tive
que apoiar-me no braço de um amigo para não cair. Então, ela fez um gesto de
piedade ou de desdém, rodou sobre os calcanhares e entrou no cemitério. Sua
cabeça estava voltada para mim. Abanava-se e acenava-me ao mesmo tempo.
Deslizava entre os túmulos com um despudor infernal e indescritível, até que,
finalmente, desapareceu para sempre no labirinto das tumbas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Eu
disse para sempre, pois desde então já passaram quinze anos e nunca mais a vi.
Se era um ser humano, deve ter morrido há muito; se não era, continuo
convencido de que ela me despreza demais para meter-se comigo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Agora,
exibam suas teorias! Deem-me sua opinião sobre esses estranhos acontecimentos.
Ainda os consideram como inteiramente naturais?”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Fonte: “A Cigarra”/SP,
edição de dezembro de 1952.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Ilustrações: PS/Copilot.<o:p></o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20MULHER%20ALTA%20-%20PEDRO%20DE%20ALARC%C3%93N.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Batalha
ocorrida em 4 de fevereiro de 1860, no Marrocos, entre os exércitos espanhol e
marroquino.<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-41575358283435727992024-02-29T00:30:00.002-03:002024-03-10T10:44:18.166-03:00NO ABISMO - Conto Clássico de Ficção Científica - H. G. Wells<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDO7_Z3jTBhBh4rqXnI5C2PZJXa3Fshat4DzvCt_vD6DnIwvzm9UcDZ_YO5bLTQKXJ5yLrcWWFGl1lFJjHkPn2O3vLH1VvohYRGCokmHneTdI2CxMYU4fpHO2-sSbXmGHKn3T8YFDXyVtDO1L1eIQNHhdKm4dtJAAvfdetyw1YrBicfLARKFBDq1YI_mY/s907/no%20abismo.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="907" data-original-width="800" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDO7_Z3jTBhBh4rqXnI5C2PZJXa3Fshat4DzvCt_vD6DnIwvzm9UcDZ_YO5bLTQKXJ5yLrcWWFGl1lFJjHkPn2O3vLH1VvohYRGCokmHneTdI2CxMYU4fpHO2-sSbXmGHKn3T8YFDXyVtDO1L1eIQNHhdKm4dtJAAvfdetyw1YrBicfLARKFBDq1YI_mY/w564-h640/no%20abismo.png" width="564" /></a></div><p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span lang="ES" style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES;">NO ABISMO<o:p></o:p></span></b></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span lang="ES" style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES;">H. G. Wells<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span lang="ES" style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; mso-ansi-language: ES;">(1866 – 1946)<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Tradução de autor desconhecido do séc.
XX<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
tenente estava de pé diante da esfera de aço e mordia uma lasca de madeira.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Que pensa disto, Steevens? — perguntou ele.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
É uma ideia como outra qualquer — disse Steevens, em tom de quem quer formar
uma opinião sincera.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Creio que isto vai achatar-se em cheio — continuou o tenente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Parece que ele calculou cuidadosamente a coisa — disse Steevens, ainda
imparcial.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Mas lembra-se da pressão — insistiu o tenente. — À superfície da água, ela é de
quatorze libras por polegada; trinta pés mais abaixo, é dupla; a sessenta,
tríplice; a noventa, quádrupla; a novecentos, quarenta vezes maior; a cinco mil
pés, trezentas vezes maior... isto quer dizer que a uma milha de profundidade a
pressão é duzentas e quarenta vezes quatorze libras: isto é... espere... um
quintal... uma tonelada e meia, Steevens. "Uma tonelada e meia" por
polegada quadrada. E o oceano tem aqui cinco milhas de profundidade. Ele
suportará uma pressão de sete toneladas e meia...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Uma bela sondagem! — disse Steevens. — Mas também ele é protegido por uma
espessura de aço.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
tenente não respondeu e pôs-se de novo a morder o pedaço de madeira. O objeto
da conversação era uma imensa bola de aço, cujo diâmetro exterior era de nove
pés, mais ou menos, e que parecia ser o projétil de algum formidável peça de
artilharia: achava-se muito trabalhosamente encaixada em um arcabouço
monstruoso, armado no madeiramento do navio e os gigantescos cilindros de
madeira sobre os quais ela ia em breve resvalar por cima da amurada. Tal
aspecto davam à popa da embarcarão, que excitaria a curiosidade todo o
marinheiro consciencioso, desde "pool" de Londres até o trópico de
Capricórnio. Em dois lugares, um em cima do outro, o aço era substituído por um
par de janelas circulares, fechadas com portas de vidro de espessura
considerável, e uma delas, encaixilhada em armação de grande solidez, achava-se
então parte aparafusada.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Nesse
mesmo dia, pela manhã, os dois homens tinham visto primeira vez o interior
daquele globo. Ele estava cuidadosamente acolchoado de almofadas de ar
comprimido, guarnecidas de botões fixos entre as saliências, e que constituíam
o simples mecanismo do aparelho.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Todos
os objetos estavam igualmente bem acolchoados, até o aparelho Myers devia
absorver o ácido carbônico e substituir o oxigênio aspirado habitante do globo
quando, uma vez lá introduzido, estivesse aparafusada a abertura de vidro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Tudo
estava tão perfeitamente acolchoado que uma pessoa, colocada dentro da esfera,
se esta fosse atirada por um canhão, poderia suportar com segurança o choque
impetuoso. E assim era preciso, porquanto ia lá penetrar pela abertura: ficaria
solidamente fechado dentro dela e seria em seguida atirado por cima da amurada,
para afundar-se no Oceano até uma profundidade de cinco milhas, como dissera o
tenente. A imaginação deste achava-se exclusivamente ocupada com esta ideia;
tornara-se para ele uma obsessão, mesmo durante as refeições, e Steevens, o
recém-chegado, era companheiro precioso, com que ele ia poder conversar à
vontade sobre o objeto da preocupação.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Tem-se ocorrido à ideia — disse o tenente — de que estes postigos de vidro
podem muito bem dobrar, rachar e esmigalhar-se sob semelhante pressão. Daubrée
liquefez rochedos sob pressões enormes... e note bem isto...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Se o vidro quebrar, disse Steevens — que poderá suceder?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt; text-indent: 1cm;">—
A água entrará como um jato de ferro. Já recebeu alguma vez um jato de grande
pressão? É o mesmo que uma bala. Ele seria simplesmente esmagado e achatado. A
água entrar-lhe-ia pela garganta, pelos pulmões, penetraria nos ouvidos...</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Que imagem detalhada! — exclamou Steevens, que concebia as coisas ao vivo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
E a simples exposição de uma coisa inevitável — disse o tenente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
E o globo?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Esse deixaria escapar algumas pequenas bolhas e instalar-se-ia
confortavelmente, até ao dia do Juízo Final entre o lodo e o limo do fundo...
com o pobre Elstead esmagado nas almofadas achatadas, como manteiga em pão.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Repetiu
a imagem como se ela lhe tivesse agradado muito:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Como manteiga em pão.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Uma vista de olhos na vela traseira — disse uma voz.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">E
Elstead apareceu atrás deles, vestindo um terno branco, tendo um cigarro na
boca e os olhos risonhos sob as grandes abas do chapéu.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Que está a dizer, a propósito de pão e de manteiga, Weybridge? Estás, como de
costume, resmungando sobre o ordenado insuficiente dos oficiais de marinha? Só
falta agora um dia para a minha partida. As lingas vão ficar prontas hoje. Este
lindo céu e este marulho tranquilo são justamente o que é preciso para se
atirar por cima da amurada uma dúzia de toneladas de chumbo e ferro, não é
verdade?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Você não há de perceber muito bem o marulho — disse Weybridge.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Não. A seiscentos ou oitocentos pés de profundidade... e lá estarei daqui a
doze segundos... nem uma só molécula se moverá, ainda que o vento se
desencadeie e que a água suba até as nuvens. Não. Lá, no fundo...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Isto
dizendo<span style="color: red;">,</span> caminhou para a trincheira da borda, e
os outros dois seguiram-no. Todos três se inclinavam, apoiando-se aos cotovelos
e contemplaram a água de um verde amarelado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
... a paz — disse Elstead, terminando alto o seu pensamento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Está absolutamente certo de que o movimento dos relógios será constante? —
perguntou inopinadamente Weybridge.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Ele tem trabalhado trinta e cinco vezes — disse Elstead. — Continuará a trabalhar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Mas suponhamos que ele não funcione.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">— Por não há de funcionar?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eu, nem por vinte mil libras desceria naquela maldita máquina — disse
Weybridge.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
São realmente animadoras estas palavras — notou Elstead.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Ainda não pude compreender de que modo se possa fazer funcionar aparelho —
disse Steevens.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Ora! Em primeiro lugar, entro na esfera e aparafusam a abertura, principiou
Elstead. — E, depois de eu ter acendido e apagado três vezes seguidas a luz
elétrica para mostrar que tudo vai bem, sou lançado por cima da trincheira da
borda por este guindaste, com todos estes grandes pesos de chumbo suspensos em
volta de mim. Aquele enorme que está suspenso em cima, é munido de um cilindro
no qual estão enroladas cem toesas de sólida corda, e é tudo quanto liga os
pesos do fundo à esfera, excetuando as lingas que serão cortadas quando a
esfera cair. Sirvo-me de cordas, de preferência a cabos de ferro, porque são
mais flutuantes e por serem mais fáceis de cortar — condições necessárias, como
já vai ver. Repare, pare todos estes pesos de chumbo são furados; ser-lhes-á
adaptada uma barra de ferro que excederá seis pés à extensão da face interior.
Logo que esta barra estiver em contato com o fundo, ela baterá em uma alavanca
que desprenderá o movimento do relógio do lado em que está o cilindro sobre o
qual estão enroladas as cordas... Compreende? Deita-se à água todo o sistema do
modo mais simples. A esfera flutua... com o ar que contém, ela fica mais leve
que a água... mas os pesos de chumbo continuam a afundar, e a corda se
desenrola até ao fim. Logo que a corda fica inteiramente desenrolada, a esfera
vai também afundando.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Mas de que serve a corda? — perguntou
Steevens. — Por que razão não se unem diretamente os pesos à esfera?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> — Por causa do choque provável do fundo. A
esfera e os pesos atingem pouco a pouco uma velocidade vertiginosa e vão ao
fundo rapidamente. Se não fora a gorda, ela seria feita em pedaços ao bater no
fundo. Desde, porém, que os pesos
repousarem no fundo, entrará em jogo a leveza da esfera. Ela continuará a
afundar cada vez mais lentamente, parará finalmente, depois tornará a subir. É
então que intervém o movimento do relógio. Logo que os pesos de chumbo se
achataram no fundo do mar, a barra será empurrada e impulsionará o movimento e
de novo a corda se enrolará no cilindro. Destarte, serei levado até ao fundo.
Aí ficarei cerca de meia hora, com a luz elétrica acesa, examinando o que
estiver em torno de mim. Depois, o movimento do relógio acionará uma faca de
mola, a corda será cortada e tornarei à superfície como uma bolha em um sifão.
A própria corda auxiliará a flutuação.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
E se, por acaso, a esfera, ao subir, for ter ao fundo de um navio? — perguntou
Weybridge.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Ela levará tal velocidade que o atravessará como uma bala de canhão — disse
Elstead. — Sobre esse ponto não há a
menor dúvida.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Suponha que um pequeno crustáceo de grande agilidade se insinue nas molas do
relógio.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt; text-indent: 1cm;">—
Isto seria para mim uma espécie de convite um tanto urgente para eu me deixar
ficar na companhia deles — disse Elstead voltando as costas para o mar e
contemplando a esfera.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Tinham
atirado Elstead por cima da amurada às onze horas. O dia estava calmo e
serenamente iluminado, e o horizonte perdia-se no nevoeiro. O brilho das
lâmpadas elétricas tinha alegremente aparecido por três vezes dentro do
compartimento superior. Foi então que o fizeram descer lentamente até tocar na
superfície da água, e um marinheiro, colocado junto dos rebordos da ré, estava
pronto a cortar a adriça que retinha o conjunto dos pesos do fundo e da esfera.
A esfera, que na tolda do navio parecera enorme, não passava agora de um
pequeno objeto de dimensões mínimas, visto sob a popa da embarcação. Ela
baloiçou-se um pouco e os seus dois postigos escuros, colocados acima da linha
de flutuação, pareciam dois olhos desmesuradamente abertos, contemplando a equipagem
que se comprimia contra a amurada. Ergueu-se uma voz, perguntando o que devia
pensar Elstead daquele baloiço.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Estão prontos? — exclamou o capitão.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Sim, capitão.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Larguem tudo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
cabo da adriça retesou-se contra a vaga e foi cortado. Formou-se um rodamoinho
sobre a esfera e a água convulsionou-se de um modo grotescamente imponente.
Alguém agitou um lenço; outro tentou uma exclamação vã! Um quartel-mestre
contou lentamente... oito, nove, dez. Formou-se novo rodamoinho, depois, com um
ruidoso marulho e, lançando jatos de água a grande altura, a esfera tomou a
posição vertical.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ela
pareceu ficar estacionária um instante, depois tornar-se rapidamente menor; por
fim, a água cobriu-a, e ela ficou visível sob a superfície, indistinta e
aumentada pela refração. Antes de se ter podido contar até três, tinha ela já
desaparecido. Viu-se nas profundezas da água uma trepidação de luz branca que
foi diminuindo até não formar mais que um ponto, desvanecendo-se por fim. Depois, nada mais se viu senão o abismo de
águas tenebrosas, onde nadava um tubarão.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Rapidamente,
a hélice do vapor se pôs em movimento; a água espadanou em borbotões; o tubarão
desapareceu na confusão das ondas, e uma torrente de espuma sobre a cristalina
limpidez que havia sorvido Elstead.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Que se vai agora fazer? — disse um marinheiro a outro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Vamos afastar-nos um par de milhas para não nos encontrarmos no seu caminho,
quando ele subir — respondeu o camarada.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
navio tomou lentamente uma nova posição. A bordo todos os que não estavam de
serviço ficaram observando o lugar agitado onde a esfera se tinha afundado.
Durante a meia hora que se seguiu, é de crer que nenhuma palavra foi
pronunciada que não se referisse a Elstead. O Sol de dezembro estava agora no
céu e era grande o calor.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Creio que ele não deve sentir muito calor lá embaixo — disse Weybridge. — Há
quem afirme que, uma certa profundidade, a água do mar está quase sempre em uma
temperatura glacial.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Em que lugar vai ele aparecer? — perguntou Steevens.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Acolá — disse o comandante, que se orgulhava sua onisciência. E indicou com o
dedo um ponto exato para sudoeste. E acrescentou: — Agora não há de tardar. Já
se passaram 35 minutos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">***<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Quanto tempo é preciso para chegar ao fundo do oceano? — perguntou Steevens.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Para uma profundidade de cinco milhas, levando em conta, como fizemos, uma
aceleração de dois pés por segundo, tanto na ida como na volta, são precisos
três quartos de minuto...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Então, ele está atrasado, — disse Weybridge.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Mas... quase — disse o comandante. — Suponho que são precisos alguns minutos
para que a sua corda se enrole.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Esqueceu-me isso — disse Weybridge evidentemente aliviado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então
principiou a expectação. Lentamente, decorreu um minuto e nenhuma esfera surgiu
das ondas. Seguiu-se outro minuto e nada veio romper a ondulação untuosa do
mar. Os marinheiros explicavam uns aos outros a importância do enrolamento da
corda. O cordame estava cheio de fisionomias atentas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Sobe, Elstead, sobe! — gritou com impaciência um marinheiro de peito cabeludo,
e os outros repetiram e gritaram como se reclamassem a subida do pano de um
teatro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
comandante lançou-lhes um olhar irritado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Naturalmente, se a aceleração é menor que dois — disse ele —, levará mais
tempo. Não estamos absolutamente certos que seja esse um dado exato. Eu não
creio cegamente nos cálculos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Steevens
manifestou laconicamente o seu assentimento. Durante um par de minutos ninguém
falou. Então, o do relógio de Steevens fez um ruído.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Quando,
vinte minutos mais tarde, o Sol chegou ao zênite, eles esperavam ainda o
aparecimento da esfera, e nem um homem a bordo ousava murmurar que estava
perdida toda a esperança. Foi Weybridge quem primeiro exprimiu essa certeza.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eu nunca tive confiança naqueles postigos, — disse ele, de repente, a Steevens.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Meus Deus! — exclamou Steevens. — Então
não acredita que...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Palavra que não... disse Weybridge.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Não tenho grande confiança nos cálculos desse gênero — declarou o comandante em
tom de dúvida, de modo que ainda não perdi de todo a esperança.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">À
meia-noite, o cruzador evoluía lentamente, ao redor do lugar onde a esfera
tinha emergido. O clarão branco do foco elétrico perpassava e detinha-se
continuadamente sobre a extensão das águas fosforescentes, enquanto cintilavam
minúsculas estrelas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Se a janela não cedeu e ele não está esmagado — disse Weybridge —, a sua
malfadada situação é ainda pior, porque,
nesse caso, seria por alta de funcionamento da mola do relógio, e ele estaria
agora vivo, a cinco milhas abaixo de nós, acolá, no frio e nas trevas, ancorado
na sua pequena bola de aço, lá, onde nunca entrou um raio de luz, e onde nunca
ser humano algum viveu, desde que as águas se reuniram. Ele lá sem alimento,
sofrendo a tortura da fome e da sede, aterrorizado e imaginando se morrerá de
fome ou sufocado. Qual destas duas mortes será a sua? O aparelho Myers deve
esgotar-se, parece-me. Quanto tempo resistirá ele?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Com mil bombas! — exclamou ele. — Que mesquinhas coisas somos! Que ousados
diabretes! No abismo! A ilhas e milhas de líquido... só água e mais nada, por
baixo de nós em volta de nós, e o céu! Voragens!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Dizendo
isto, ergueu os braços, e no mesmo momento uma pequena listra branca apareceu
sem ruído no céu, afrouxou pouco e pouco a marcha, deteve-se, tornou-se um
pequeno ponto imóvel, como se uma nova estrela tivesse tomado lugar no céu.
Pouco depois aquilo principiou a rolar e em breve se perdeu entre o reflexo das
estrelas e a pálida e nebulosa fosforescência do mar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
esta vista, ele ficou estupefato, com os braços estendidos e a boca aberta.
Depois, fechou a boca, abriu-a novamente, e agitou os braços em gestos
desordenados. Por fim, voltou-se e gritou: “Elstead, olá!” ao primeiro vigia, e
correu até Lindley, depois até ao foco elétrico.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eu já o vi — clamou — a estibordo, acolá! Tem as lâmpadas acesas. E acaba nesse
momento de sair. Procure desse lado com o refletor. Vamos vê-lo perfeitamente a
flutuar quando tornar a aparecer à superfície.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mas
não o encontraram antes da aurora. Mesmo então, escaparam de passar por cima
dele. Prepararam o guindaste e, com uma chalupa, agarraram as correntes da
esfera. Depois de voltarem para bordo, desaparafusaram a abertura dela e
exploraram a vista a escuridão interior, pois a câmara do foco elétrico estava
disposta de modo a iluminar a água somente ao redor da esfera e estava interceptada
pela cavidade geral.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
atmosfera interior estava muito aquecida e a guta-percha que guarnecia a
extremidade da abertura estava mole. As perguntas impacientes ficavam sem
resposta e nenhum rumor se fazia ouvir. Elstead estava desmaiado, dobrado para
diante no fundo do camarim. Aí se introduziu o médico de bordo e tomando-o nos
braços o passou para os que se achado lado de fora. Durante certo tempo, não
lhes foi possível saber se Elstead estava vivo ou morto. Seu rosto reluzia de
suor à luz amarela das lâmpadas. Transportaram-no ao seu camarote de bordo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Não
estava morto, conforme dentro pouco eles puderam notar, mas sim em um estado de
absoluto abatimento nervoso e, além disso, cruelmente contundido. Foi preciso
deixarem-no ficar deitado e perfeitamente tranquilo durante alguns dias.
Passou-se semana antes que ele pudesse contar as suas impressões.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Logo
às primeiras palavras, declarou que ia repetir a experiência. A esfera
precisava de ser aperfeiçoada, disse, a fim-de lhe permitir desembaraçar-se da
corda, se preciso fosse, e mais nada. Esta fora a aventura mais maravilhosa
possível.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Pensavam todos — disse ele — que eu não ia encontrar senão lodo. Zombavam das minhas explorações, pois bem, eu
descobri um novo mundo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">E
contou a sua história por fragmentos, sem continuação, e quase sempre
principiando pelo fim, de modo que é impossível repeti-la textualmente. O que
se segue é, porém, uma exata narração do que com ele se passou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
início da sua viagem foi um tormento. Antes da corda se desenrolar de todo, a
esfera não cessou de baloiçar. Ele teve a sensação de ser uma rã encerrada em
um balão sobre o qual batessem desenfreadamente com os pés. Não lhe era
possível distinguir senão o guindaste de bordo e o céu por cima da sua cabeça,
se bem que, de relance, lobrigasse por acaso as pessoas que se achavam na
tolda, sendo-lhe de todo impossível prever para que lado a esfera ia voltar-se.
Erguia um pé para andar e era arremessado em todos os sentidos contra as
almofadas. Qualquer outra forma teria sido mais confortável, mas nenhuma outra
teria podido suportar a enorme pressão do abismo. Subitamente, cessou o
baloiço; a esfera manteve-se em equilíbrio, e, quando ele se levantou, viu em
torno de si o azul esverdeado das ondas, à luz do dia, que, atenuada, filtrava
da superfície para o fundo, e uma multidão de coisas pequenas e flutuantes que
passavam vertiginosamente contra os vidros, as quais, segundo lhe parecia,
subiam em busca da luz. Depois, à proporção que ele olhava, a escuridão ia
aumentando, até que, por cima da sua cabeça, tudo se tornou tão escuro como o
céu da noite, se bem que de uma tonalidade mais sobre o verde, e, por baixo
dele só havia trevas absolutas. De vez em vez, umas coisas pequenas e
transparentes desprendendo irradiações luminosas, faziam, ao longo dos
postigos, leves listras esverdeadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">E
a sensação de queda! Lembrava a partida súbita de um ascensor, com diferença de
durar mais tempo. Cumpre refletir um pouco para se imaginar o que devia ser.
Foi só então que Elstead se arrependeu de ter tentado aquela aventura. Viu sob
um aspecto completamente novo as probabilidades que se apresentavam contra ele.
Pensou nos enormes peixes de serra que existem nas profundidades médias, nesses
espécimes terríveis que às vezes se encontram meio digeridos no estômago dos
grandes cetáceos, ou flutuando mortos, em estado de decomposição e meio
devorados.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Imaginou
o que seria um deles se agarrasse à esfera e não mais a largasse. E a mola do
relógio? Tinha-a suficientemente experimentado?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Passados
cinquenta minutos, tudo no exterior ficou negro como a noite, exceto o espaço
que o reflexo do seu foco elétrico alumiava e onde apareciam de vez em vez
peixes e fragmentos de objetos que se afundavam. Tudo aquilo desaparecia tão
rapidamente que ele não podia perceber o que fosse. Uma vez, pareceu-lhe ver um
tubarão. Nesse momento, a esfera principiou a aquecer pelo atrito. Passou-lhe
pela mente a ideia de que talvez aquele dado não tivesse sido suficientemente
calculado. A primeira coisa que pode notar foi que estava transpirando;
percebeu depois uma espécie de assobio que partia de sob os seus pés e ia
aumentando de intensidade, e viu em seguida uma grande quantidade de pequenas
bolas, muito pequeninas bolas, que subiam em leque para a superfície. Aquilo
era evaporação!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ele
apalpou o postigo: o vidro estava escaldante. Imediatamente, ele acendeu a
lâmpada elétrica que alumiava a sua cabine, consultou o relógio embutido na
parede acolchoada, e viu que a sua viagem durava já dois minutos. Ocorreu-lhe
ao espírito que o postigo poderia talvez estalar no conflito das temperaturas,
porquanto não ignorava que a água é glacial nas grandes profundidades. Depois,
repentinamente, pareceu-lhe sentir uma pressão da parede da esfera contra as
palmas dos pés; de fora, o aparecimento de bolhazinhas diminuiu, bem como o
assobio. A esfera baloiçou-se levemente. O postigo não havia estalado, nada
tinha cedido, e estava certo de que, em todo caso, o perigo de um naufrágio
estava passado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mais
um minuto e ele repousaria no fundo do abismo. Pensou, então, disse, em
Steevens, em Weybridge, e nos outros que estavam a cinco milhas acima da sua
cabeça, mais altos em relação a ele do que nunca estiveram acima de nós as
nuvens mais elevadas que flutuam no céu; sim, pensou que naquele momento, todos
eles navegavam lentamente, buscavam sondar a profundeza das águas desejosos de
saberem o que lhe podia haver acontecido. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Principiou
a olhar pelo postigo. Não se viam mais bolhas, agora, e o assobio havia
cessado. Fora só havia profundas trevas, de um negror espesso como veludo,
salvo nos pontos em que o jato de luz elétrica penetrava na água e lhe mostrava
a cor: era uma cor parda amarelada. Então, três coisas, como formas de fogo,
nadaram à vista, seguindo-se. Ele não podia distinguir se eram pequenas, ou
enormes e afastadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Cada
uma delas se desenhava com relevos azulados, quase tão brilhantes como as luzes
de uma barca de pesca, luzes que parecia produzirem muita fumaça, e tinham de
cada lado manchas da mesma luz, como a das portinholas dos navios. A sua
fosforescência pareceu extinguir-se quando eles passaram no espaço iluminado
pela luz da lâmpada, e ele viu, então, que eram pequenos peixes de uma espécie
desconhecida, com olhos enormes, cujos corpos e caudas terminavam bruscamente.
Tinham os olhos voltados para ele. Supondo-os atraídos pela luz, Elstead pensou
que o seguiam na sua descida.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Dentro
em pouco se lhes reuniram outros do mesmo gênero. À proporção que ia descendo,
ele reparava que a água ia tomando um colorido mais desmaiado e que, como
átomos em uma réstia de sol, pequeninas manchas de luz brilhavam na irradiação
do foco elétrico. Isto era provavelmente causado pela nuvem de lodo e lama que
se levantara do fundo em consequência da queda dos pesos de chumbo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Durante
todo o tempo que ele foi arrastado para o fundo por esses pesos, teve sempre em
torno de si um nevoeiro branco tão denso, que o projetor elétrico não conseguia
atravessar completamente, senão apenas a uma distância de dois pés. E
passaram-se alguns minutos antes que as camadas de sedimento em suspensão
tornassem a cair ao fundo. Só então, à luz das lâmpadas elétricas, e da
passageira fosforescência de um branco distante de peixes, logrou ele ver, sob
a imensa escuridão das águas superiores, uma superfície ondulante de lodo de um
branco pardacento, interrompida aqui e ali por maciços emaranhados de lírios
marítimos agitando os seus tentáculos esfaimados.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mais
ao longe, viam-se os graciosos e transparentes contornos de um grupo de
esponjas gigantescas. Sobre esse solo estavam dispersos em grande número tufos
eriçados e lisos de uma bela cor purpurina e preta que ele supôs serem de
alguma espécie de ouriço marítimo, bem como umas pequeninas coisas com olhos
muito grandes ou cegas, apresentando uma curiosa semelhança, umas com os bichos
de conta, outras com as lagostas, rastejavam lentamente na esteira de luz e
tornavam a desaparecer na escuridão, deixando atrás de si sulcos no lodo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Súbito,
a multidão irrequieta de pequenos peixes mudou de direção e avançou para ele,
como um bando de estorninhos. Passaram por cima dele como uma neve
fosforescente, e ele viu então, atrás deles, um ente de dimensões maiores, que
se dirigia para a esfera.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Primeiramente,
não pode distinguir, senão apenas vagamente, aquele vulto de movimentos
indecisos, sugerindo a ideia de um homem andando; depois, ele entrou na
irradiação que a lâmpada projetava. No momento em que a claridade lhe tocou,
ele fechou os olhos, ofuscado. Elstead contemplou-o com grande espanto.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Era
um animal estranho, uma cabeça, de um vermelho escuro, lembrava vagamente a de
um cameleão, mas a fronte era tão levantada e a caixa craniana tão
desenvolvida, que nenhum réptil jamais apresentou semelhantes particularidades.
O equilíbrio vertical da sua face dava-lhe mais extraordinária semelhança com
um ente humano. Dois olhos grandes e salientes se lhe projetavam das órbitas, à
maneira dos de um cameleão, e de sob as pequenas narinas abria-se uma enorme
boca de lábios córneos como as dos répteis. No lugar das orelhas havia dois
enormes orifícios auditivos, para fora dos quais flutuavam numerosos filamentos
de um vermelho de coral, lembrando os ouvidos das arraias muito novas e dos
tubarões.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
que, porém, a sua face apresentava de humano não era a particularidade mais
extraordinária que apresentava aquela criatura. Ela era bípede; tinha o corpo
quase esférico, equilibrando-se em uma espécie de tripeça composta de duas
pernas, como as das rãs, e uma longa cauda espessa; os membros superiores, que
imitavam grotescamente os braços humanos, muito à maneira das rãs, eram munidas
de um longo dardo ósseo guarnecido de cobre. A cor daquela criatura era
variegada: a cabeça, as mãos e as pernas eram de cor de púrpura, mas a pele,
que pendia flutuante, em volta do corpo, como se foram vestes, eram de um pardo
fosforescente. Ficou parada ali, ofuscada pela claridade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Por
fim, aquele desconhecido habitante do abismo entreabriu a custo as pálpebras,
abriu depois de todo os olhos; em seguida, levantando a mão acima deles, abriu
também a boca e articulou, de modo perfeitamente humano, um grito que penetrou
até mesmo o invólucro de aço e o acolchoado interior da esfera. Como um grito
pode ser dado sem pulmão, Elstead não se preocupou em explicá-lo. A criatura
saiu então da claridade, tornou a entrar no mistério tenebroso que o envolvia
de um e outro lado, e, conquanto não a visse, Elstead sentiu que ela se dirigia
para ele. Certo de que a luz é que a estava atraindo, interrompeu a corrente
elétrica. Um momento após, ressoaram contra o aço pancadas surdas, e a esfera
principiou a baloiçar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então
se repetiu o grito, e pareceu-lhe que lhe correspondia um eco longínquo.
Continuaram as pancadas surdas e a esfera tornou a baloiçar e ranger contra o
eixo em que estava enrolada a corda. Ele ficou nas trevas, buscando sondar com
a vista a eterna noite do abismo. Daí a pouco, principiou a ver erguerem-se
contra ele, ainda indistintas e longínquas, outras formas fosforescentes e
quase humanas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Sem saber bem </span><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">o que fazia,
apalpou as paredes da sua prisão instável para procurar o botão do projetor
elétrico exterior, mas, por inadvertência, carregou no da pequena lâmpada que
alumiava a sua cabine acolchoada. A esfera relou e ele caiu. Nesse instante,
ouviu como que uns gritos de surpresa, e, quando se levantou, viu dois olhos
atentos que o observavam pelo postigo inferior e refletiam a claridade
interior.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">No
mesmo momento, viu umas mãos que se agitavam vigorosamente contra o invólucro
de aço e ouviu — impressão aliás suficientemente horrível na situação em que se
achava — pancadas reiteradas sobre o invólucro de metal que protegia a mola do
relógio. Ao ouvir isto, sentiu oprimir-lhe o peito uma angústia horrível;
porque, se aqueles entes estranhos lograssem fazer parar o relógio, a sua
salvação era impossível. Apenas pensou isso, a esfera principiou a baloiçar e
pareceu-lhe que a parede se comprimia pesadamente contra os seus pés.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então,
apagou a pequena lâmpada interior e restabeleceu a corrente do refletor
exterior. O fundo lodoso e as criaturas quase humanas tinham desaparecido, e
passavam apressadamente por diante do postigo dois peixes, um em seguimento do
outro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Logo
lhe ocorreu à mente que aqueles estranhos habitantes do mar tivessem cortado a
corda e que a esfera estava agora sem governo. Ela subia cada vez mais rápida,
depois parou bruscamente, fazendo-o ir de encontro à parede acolchoada que
revestia a sua prisão. Durante cerca de meio minuto, impediu-o de refletir.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então
sentiu que a esfera girava lentamente em torno de si mesma, produzindo uma
espécie de balanço, e pareceu-lhe também que avançava dentro d'água em direção
horizontal. Abaixando-se contra o postigo, ele conseguiu com o seu peso
restabelecer o equilíbrio e tornar a voltar para o fundo aquela parte da
esfera; todavia, nada mais conseguiu ver senão o pálido brilho do seu refletor
espancando inutilmente as trevas. Pensou, portanto, que lhe seria mais fácil
ver sem a luz da lâmpada.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Teve
razão neste ponto; pois, no fim de alguns minutos, as trevas aveludadas se
transformaram em uma espécie de escuridão translúcida, e então, longínquos e
tão pouco perceptíveis como a luz zodiacal de uma noite de verão, viu
moverem-se por baixo dele. Supôs que aquelas criaturas tivessem desamarrado o
cabo e o levavam agora a reboque ao longo do fundo do mar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então,
para lá das ondulações da planície submarina, vaga e distante, ele viu um
imenso horizonte de uma luminosidade muito desmaiada que se estendia de um e
outro lado para tão longe quanto a sua janela lhe permitia avistar. Em direção
a esse horizonte era impelido a reboque, tal um balão que conduzem da planície
para a cidade. Aproximava-se dele vagarosamente, e muito lentamente, a vaga
irradiação se ia definindo em lineamentos mais exatos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Eram
quase cinco horas quando finalmente alcançou aquela área luminosa; e, por esse
mesmo tempo, ele pode distinguir uma espécie de disposição que sugeria a ideia
de ruas e casas agrupadas em torno de um vasto edifício sem teto, que lembrava
grotescamente uma abadia em ruínas. Tudo aquilo se estendia por baixo dele como
um mapa. Tosas as casas eram recintos murados sem tetos, e sendo a sua
substância, como viu mais tarde, formada de osso fosforescente, essa
particularidade proporcionava ao lugar uma aparência de luar vindo do fundo
para cima.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Entre
as cavidades inferiores, vegetais crinoides estendiam os seus tentáculos, e
grandes, esbeltas e frágeis esponjas surgiam como reluzentes minaretes, como
lírios de luz membranosa, emergindo na claridade geral da grande cidade. Nos
espaços abertos, ele podia avistar uma agitação como de bandos de pessoas, mas,
como se achava muito acima, não podia distinguir separadamente as pessoas de
que se compunham aqueles bandos. Então, lentamente, sentiu-se puxado para o
fundo, e, à proporção que se adiantava, os detalhes dos lugares iam aparecendo
mais claramente à sua vista. Reparou que as filas de construções nebulosas eram
contornadas por linhas pontuadas de objetos redondos, e, também, que, em vários
lugares, por baixo dele, em vastos espaços abertos, havia uns vultos
semelhantes a carcaças de navio petrificadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Lenta
e ininterruptamente ele descia, e os vultos por baixo dele se iam tornando mais
brilhantes, mais claros e mais distintos. Levavam-no em direção do vasto
edifício que ocupava o centro da cidade, e, de quando em quando, podia perceber
a multidão de formas móveis que puxava pela corda. Ficou admirado de ver que um
dos navios, que formava um dos traços principais do local, estava coberto de
gente que gesticulava, olhando para ele, e depois, que as paredes do edifício
subiam silenciosamente em volta dele e lhe ocultavam a vista da cidade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">As
paredes eram de madeira endurecida pela água, de cabos de ferro entretecidos,
de fragmentos de cobre e de ferro, de ossos e de crânios de náufragos. Os
crânios bordavam as paredes do edifício em ziguezagues, em espirais e em curvas
fantásticas. Nas suas órbitas vazias, e sobre toda a superfície das paredes
brincavam e ocultavam-se uma multidão de pequenos peixes prateados.
Inopinadamente entrou pelos ouvidos de Elstead um zumbido surdo, um rumor
violento como o do som das trombetas, ao qual se seguiram, em breve, clamores
fantásticos. A esfera continuava afundar; passando em frente de imensas janelas
pontiagudas, através das quais ele avistava, ainda que vagamente, um grande
número daquelas criaturas estranhas e fantasmagóricas que o observava. Por fim a
esfera foi assentar, segundo lhe pareceu, sobre uma espécie de altar no centro
do recinto.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Desde
então, ele se achou em um nível que lhe permitia ver distintamente aqueles
estranhos habitantes do abismo. Com grande surpresa sua, ele percebeu que se
prostravam todos diante dele, exceto um, trajando, conforme lhe pareceu, uma
veste de escamas superpostas e coroado de um diadema luminoso, e que se
conservava de pé, abrindo e fechando alternadamente a sua boca de réptil, como
se estivesse dirigindo os cânticos dos adoradores.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Um
curioso impulso fez com que Elstead acendesse a lâmpada interior, de modo que
ele se tornou visível aos habitantes do abismo, e aquela claridade os fez
desaparecerem imediatamente na escuridão. A esta inesperada transformação, os
cânticos foram substituídos por um tumulto de aclamações delirantes, e Elstead,
preferindo observá-los, interrompeu a corrente e desapareceu diante deles. Mas
durante um momento, ficou como cego e não pôde perceber o que eles faziam, e
quando, enfim, os pode distinguir, estavam de novo ajoelhados. E assim
continuaram, ficando a adorá-lo sem descanso nem tréguas durante três horas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Elstead
fez uma narrativa das mais circunstanciadas, relativamente àquela cidade
admirável e àquelas criaturas que nunca viram, nem Sol, nem Lua, nem estrelas,
nem vegetação verde, nem nenhum vivente do ar, que nada sabem do fogo, e não
conhecem outra luz que não a claridade fosforescente de organismos vivos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Por
muito interessante que seja a sua história, mais interessante ainda é saber que
homens de ciência, tão eminentes quanto Adams e Jenkins, nada de inacreditável
encontram nela. Disseram-me eles que não viam razão alguma para que criaturas
vertebradas, inteligentes e respirando a água, acostumadas a uma temperatura
muito baixa, a uma pressão enorme e de tão pesada estrutura que, vivas ou
mortas, não podem flutuar, que tais seres não possam viver no seio do mar
profundo, desconhecidos de nós e, como nós, descendentes do grande Teriomorfo,
da Idade da Terra Vermelha.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Todavia,
eles devem conhecer-nos como criaturas estranhas e meteóricas, acostumadas a
rolar, mortas por acidentes, através das misteriosas trevas do seu céu líquido,
e não só nós, pessoalmente, senão também os nossos navios, os nossos metais,
nossos aparelhos que chovem incessantemente na noite deles. De vez em quando,
alguns objetos devem atingi-los, ao caírem, esmagá-los, como pelo julgamento de
alguma potência superior, e outras, devem chegar até eles objetos de uma
raridade e de uma utilidade inapreciáveis, ou de formas sugestivas e
inspiradoras. Até certo ponto, é lícito admitir que a conduta deles à chegada
de um homem vivo fosse a mesma que seria a de um povo bárbaro para com uma
criatura luminosa e aureolada que aparecesse de repente no nosso céu, descendo
para junto de nós.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">É
provável que Elstead houvesse uma outra vez completado aos oficiais do
Ptarmigan todos os detalhes da sua estranha permanência de doze horas no
abismo. É certo também que teve tenção de escrever a narração dela, mas nunca
chegou a fazê-lo. E, pois, somos forçados, infelizmente, a coligir os
fragmentos dispersos da sua história de acordo com as reminiscências do
comandante Simmons, de Weybridge, de Steevens, de Lindley e dos outros. Podemos
fazer uma ideia vaga, por meio de imagens fragmentárias, do imenso e lúgubre
edifício, das pessoas cantando ajoelhadas com as suas cabeças de cameleão, e
suas roupas levemente luminosas; parece-nos também ver Elstead, tentando
fazer-lhes compreender que era preciso desamarrar a corda que prendia a esfera.
Os minutos passavam um a um, e Elstead, consultando o relógio, conheceu com
terror que só tinha oxigênio para quatro horas. Mas continuavam os cânticos em
sua honra, cânticos esses que lhe pareceram tão impiedosos como se fossem o
hino fúnebre da sua morte próxima.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ele
nunca pode compreender o modo por que se salvou, mas, a julgar pela extremidade
da corda que ficara amarrada à esfera, ela devia ter sido cortada em virtude do
atrito constante contra a borda do altar. De repente, a esfera soltou-se e ele
partiu, como de um salto para longe daquele mundo, como uma criatura etérea
envolvida no vácuo atravessaria a nossa atmosfera para voltar ao seu éter
natal. Ele devia ter desaparecido aos olhos daqueles entes como sobe ao ar uma
bolha de hidrogênio. E aquela sua ascensão lhes devia ter parecido assaz
singular.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
esfera subia com velocidade ainda maior do que à descida, porquanto, então, se
achava mais pesada, em consequência dos pesos de chumbo, e tornou-se
excessivamente quente. Subia com os postigos voltados para cima, e Elstead
lembrava-se da torrente de bolhas que se batiam contra o vidro, esperando ele,
a cada instante, vê-lo fazer-se em pedaços. Repentinamente, qualquer coisa
semelhante a uma roda imensa principiou a girar-lhe dentro da cabeça, o
compartimento acolchoado pôs-se a rodar em torno dele e Elstead perdeu os
sentidos. Depois disso, de nada mais se recorda até o momento em que voltou a
si no camarote de bordo e ouviu a voz do médico.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Tal
é a substância da extraordinária história que Elstead contou por fragmentos aos
oficiais do Ptarmigan. Tencionara ele escrevê-la mais tarde, mas tinha o
espírito preocupado, sobretudo com as reformas a fazer no seu aparelho,
reformas essas que foram efetuadas no Rio.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Resta-nos
simplesmente dizer que, a 2 de fevereiro de 1896, ele realizou a segunda
descida ao abismo do oceano, com os aperfeiçoamentos que lhe tinha sugerido a
sua primeira experiência. Talvez nunca se saiba o que aconteceu. Ele não
regressou. Ptarmigan bordejou em volta do ponto em que ele submergiu,
buscando-a debalde durante treze dias. Depois voltou ao Rio e a notícia foi
transmitida a todos os seus amigos. E o caso termina aqui, por enquanto. É,
porém, muito pouco provável que se faça nova tentativa para verificar essa
esquisita história de cidades, até aqui desconhecidas, existindo no abismo dos
mares.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Fonte: “Fon Fon”/RJ,
edição de 18 de março de 1950.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Pesquisa, transcrição e
adequação ortográfica: Iba Mendes (</span><a href="http://www.poeteiro.com/"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">www.poeteiro.com</span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">).
<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Revisão: Paulo Soriano.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Ilustração: Warwick Goble (1862 – 1943).<o:p></o:p></span></p><p>
</p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><br /></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-86657350311132291902024-02-29T00:02:00.001-03:002024-02-29T00:02:18.233-03:00ROBERT TREZE - Conto Clássico de Horror - Aurélien Scholl<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCMN-nwthR2vtGB2YiTYkl9YS3RmtiZ-gV37Mi1fDZlBJ2_9fKsggyIuYsLKi0Kux_H4WCi5bPFBf6eTHZmiaa4grU0ekwO1rdOoMq443J8IptQ3ihpJQnEG5apUbHd7V3nZlwvZmId6Lwq53yGtRRTslrtos0Op-5EtTcE0JqEMmKamlb7MhI4NhDTDM/s626/REL%C3%93GIO%20MACABRO.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="626" data-original-width="626" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCMN-nwthR2vtGB2YiTYkl9YS3RmtiZ-gV37Mi1fDZlBJ2_9fKsggyIuYsLKi0Kux_H4WCi5bPFBf6eTHZmiaa4grU0ekwO1rdOoMq443J8IptQ3ihpJQnEG5apUbHd7V3nZlwvZmId6Lwq53yGtRRTslrtos0Op-5EtTcE0JqEMmKamlb7MhI4NhDTDM/w640-h640/REL%C3%93GIO%20MACABRO.png" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">ROBERT TREZE<o:p></o:p></span></b></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Aurélien Scholl<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(1833 – 1902)<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Tradução de autor desconhecido do séc.
XIX<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;"><i><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Il
y a des gens qui n'ont pas de chance<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/ROBERT%20THIRTEEN%20-%20Aur%C3%A9lien%20Scholl.docx#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><b><span style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">[1]</span></b></span><!--[endif]--></span></a></span></i><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">.<o:p></o:p></span></p><p align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Gazette des
Tribunaux. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Em
fins de setembro de 1850, algumas pessoas que tomavam banhos em Royan
descobriram, da praia de Fancillon, um vapor que se encaminhava para a foz do
Gironda. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Na
altura da torre de Cardouan, uma vaga ergueu a elegante quilha e o vapor,
tornando a mergulhar com graça, entrou, depois dessa reverência, com toda a sua
velocidade, nas águas do grande rio.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
torre de Cardouan é como a gorra de Gessler, não se lhe passa por junto sem a
saudar... <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
vapor trazia bandeira americana<b> </b>e passou tão perto da praia que os
passeantes puderam ler-lhe na popa o nome e o país:<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><i><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">The
Fatality<o:p></o:p></span></i></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Nova
York <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Na
coberta do navio, passeavam personagens: o capitão, o comissário e muitos
passageiros que, cheios de curiosidade, com óculos examinavam a terra.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
<i>Fatalidade</i>, de oitocentas toneladas, era consignada à casa Wellingham e
Cia. no cais Chartrons nº 134 e conduzia treze passageiros de Nova York a
Bordéus. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Havia
sofrido horríveis temporais. Três homens da equipagem tinham morrido; mas,
depois de longa e penosa viagem, pudera, por fim, chegar ao seu destino. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Entre
os passageiros notava-se um jovem inscrito com o nome de Jones Robert <i>Thirteen</i><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/ROBERT%20THIRTEEN%20-%20Aur%C3%A9lien%20Scholl.docx#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></a>.
<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">De
estatura mediana, magro, nervoso, pálido, mas de palidez sinistra, Robert, bem
que contasse apenas vinte e cinco anos, parecia ter trinta. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Tinha
a testa larga e cheia de rugas prematuras, olhar terno e triste; e, bem ao contrário
dos santos que ornam as <i>Horas Romanas</i> de Limoges, e cujas cabeças irradiam
belas chamas de cor de ouro, poderia descobrir-se, ao redor da anuveada cabeça
desse jovem, como que uma sombria auréola de melancolia. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
Thirteen possuía uma grande fortuna, mas, perseguido na América por uma série
do dolorosos acontecimentos, esperava iludir a sorte vindo fixar-se na França.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ao
entrar no ancoradouro, o vapor, virando de bordo com muita rapidez, apesar dos esforços
do piloto, meteu a pique uma embarcação que conduzia muita gente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
maior parte salvou-se; mas a corrente, mui rápida nesse lugar, arrastou consigo
duas mulheres e um menino, cujos cadáveres foram encontrados alguns dias
depois. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Saltando
em terra, Robert foi para o hotel das Duas Américas, onde, poucos meses depois declarou-se
o primeiro caso do terrível cólera, que dizimou a cidade. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
apenas aceitara dos negociantes do Nova York, com quem havia sempre vivido nas
melhores relações de intimidade, uma só carta de recomendação. Conhecia
perfeitamente a língua francesa e preferia a solidão a uma sociedade de indiferentes
e falsos amigos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Essa
carta era dirigida a Mr. Wellingham, o consignatário do vapor <i>The Fatality</i>.
<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Depois
de ter percorrido a cidade em todos os sentidos ou, antes, nos seus dois ou três
sentidos, Robert encaminhou-se para a casa Wellingham e Cia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Empregara
todo o cuidado passível no seu traje e, pela primeira vez animado da esperança
de uma existência mais feliz, tinha quase o sorriso nos lábios. Introduziram-no
no gabinete de Mr. Wellingham, que o recebeu com toda a polidez, e o convidou para
jantar nesse mesmo dia consigo, atentas as expressões empregadas pelo
correspondente de Nova York.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">II<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mr.
Wellingham era um homem de cinquenta anos, alto, e magro em extremo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Alguns
cabelos brancos rodeavam-lhe apenas a cabeça calva e lisa.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Bem
que o estado de seus negócios fosse o melhor possível, havia em toda a sua
pessoa um não sei quê de calamitoso e lúgubre. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Nunca
encontraste esses homens de pedra, de tez plúmbea, andar lento e gelado, a quem
bem se pode chamar homens d'além túmulo?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Esses
homens, ficai certos, têm sofrido muito. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
selo que lhes fecha o coração encerra algum mistério doloroso que rói como um câncer.
Seus olhos fixos, e sem expressão olhando, nada vêm. São trapistas sem hábito.
Uns têm em si alguma coisa de repulsivo. O primeiro sentimento que se
experimenta ao vê-los é o temor. A outros — pelo contrário — alteram pela
profundeza da dor que disfarçam. Percebe-se que vivem esmagados sob o peso de
algum terrível acontecimento...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Depois
que Robert passou alguns instantes com Mr. Wellingham, viva simpatia e profundo
interesse penetraram em seu coração; e quando ele apresentou-lhe a mão, Robert
teve os maiores desejos de abraçá-lo. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Vem, senhor — disse Mr. Wellinghan —, quero apresentar-te à minha filha. Jouliette
é uma encantadora menina, que, estou certo, haverás de amar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Oh, não! Temo causar-lhe algum mal... <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Como assim?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Nada tenho que esmerar da sorte, senhor; quase que só se pode dizer que ela se
regozija em me atormentar...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> — Pois és também do número desses homens que
dizem que a fortuna não dá felicidade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
A minha fortuna mesmo parece ter-me sido dada para me causar mais embaraços e
desgostos. Nota isto. Até o paquete que partia no dia em que desejei embarcar-me
para França chamava-se <i>A</i> <i>Fatalidade</i>, e a viagem foi das mais
terríveis.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
São observações de um espirito preocupado — disse Mr. Wellingham. — Estou
convencido que um nada, uma dessas circunstâncias que o acaso traz no momento
menos esperado, será bastante para te dar a felicidade que julgas para sempre
perdida. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Desejo-o muito, mas tenho perdido as esperanças.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Pois bem, meu caro senhor, pelo que diz respeito à minha filha, acontece
inteiramente o contrário. Conquanto, ao nascer, tenha tido a desgraça de perder
sua mãe, ela goza de uma felicidade prodigiosa. Nunca derramou lima lágrima.
Inalterável alegria forma o fundo do seu caráter. Nunca conheceu os sofrimentos
da infância ou da juventude. Canta desde manhã até anoitecer. Se desejar hoje
bom tempo, pode contar-se que há de aparecer amanhã o Sol. Se o calor a incomoda,
não tardará que chova. Todas as vezes que tem comprado bilhetes de loteria, tem
ganho; em uma palavra, tudo lhe sai às mil maravilhas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Entraram
na sala de visitas, onde Jouliette não tardou a se apresentar. Logo que Robert
a viu, entendeu para si que havia de amá-la com todas as forças de sua alma. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Jouliette
era alva e cheia como o desabrochar de um riso; e o louro de seus cabelos eram
da cor desse louro que apresentaria a Lua, se em alguma noite cobrisse com um véu
de gaze a sua face brilhante.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
esses cabelos finos e sedosos brincavam ao redor de seu risonho semblante como um
nevoeiro dourado. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">As
sobrancelhas puras, bastas e bem arqueadas, os olhos de um azul pronunciado e
radiante, o nariz alvo e de um contorno admirável, os lábios bem rubros, o colo
e as espáduas que convidavam os beijos como as flores convidam as borboletas;
toda essa natureza admirável desafiava pela perfeição e pela cor o pincel e a
palheta. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Sentaram-se
à mesa.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Apenas
Robert sentou-se, o espelho da sala rachou-se de alto a baixo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Que felicidade! — exclamou Jouliette. — Eu não sabia de que modo pediria a
substituição deste espelho ruim! Vou acabá-lo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
por mais que lhe batesse com o cabo de uma faca, nunca pôde sequer arranhar-lhe
o vidro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Depois
do jantar, Mr. Wellingham propôs ao seu hóspede uma partida de <i>scherby</i>.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
aceitou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mr.
Wellingham baralhou e deu as certas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Tenho dezessete pontos — disse ele.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
E eu treze — disse Robert, sem ver o jogo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Como podes saber?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Com efeito, treze; eu os marco.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mr.
Wellingaham ganhou duas vezes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">III<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Estando
para acabar a partida, um criado anunciou o Sr. conde Baltasar de Gustamente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
sentiu um calafrio vendo entrar esse figurão trigueiro, alto, benfeito, que fez
três cortesias com a mais perfeita etiqueta.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
conde Baltasar era um brasileiro rico que ia muitas vezes à casa de
Wellingham. Ele estava completamente
apaixonado por Jouliette e não o ocultava.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Esta
parecia receber com maior frieza a corte do conde, cuja paciência era
inabalável.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Então, <i>mademoiselle</i> — disse ele a Jouliette —, que boas-novas<span style="color: #0070c0;"> </span>tens a dar-nos?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Em primeiro lugar —respondeu ela com malícia —, a chegada do Sr. Robert
Thirteen.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
conde franziu os sobrolhos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
E que mais? — perguntou ainda.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Depois.... fica morando em nossa casa o Sr. Robert Thirteen, que terás o prazer
de encontrar aqui muitas vezes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O Sr. conde talvez não goste disso — interrompeu Robert.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O conde é amigo de todos que recebo, disse Wellingham. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Sou amigo de todos, é verdade; mas não tenho também o direito de o não ser? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Deve-se viver bem com todos — disse Jouliette, dando certa inflexão às suas
palavras. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Ah! Desejo muito viver bem com todos! Mas se, porventura, ficar mal com alguém,
será minha a culpa ou desse alguém? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Conde, isso é uma sutileza. A culpa será sempre tua. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Pois bem, aceito a sentença para te ser agradável. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
e Gustamante encontraram-se muitas vezes, com efeito, em casa do negociante e
os dois rivais faziam um ao outro uma guerra surda, guerra de palavras e de
olhares, em que Robert, sustentado por Jouliette, quase sempre vencia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Enquanto
Wellingham se ocupava com seus negócios, Robert ia algumas vezes passar o dia
com Jouliette. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
sorte parecia ter abrandado. O americano não experimentava mais essas pequenas
desgraças, cuja continuidade o desesperava, e estava convencido que devia à
feliz influência de Jouliette essas tréguas das hostilidades da fortuna. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Gustamante,
perdendo as esperanças de obter o consentimento de Jouliette, e desejando
acabar com a falsa posição em que se achava, pediu a Mr. Wellingham uma
entrevista particular, em que expôs a imensidade de sua fortuna, fez retumbar seu
título tão alto quanto pôde e suplicou ao negociante que o ajudasse a abrandar
o coração de sua filha.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Jouliette
respondeu a seu pai que os brasileiros eram todos antropófagos e que, além
disso, chamando-se esse homem Baltasar, nunca ela se atreveria a pôr-se a mesa
com ele.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mr.
Wellingham tratou de desenganar a Gustamente com toda a civilidade que pôde. Este, furioso por essa derrota e ferido em sua
paixão, deixou logo a cidade, com grande satisfação de seu rival.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Podes conceber — dizia Jouliette a Robert — que esse miserável ousou pedir a meu
pai que influísse sobre mim em seu favor? Se em algum tempo alguém me amar,
quero ser a primeira a sabê-lo; é a mim que só devem dirigir, a mim só... <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert,
que tinha até então resistido a todas as esperanças que lhe dava Jouliette, não
pôde por mais tempo conter o que encerrava eu seu coração. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> — Pois bem, é a ti mesma que me dirijo — disse
ele com voz comovida a Jouliette, que ficou por instantes abalada pela audácia
que tinha mostrado. — Não tenho precisão
de dizer-te que te amo, tu o tens compreendido; tu o sabes; as minhas palavras seriam
insuficientes a exprimir o que este amor tem de imenso e insondável. Mas,
primeiro que tudo, devo patentear-te qual foi o meu nascimento e que vida tenho
levado até o presente; e, talvez, que depois de me ouvires, fugirás de mim,
como de um homem amaldiçoado e condenado desde o berço. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Em
uma noite do mês de março de 1824, uma mulher embuçada em uma capa escura, que
lhe ocultava parte do rosto, foi bater à porta da casa William D. Thompson, em
Nova York. Um criado abriu-a e a desconhecida entregou-lhe um cesto oblongo e
bastante pesado, dizendo-lhe que o entregasse imediatamente a Mr. Thompson.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“—Depois,
desapareceu. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Mr.
William D. Thompson achou no cesto um menino e uma carta. ‘Eu sou — dizia a mãe
— a décima terceira filha de uma pobre família de negociantes e o número treze
sempre me tem acarretado desgraças. Nenhuma importância merece, no decurso da
minha vida, as pancadas e maltratos a que sempre estive exposta na casa de meu
pai. Minhas irmãs mais velhas tiranizavam-me e eu podia contar com pagar sempre
qualquer falta que elas cometessem. Diziam, por fim, que seu seria motivo de
desgraça para todas e, por isso, expulsaram-me de casa. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“’Desde
o meu nascimento, o limitado comércio que dava com que viver à minha pobre
família havia-se tornado repentinamente insuficiente. Perdas sucessivas haviam aniquilado
a pequena fortuna de meu pai e a mais horrível miséria reinava entre nós.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“’Não
sei se, depois que me puseram na rua, apareceu mais alguma abundância e
felicidade nessa inóspita habitação; pelo que me diz respeito, precipitei-me de
desastres em desastres... <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Se
a sorte parecia sorrir-me um momento, era para me fazer recair mais
cruelmente... <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“’Este
menino chama-se Robert e nasceu sexta-feira, 13 de fevereiro. Tu, que és bom e
generoso, tem piedade dele. Sua miserável mãe pede aos céus que aceitem sua
vida em holocausto e que o protejam’. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“A
carta estava assinada com as iniciais S. H. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Mr.
William D. Thompson, rico banqueiro que, havia pouco, se retirara dos negócios,
passava por homem benfazejo, e não era casado, nem tinha filhos. Foi essa, sem
dúvida, a razão que induziu minha pobre mãe a confiar-lhe seu filho. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“O
menino foi criado com o nome de Robert Thirteen, isto é, <i>Robert Treze</i>. E
esse menino tornou-se, depois, o homem que ousa amar-te! Minha educação foi
desvelada e Mr. Tompson habituou-se a considerar-me como seu filho. E, quando morreu,
esse bom velho, há perto de três anos, deixou-me toda a sua fortuna, para mais
desafiar contra mim as ameaças do destino. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Com
efeito, essa fortuna tem sido um fardo pesado, que me faz sentir ainda mais
cruelmente toda a extensão da minha desgraça. Essa influência maldita, que me
acompanha por toda a parte por onde ando, reduz-me a vida a um verdadeiro
inferno.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Pergunto
a mim, muitas vezes, se não tenho o direito de viver, e se porventura serei eu
mesmo a causa das desgraças que me rebentam debaixo dos pés a cada passo! <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Muita
gente tem sido, sem dúvida, testemunha de um incêndio, de um assassínio, e de
muitos outros acidentes que são próprios deste mundo e da nossa sociedade; mas
isso sem essa horrível continuidade, sem essa desastrosa multiplicidade que me
persegue constantemente. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Que
tenho eu feito aos céus? Não serei porventura um homem como os outros?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Jamais
tenho encontrado a desgraça sem a socorrer e, se não fosse por índole
caritativo, não bastaria a lembrança de minha pobre mãe para me ensinar o
respeito que é devido às lagrimas e à miséria? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Conheces
agora, senhora, o motivo das minhas tristezas... Sabes a razão por que é pálida
a minha fronte e por que sangra o meu coração. Ah! Se fosses pobre, Jouliette,
poderia consolar-me, pensando que essas tribulações e calamidades, que me
perseguem sempre e sempre, seriam ao menos compensadas pela fortuna que irias
gozar; mas que posso eu fazer pela sua felicidade que não se ache já feito? Que
imenso sacrifício não seria o teu! Conheces, agora, que deves abandonar-me e
fugir de mim!” <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Robert — exclamou Jouliette pegando-lhe na mão —, és um louco!... Teu coração sofre
desde que nasceste, meu pobre amigo. Só tive meu pai para me amar, mas ele sabe
amar por Deus... Não conheceste nem pai nem mãe; e os abraços de um benfeitor
são sempre frios... <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Foi
isso que operou no teu espirito essas sinistras apreensões. O que a outrem não
causaria o menor reparo, impressiona-te profundamente. O navio que te trouxe
chamava-se <i>Fatalidade</i>, mas há vinte anos que ele navega com esse nome, e
nem foste o único passageiro. Eram treze; e esse número inquieta-te em consequência
dessa extravagância de espírito que causa tua desgraça: deram porventura os
outros passageiro importância a isso? O vapor sofreu avarias; mas há no porto
vinte, trinta navios que as têm sofrido das mais cruéis!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Robert,
o que vos mata apenas me impressiona; e muito me riria dessa superstição, se ela
não te tornasse tão sombrio e aflito... Sobretudo, nada digas a meu pai do que
se tem passado entre nós; deixai-me arranjar as coisas.”<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
lançou-se aos joelhos de Jouliette e os cobriu de beijos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Esta
declarou a Mr. Wellingham que estava feita a sua escolha e o bom velho respondeu-lhe,
sorrindo-se, que muito feliz fora sempre ela para que ousasse contrariá-la.
Pouco tempo depois, Robert desposou Jouliette Wellingham.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">IV<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ambos
se adoravam. Robert, regenerado a seus próprios olhos pela afeição de Jouliette,
amava-a tanto por amor como por reconhecimento; e Jouliette, bastante altiva
por ter achado em si mesma a coragem que nenhuma outra mulher teria tido,
atribuía a seu marido o orgulho ingênuo que provinha da sua força e superior
idade moral.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Percorreram
ambos uma parte da França e em toda a viagem nenhuma só diligência virou-se,
nenhuma caldeira arrebentou-se.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
não podia crer em tão insolente felicidade. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mr.
Wellingham possuía em Vertefeuille uma deliciosa <i>vila</i> rodeada de bosques
e prados banhados por um desses ribeiros que vão desaguar no Garona. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
casa de dois andares era cercada de colunelos torcidos, por onde trepavam mil
plantas que, recaindo em floridos cachos, davam-lhe o aspecto dum imenso berço
de folhagem. Foi lá que os dois amantes quiseram ir ocultar sua felicidade. Jouliette
aí deu à luz uma menina, que chamou Robertine, bem contra a vontade de seu
marido. Robert tremeu até que ela completasse treze dias e, depois treze meses.
<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mas
a menina continuou a passar admiravelmente; e, no mesmo dia em que fez treze meses,
Jouliette deu-lhe um irmão, a quem chamou William, do nome de seu avô Mr.
Thompson.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Corriam
os dias alegres e serenos nesse retiro de delicias, e Robert dava graças ao céu
pela sua clemência, quando a chegada de um personagem, que se não esperava,
veio derrubar esse castelo de cartas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Uma
sexta feira, ao cair da noite, o jardineiro foi participar a Robert que um
estrangeiro, desejando faltar-lhe em particular, o esperava em uma avenida. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
foi ter com ele e reconheceu o conde de Gustamante<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> Ficou gelado; e o conde perguntou-lhe, com ar
irônico: <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Como passas, Sr. Robert Thirteen? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Perfeitamente, Sr. conde — respondeu Robert, procurando tornar-se senhor de si.
— Mas de onde chegas agora, tão inesperadamente? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
De Nova York. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
estremeceu e foi assaltado de pungente inquietação. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
E que foste lá fazer? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
conde não respondeu logo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Sr. Robert Treze — disse, enfim —, quando desposaste a única mulher perfeita
que tenho conhecido, causaste-me uma bem cruel ferida! Não era natural que,
tendo-me um homem ferido, ao mesmo tempo, no meu amor e no meu orgulho,
desejasse eu saber quem era esse homem?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—E
então? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Então, eis o que soube. Permita-me que refira as coisas de mais longe, porque
assim é necessário à clareza da minha história. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“A
25 de março de 1824, achou-se, a duas milhas de Nova York, o cadáver de uma
mulher moça, que se tinha enforcado num galho de uma arvore. Um certo homem,
que então servia ao banqueiro Thompson, reconheceu, pelos vestidos, essa mulher,
que na véspera tinha deixado nas suas mãos uma criança, em favor da qual ela
implorava a compaixão de Mr. Thompson...” <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Quem te disse, senhor, que eu não sei tão bem como vós essa dolorosa história?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Tão bem como eu, não me parece, Sr. Robert Thirteen, pois estou certo de que
vou contar-te alguma coisa de novo. Ouve-me, portanto, com paciência. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Essa
mulher chamava-se Suzana Halkins. Suzana tinha sido seduzida por um jovem que
chamaremos George, e que era primeiro caixeiro da casa Harrison, Barkley e Cia.
George amava loucamente a essa Suzanna,
que me disseram ter sido de rara beleza. Mas a pobre moça tinha a cabeça um
tanto desvairada. Os sofrimentos que havia suportado durante a sua infância tinham-lhe
deixado terrores febris que a assaltavam repentinamente, sobrevindo-lhe
verdadeiros acessos de loucura que a esmagavam. Foi num desses acessos que fugiu
de Nova York, deixando George desesperado. Ele procurou-a durante seis meses e
partiu, por fim para França, onde a casa Harrison, Barkley e Cia queria também
estabelecer-se. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Suzana
fora recolhida por um rendeiro dos arredores, em cuja casa deu à luz o menino,
que tinha de ser criado pelo banqueiro William D. Thompson. Thompson ou
ignorava todos esses detalhes, ou julgou prudente ocultá-los a seu filho
adotivo. Mas, seguramente, não sabia o que te vou dizer. Pouco tempo depois de
sua chegada à França, George casou-se para apagar do seu espirito a lembrança
de Suzana. E Geroge Wellingham teve uma filha, a quem chamou Jouliette. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Estás mentindo, miserável! — exclamou Robert, agarrando-o pelo pescoço.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Gustamante
livrou-se friamente desse ataque. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Pergunta a Wellingham — disse ele — e vereis se não é assim... Adeus, Sr. Robert
Treze! <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
desapareceu.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
recolheu-se à casa e atirou-se, aniquilado, sobre uma poltrona do seu gabinete.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Depois,
levantou-se e entrou devagarinho no quarto onde dormia sua mulher. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Jouliette
dormia com o sorriso nos lábios. Um de seus braços reclinava-se com graça sobre
o leito e seus ombros desenhavam-se alvos sobre o lençol branco. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert,
comprimindo as palpitações do seu coração, deu um beijo na testa de Jouliette e
abraçou, depois, seus dois filhinhos. Dirigiu-se
outra vez ao gabinete, abriu um armário, e tirou uma pistola, que armou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Mas, se esse homem mentiu — disse ele —, eu poderia viver tão feliz! Jouliette!
Meus filhos! Não, não devo morrer antes de esclarecer este drama. Wellingham há
de me dizer tudo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Nesse
momento, ouviu-se na estrada o trote de um cavalo. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
desceu.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Vinham
dizer-lhe que Mr. Wellingham acabava de morrer na cidade de um aneurisma no
coração. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Essa
notícia aniquilou-o. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Como
penetrar, agora, esse mistério infame que lhe tinha contado Gustamante? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Subiu
ao gabinete; e, com o coração traspassado de agonia, pôs-se a meditar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Nesse
momento, o martelo de um relógio do quarto vizinho deu uma primeira pancada. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Pois bem, com a graça de Deus, se o relógio der um número par do horas, viverei;
se, porém, o número for ímpar, Deus quer que eu morra! — exclamou Robert. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
contou: <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">— Duas...
três... quatro... cinco... seis... sete... oito... nove... dez... onze... doze!...
Meia-noite! — disse Robert. Jouliette não é minha irmã. Viverei. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mas,
de repente, escapou-lhe do seio um surdo gemido... <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Horror!
<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
martelo do relógio levantou-se pela decima terceira vez...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Robert
pegou na pistola e esmigalhou o crânio no momento em que o tímpano fatal ressoava
a décima terceira badalada.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Fonte: “A Abelha”/RJ,
fev/mar de 1856.<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;">
</p><div><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/ROBERT%20THIRTEEN%20-%20Aur%C3%A9lien%20Scholl.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Há pessoas que
não têm sorte. <o:p></o:p></span></p>
</div>
<div id="ftn2">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/ROBERT%20THIRTEEN%20-%20Aur%C3%A9lien%20Scholl.docx#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Thirteen: treze
em inglês.<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div><div style="mso-element: footnote-list;"><div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-72369622320506050362024-02-28T23:38:00.004-03:002024-03-10T10:44:41.224-03:00UM RECÉM-NASCIDO OFERTADO AO DEMÔNIO - Narrativa Clássica de Terror - Heinrich Kramer e Jakob Sprenger<p> </p><p><br /></p><p><span style="font-family: "palatino linotype", serif; font-size: 16px;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFnYE88yCyKt1jGISg5C1-7lB2bXh-d4mUJt3MPHv9VPwsHWzkgJ0MuksDCdglA9kW1Uyron65-HMJCqrohJDdiYEnMUkQgQ1gQmitiWMFRddenkMxFkDHUNJw3PpiyX5Ht5vN6jXLUN8ZVC8qNogS79oagIw4SNDzNK_MUO8IqrPRyqHZV4a-H3aXL_A/s1106/diabo%20com%20seios.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1106" data-original-width="750" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFnYE88yCyKt1jGISg5C1-7lB2bXh-d4mUJt3MPHv9VPwsHWzkgJ0MuksDCdglA9kW1Uyron65-HMJCqrohJDdiYEnMUkQgQ1gQmitiWMFRddenkMxFkDHUNJw3PpiyX5Ht5vN6jXLUN8ZVC8qNogS79oagIw4SNDzNK_MUO8IqrPRyqHZV4a-H3aXL_A/w434-h640/diabo%20com%20seios.png" width="434" /></a></div><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">UM RECÉM-NASCIDO
OFERTADO AO DEMÔNIO<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Heinrich Kramer (c. 1430 – 1505) e Jakob
Sprenger (1435 – 1495)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">As
bruxas, quando não matam as crianças pequenas, oferecem-nas ao diabo numa
cerimônia blasfema. E quando nasce a criança, a parteira —se a própria mãe não
é uma bruxa — tira-a do quarto, a pretexto de acalentá-la, ergue-a e a oferece
ao Príncipe dos Demônios — Lúcifer — e a todos os diabos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Um
homem relatou o seguinte: notou que a sua esposa, quando chegara o momento de
dar à luz, agira contra os costumes habituais das mulheres grávidas, ao não
permitir que nenhuma outra mulher se aproximasse de seu leito, à exceção de sua
filha, que serviria de parteira. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Como
queria saber a razão de tal estranha conduta, escondeu-se na casa e assistiu ao
ritual sacrílego, de dedicação ao demônio, que acima narramos. Também viu,
conforme lhe pareceu, o recém-nascido — sem ajuda humana alguma, mas impelido
pelo poder do demônio — subir pela corrente em que se penduravam as panelas da
cozinha. Com grande consternação, tanto pelas terríveis palavras de invocação
aos demônios, quanto por outras iníquas cerimônias, o homem insistiu,
energicamente, que se batizasse de imediato a criancinha. Tomaram-na, pois,
para conduzi-la à aldeia vizinha, onde havia uma igreja. No caminho, ao
atravessar uma ponte, desembainhou a espada e avançou para a filha, que
carregava a criança. Então, na presença de outras pessoas que lhe faziam
companhia, disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Tu não levarás a criança ao outro lado. Ela deverá atravessar a ponte sozinha.
Caso contrário, afogo-te no rio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
filha ficou apavorada e, junto com as outras mulheres acompanhantes, perguntou
ao pai se este estava em pleno juízo (pois este havia ocultado o sucedido de
todos os demais, salvo os dois homens que estavam com ele). <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então,
o homem respondeu:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Bruxa malvada! Com as tuas artes mágicas, fizeste com que a criança subisse
pela corrente da cozinha. Agora, faz com que ela cruze a ponte sem que ninguém
a carregue no colo. Se não fazes o que te digo, eu te afogo no rio!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Constrangida
pela ameaça, a moça pôs a criança sobre ponte e, com as suas artes mágicas,
invocou o demônio. De repente, os circunstantes viram a criança já no outro
lado da ponte. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Batizada
a criança, o homem voltou para casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Já
que agora tinha testemunhas para condenar a filha por bruxaria — pois não podia
comprovar o crime anterior, de oferta da criança ao demônio, porquanto fora a
única testemunha dessa sacrílega liturgia —, acusou-a e a sua esposa perante o
juiz, uma vez decorrido o período de resguardo.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ambas
foram queimadas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Assim
foram descobertos os delitos das bruxas parteiras que, em sacrílego ritual,
ofertaram um recém-nascido ao Demônio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Versão em português de
Paulo Soriano.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Revisão de Rogério Silvério de Farias.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: "palatino linotype", serif; text-align: left;">Nota do editor: A presente narrativa é um episódio do livor "Narrativas Fantásticas do </span><i style="font-family: "palatino linotype", serif; text-align: left;">Malleus Maleficarum</i><span style="font-family: "palatino linotype", serif; text-align: left;">”, que pode ser adquirido </span><a href="https://www.editoramondrongo.com.br/malleus-maleficarum/p" style="font-family: "palatino linotype", serif; text-align: left;" target="_blank">aqui</a><span style="font-family: "palatino linotype", serif; text-align: left;">.</span></span></p><p></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-29210412960251976592024-02-28T23:18:00.002-03:002024-03-10T10:45:08.244-03:00O ESTRADO MACABRO - Narrativa Tradicional Japonesa de Horror <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7kDZmvDQH4mOKMCq1KmMfg65Nzy-b16KStG2Ocyfk5EmiFfSBZD-jCLffcqWSPe0BRS_zJb1nkeVPon4c0VoznBdK7SzmfvRb-mY8fLTwINSsZt_SiqABqeqZxPgasgE1vCVxirZvgbWqzztRiYLogUuo_rb0MWLac8ntOjXr5xNT_YtnBdCCED3a1gE/s793/estrado%20macabro.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="793" data-original-width="533" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7kDZmvDQH4mOKMCq1KmMfg65Nzy-b16KStG2Ocyfk5EmiFfSBZD-jCLffcqWSPe0BRS_zJb1nkeVPon4c0VoznBdK7SzmfvRb-mY8fLTwINSsZt_SiqABqeqZxPgasgE1vCVxirZvgbWqzztRiYLogUuo_rb0MWLac8ntOjXr5xNT_YtnBdCCED3a1gE/w430-h640/estrado%20macabro.png" width="430" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">O ESTRADO
MACABRO<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Narrativa tradicional japonesa<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Em
1849, numa noite tempestuosa, uma assustadora notícia transbordava a cidade de
Edo. Dizia-se que, sobre um estrado, que descia celeremente o rio Okawa, havia
a cabeça degolada de um homem; junto àquele terrível despojo, delirava uma
mulher.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Eram
uma visão deveras aterradora aquelas figuras, assim arrastadas pela torrente.
Quem a teve, jamais a esqueceu, pois a mulher — com a cabeça rebentada — ainda vivia
e gritava desesperadamente por socorro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Em
verdade, aquela desgraça radicava-se num caso de amor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Quando
um abastado senhor, com foros de nobreza, soube que a favorita de suas
concubinas o traía com um mero servo, crivou-se de ódio e ordenou que,
capturado o infiel, segregassem-lhe a cabeça.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
terrível morte do serviçal, todavia, não lhe aplacou a ira.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Assim,
o senhor arremessou a mulher contra os umbrais de uma porta, partindo-lhe o
crânio; depois, mandou que a arremessassem ao no rio. A cabeça decepada do
amante, atirada ao estrado, serviu-lhe de companhia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Mas
o incidente aqui não terminou. Um crime hediondo, que levara uma criaturinha
inocente à morte cruel, havia sido praticado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
concubina espancada era mãe de uma garotinha de sete anos de idade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ao
tomar conhecimento de que o homem que amava havia sido executado por ordem de
seu senhor, a mulher suspeitou que fora a própria filha que os havia delatado.
Assim, subitamente tomada de ódio profundo, devorou — ainda viva — a
criancinha...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Texto reelaborado por
Paulo Soriano, a partir de uma tradicional narrativa japonesa contada por Kibi
Baba.<o:p></o:p></span></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-86243614727990958932024-02-21T18:49:00.002-03:002024-03-10T10:45:38.401-03:00A COISA INFERNAL - Conto Clássico de Terror - Ambrose Bierce<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /> <p></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHhkAuymEwqsV39dyce4E0M3hDzn6OlXwV8CZ0BOiVuQiqUgYw4zFWS7Soh5vavkZDnjCnHyFfFwEyZ_aNCPkFNA_R1X3PVkDbNmwR35h0ZhwKMBJT7WVE3ab-PeFnSbuX8ywaV1c90Qgw7zYts_2PKcnIqy9kb18qtvapwF31u_zRku_aB9ndBP6oo1k/s912/cadaver%20sobre%20a%20mesa.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="634" data-original-width="912" height="444" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHhkAuymEwqsV39dyce4E0M3hDzn6OlXwV8CZ0BOiVuQiqUgYw4zFWS7Soh5vavkZDnjCnHyFfFwEyZ_aNCPkFNA_R1X3PVkDbNmwR35h0ZhwKMBJT7WVE3ab-PeFnSbuX8ywaV1c90Qgw7zYts_2PKcnIqy9kb18qtvapwF31u_zRku_aB9ndBP6oo1k/w640-h444/cadaver%20sobre%20a%20mesa.png" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"></td></tr></tbody></table><br /><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">A COISA INFERNAL<o:p></o:p></span></b></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Ambrose Bierce<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">(1842 – 1914?)<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Tradução de autor desconhecido do séc.
XX<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">I<o:p></o:p></span></b></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">NEM
SEMPRE SE COME O QUE ESTÁ NA MESA<o:p></o:p></span></b></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">À
luz de uma vela de sebo, colocada na extremidade de uma mesa tosca, um homem
lia alguma coisa num livro. Era um velho diário, muito velho, e a letra não
devia ser muito legível, pois, algumas vezes, o homem aproximava a página da
chama da vela para ver melhor. Então a sombra do livro mergulhava metade do
quarto na escuridão, escurecendo um certo número de faces e vultos, pois, além
do leitor, havia oito homens presentes. Sete deles estavam sentados contra as
rudes paredes de toras, silenciosos, imóveis e, sendo o quarto pequeno, não
ficavam muito longe da mesa. Estendendo a mão, qualquer um deles poderia tocar
o oitavo homem, que jazia sobre a mesa, de costas, parcialmente coberto por um
lençol, com os braços ao longo do corpo. Estava morto.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
homem do livro não lia alto e ninguém falava. Todos pareciam esperar que alguma
coisa acontecesse. Só o morto não denotava expectativa. Da escuridão informe de
fora, entravam, pela abertura que servia de janela, todos os ruídos estranhos
da noite do deserto — a nota longa e anônima de um chacal distante; o zunido de
incansáveis insetos em árvores; estranhos gritos de pássaros noturnos, tão
diferentes dos gritos dos pássaros diurnos; o zumbido de grandes baratas voando
e batendo contra os objetos, e todo esse misterioso coro de pequenos sons, que
só se verifica que estava soando nos nossos ouvidos quando cessa subitamente.
Mas nada disto notava aquele grupo; seus membros não eram muito dados a ocioso
interesse em assuntos sem importância prática: isso era evidente em todas as
linhas de suas fisionomias rústicas, evidente até na luz indecisa da única vela.
Eram, evidentemente homens dos arredores — lavradores e coiteiros. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
pessoa que lia era um tanto diferente. Dir-se-ia dele que era um homem do
mundo, mundano, posto que em seu trajo houvesse algo que atestava uma certa
convivência com os organismos que o cercavam. O seu casaco dificilmente teria
passado uma revista em San Francisco; o calçado não era de origem urbana e o
chapéu, que estava ao seu lado, no chão (ele era o único descoberto), era tal
que, se alguém o considerasse como simples objeto de adorno, interpretaria
erradamente a sua significação. De semblante, o homem era bastante imponente,
com uma vaga sugestão de severidade, se bem que isso poderia ter sido assumido
ou cultivado como próprio de uma pessoa de autoridade. Pois este homem era
oficial de justiça. Era em virtude da sua função que ele estava de posse
daquele livro. Fora encontrado entre as coisas do morto — na sua cabana, onde o
inquérito tinha lugar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Quando
acabou de ler, o oficial de justiça guardou o livro no bolso de dentro do
casaco. Nesse momento, a porta abriu-se e um moço entrou. Via-se logo que não
nascera nem se criara no campo, e trajava roupa de cidade. Estava, entretanto,
todo empoeirado, pois tinha galopado muito para comparecer ao inquérito.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> O oficial de justiça inclinou a cabeça.
Ninguém mais o cumprimentou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Estávamos à sua espera — disse o oficial de justiça. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
moço sorriu. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">— Sinto muito tê-los feito esperar — disse. —
Eu fui embora, não para escapar ao seu chamado, mas para pôr no correio, para o
meu jornal, um relato do que vou narrar aqui.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
oficial de justiça sorriu.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
A narrativa que o senhor mandou para o seu jornal — disse — difere,
provavelmente, da que fará aqui, sob juramento. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Isso — replicou o outro, com certa exaltação e visivelmente ruborizado — será
como o senhor quiser. Eu usei papel carbono e tenho aqui uma cópia do que
mandei. Não escrevi isto como notícia, pois é incrível, mas como ficção. Poderá
servir como parte do meu testemunho, sob juramento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Mas o senhor diz que é incrível.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Isso não é da sua conta, senhor, se eu jurar que é verdade. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
oficial de justiça ficou silencioso durante algum tempo, com os olhos no chão.
Os homens em volta falavam em cochichos, mas raramente desviavam a vista do
cadáver. For fim, o oficial de justiça levantou os olhos e disse:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Muito bem, voltaremos ao inquérito.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Os
homens tiraram os chapéus. A testemunha fez juramento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Como se chama? — perguntou o oficial de justiça<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
William Harker.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Idade? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Vinte e sete anos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
O senhor conhecia o finado Hugh Morgan? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Sim. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Estava com ele, quando morreu?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Perto dele.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Como aconteceu isso... quero dizer, a sua presença?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eu estava de visita à sua casa, para caçar e pescar. Parte do meu objetivo era,
entretanto, estudá-lo e ao seu estranho e solitário modo de vida. Parecia-me um
bom modelo para um personagem de ficção. Eu escrevo algumas vezes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
E eu os leio algumas vezes. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Obrigado. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Contos em geral... não os seus. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Alguns
dos jurados riram. Contra um fundo sombrio, o humor resplandece. Os soldados,
nos intervalos da batalha, riem facilmente, e um gracejo na câmara mortuária
domina pela surpresa. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Relate as circunstâncias da morte deste homem — disse o oficial de justiça. — O
senhor poderá servir-se de quaisquer anotações que quiser.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">A
testemunha compreendeu. Tirando um maço de papéis bolso de dentro, aproximou-o da
vela e, folheando até a passagem que desejava, começo a ler.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhP14pNV8dfFwvaDBHVObkq08Zgnp_Lzq0rkjTL8D_5yEYxeaWBp6ZH9lqqB97vrBMGXRV1WpcW7df09Yg5eUsHngAqbfGGplyvv4HEgb5bJnGEvxsji-HeCvrdUIDsy7t5sjSimbD_qdq9zCAgB0zlzEVlvoh5AMSFOr4nn2Z097Pbszd30iStYqQREAE/s608/A%20COISA%20DANADA.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="215" data-original-width="608" height="141" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhP14pNV8dfFwvaDBHVObkq08Zgnp_Lzq0rkjTL8D_5yEYxeaWBp6ZH9lqqB97vrBMGXRV1WpcW7df09Yg5eUsHngAqbfGGplyvv4HEgb5bJnGEvxsji-HeCvrdUIDsy7t5sjSimbD_qdq9zCAgB0zlzEVlvoh5AMSFOr4nn2Z097Pbszd30iStYqQREAE/w400-h141/A%20COISA%20DANADA.png" width="400" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">II<o:p></o:p></span></b></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
QUE PODE ACONTECER NUM CAMPO DE AVEIA BRAVA<o:p></o:p></span></b></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“...O
Sol acabava de nascer quando saímos de casa. Procurávamos codornizes, cada um
com uma espingarda, mas só levávamos um cachorro. Morgan disse que o melhor
terreno era para lá de uma certa elevação, que ele indicou, e encaminhamo-nos
para esse lugar, por uma trilha aberta através do chaparral. Do outro lado o
terreno era relativamente plano, espessamente coberto de aveia brava. À saída
do chaparral, Morgan ia apenas alguns metros adiante de mim. Súbito ouvimos, um
pouco adiante e à direita, um ruído como produzido por algum animal nas moitas,
que, podíamos ver, eram violentamente agitadas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt; text-indent: 1cm;">"Levantamos
um gamo — observei. — Fiz mal não trazer a carabina.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Morgan,
que tinha parado e observava atentamente o chaparral agitado, não disse nada,
mas havia engatilhado os dois canos da espingarda, pronto a atirar. Pareceu-me
um pouco excitado, o que me surpreendeu, pois ele tinha fama de homem de sangue-frio
excepcional, mesmo em momentos de súbito e iminente perigo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“—
Ora, ora! — exclamei. — Vai querer encher um veado de chumbo miúdo? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Morgan
continuou silencioso, mas, vendo parte do seu rosto, que ele voltou
parcialmente para mim, chocou-me a intensidade do seu olhar. Compreendi então
que tínhamos perigo pela frente, e a minha primeira conjectura foi que ele
levantara um javardo<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20COISA%20INFERNAL%20-%20AMBROSE%20BIERCE.docx#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a>.
Avancei para junto de Morgan, engatilhando a espingarda.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Agora
as moitas estavam imóveis e os sons tinham cessado, mas Morgan, continuava tão
atento como antes. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“—O
que é? Que diabo é isso? — perguntei. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“—
Essa Coisa Infernal! — respondeu ele, sem voltar a cabeça. Sua voz era
sussurrante e desnatural. O homem tremia visivelmente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Eu
ia falar mais, quando notei que a aveia brava perto do lugar da agitação se
movia de maneira muito inexplicável. Mal posso descrevê-lo. Parecia que era batida
por uma lufada de vento, que não só a curvava, mas a dobrava até o chão, de
onde não se levantava mais, e o movimento prolongava-se lentamente em direção a
nós. Nada, de tudo o que já vira, me afetara tão estranhamente como aquele
fenômeno desconhecido e inexplicável, e, contudo, não me recordo de ter
experimentado a menor sensação de medo. Lembro-me — e conto-o aqui, porque, singularmente,
me recordei do caso então —, lembro-me de que uma vez, olhando distraidamente
por uma janela aberta, confundi momentaneamente uma árvore próxima como
pertencendo a um grupo de árvores maiores e um pouco mais afastadas. Pareceu-
me do mesmo tamanho que as outras, mas, como era mais distinta e carregada de cores,
pareceu-me em desarmonia com as outras. Foi uma simples falsificação da
perspectiva aérea, mas surpreendeu-me, quase me aterrorizou. De tal modo
confiamos no funcionamento ordeiro das leis naturais familiares, que qualquer
aparente suspensão delas nos parece uma ameaça à nossa segurança, uma
advertência de inimaginável calamidade. Assim, aquele movimento da ervagem,
aparentemente sem causa, e o lento aproximar da linha de perturbações, eram
distintamente inquietadores. Meu companheiro parecia absolutamente
aterrorizado, e eu mal pude acreditar nos meus sentidos quando o vi levar a
arma à cara subitamente e disparar os dois canos contra a aveia agitada! Ainda
a fumaça do tiro não se tinha dissipado, quando ouvi um alto grito selvagem —
um grito como de um animal selvagem — e, arremessando a arma ao chão, Morgan
saltou para trás e fugiu a todo o correr. Ao mesmo tempo, eu fui atirado ao
solo violentamente pelo choque de alguma coisa invisível no fumo — uma
substância mole, pesada, que se chocou contra mim com grande força.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Antes
que eu pudesse levantar-me e apanhar a espingarda, que parecera alguém que me
arrancara das mãos com uma pancada, ouvi Morgan gritar como em angústia mortal,
e, de mistura com seus gritos, ouviam-se sons ásperos, selvagens, como os que
fazem dois cães em luta. Indizivelmente aterrorizado, levantei-me como pude e
olhei na direção da retirada de Morgan, e Deus, por misericórdia, me livre de
tornar a ver um espetáculo como aquele! A uma distância de menos de trinta
metros estava meu amigo, com um joelho em terra, a cabeça inclinada para trás
num ângulo impossível, sem chapéu, o cabelo longo em desordem, e todo o corpo
agitado por um movimento violento, para um lado e para o outro, para trás e
para diante. Tinha o braço direito erguido e parecia não ter mão... pelo menos
eu não a via. O outro braço era invisível. Algumas vezes, lembro-me agora, só
podia distinguir parte do seu corpo. Era como se tivesse sido parcialmente
apagado — não posso expressá-lo de outra maneira —, depois, mudando de posição,
reaparecia outra vez.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Tudo
isto deve ter ocorrido no espaço de alguns segundos, mas, durante esse tempo,
Morgan tomou todas as posições possíveis de um lutador desesperado, vencido por
um peso e uma força superiores. Eu não via senão a ele, e a ele nem sempre distintamente.
Gritou e praguejou durante todo o tempo, e a sua voz soava como através de um
rugido envolvendo de sons de raiva e fúria, como eu nunca ouvi saído da
garganta de homem ou bruto! <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Só
por um instante fiquei irresoluto. Depois, largando a minha espingarda, corri
em auxílio de meu amigo. Cria vagamente que ele estava sofrendo de alguma
espécie de ataque, ou alguma forma de convulsão. Antes de chegar ao seu lado, ele
estava caído e imóvel. Todos os sons haviam cessado, mas, com um sentimento de
terror tal como todos estes acontecimentos ainda não tinham conseguido
inspirar-me, vi outra vez o misterioso movimento da aveia brava, prolongando-se
desde a área pisada em volta do homem caído em direção à orla de uma floresta.
Só quando ele chegou ao mato, eu pude desviar a vista e olhar para meu
companheiro. Estava morto.”<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">III<o:p></o:p></span></b></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">UM
HOMEM, EMBORA NU, PODE ESTAR EM TRAPOS<o:p></o:p></span></b></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
oficial de justiça levantou-se do seu assento e ficou em pé, junto ao morto.
Levantando uma ponta do lençol, puxou-o, descobrindo todo o corpo,
completamente nu e apresentando, à luz da vela, uma cor de cal. Tinha,
entretanto, grandes manchas negro-azuladas, evidentemente causadas por sangue
extravasado de contusões. O peito e os flancos eram como se tivessem sido
malhados com um cacete. Havia horríveis lacerações. A pele estava em tiras. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
oficial, de justiça deu volta à mesa e desamarrou um lenço de seda que tinha
sido passado por baixo do queixo do morto e amarrado ao alto da cabeça. Quando
o lenço foi tirado, ficou à mostra o que fora o pescoço do morto. Alguns dos
jurados, que se tinham levantado para ver melhor, arrependeram-se da sua
curiosidade e voltaram o rosto. Harker, a testemunha, foi até a janela aberta e
debruçou-se sobre o peitoril, fraco e nauseado. Largando o lenço sobre o
pescoço do morto, o oficial de justiça dirigiu-se a um canto do quarto e, de um
montículo, começou a apanhar peças de roupa, cada uma das quais segurara um
momento erguida e examinava. Todas estavam rasgadas e duras de sangue. Os
jurados não fizeram um exame mais minucioso. Pareciam desinteressados. O fato é
que eles já tinham visto tudo aquilo antes. A única coisa nova para eles era o
testemunho de Harker.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Cavalheiros — disse o coronel —, creio que não temos mais provas. O seu dever
já lhes foi explicado antes; se não têm mais nada a perguntar, podem ir lá fora
conferenciar sobre o seu parecer. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">O
presidente do júri levantou-se. Era um homem alto, barbudo, de sessenta anos,
grosseiramente vestido.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eu gostaria de fazer uma pergunta, Sr. oficial de justiça — disse. — De que
manicômio escapou essa sua última testemunha?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Mr. Harker — disse o oficiai de justiça, com gravidade —, de que manicômio o
senhor escapou? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Harker
ficou rubro outra vez, mas não disse nada, e os sete jurados levantaram-se e,
solenemente saíram, da cabana.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Se já acabou de me insultar, senhor — disse Harker (apenas ele e o oficial
ficaram a sós com o morto) —, creio que posso ir embora.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Sim. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Harker
fez menção de sair, mas deteve-se, com a mão no trinco da porta. O hábito da
sua profissão era muito forte nele... mais forte mesmo do que o seu senso de
dignidade pessoal. Voltou-se e disse:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
O livro que o senhor tem aí... eu o reconheci. É o diário de Mr. Morgan. O
senhor parecia muito interessado nele. Lia-o enquanto eu dava o meu testemunho.
Posso vê-lo? O público gostaria...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
O livro não entrará neste assunto — interrompeu o oficial de justiça,
guardando-o no bolso do casaco. — Todos os lançamentos feitos aqui são
anteriores à morte do autor. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Depois
que Harker saiu da casa, os jurados entraram e ficaram em pé em volta da mesa, sobre
a qual o cadáver, agora coberto, se delineava perfeitamente. O presidente
sentou-se perto da vela, puxou do bolso de dentro de um lápis e um pedaço de
papel e escreveu com esforço o seguinte veredito que, com vários graus de
esforço, todos assinaram!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Nós,
os jurados, achamos que este homem morreu em consequência de fermentos causados
por um cuguardo<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20COISA%20INFERNAL%20-%20AMBROSE%20BIERCE.docx#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 14pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></a>,
mas alguns de nós achamos, mesmo assim, que ele tinha ataques.”<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">IV<o:p></o:p></span></b></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">UMA
EXPLICAÇÃO DE ALÉM-TÚMULO<o:p></o:p></span></b></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">No
diário do defunto Hugh Morgan havia certas informações interessantes que,
possivelmente, têm algum valor científico como sugestões. No inquérito sobre o
seu corpo, o livro não foi posto em evidência. Talvez o oficial de justiça não
achasse conveniente confundir os jurados. A data da primeira anotação aqui
citada não se pôde verificar, pois a parte superior da folha estava rasgada e o
que restava dizia o seguinte: <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“...
correu num semicírculo, conservando a cabeça sempre voltada para o centro, e,
depois, ficou ereto, imóvel, ladrando furiosamente. Em seguida, correu para o
meio do mato à toda velocidade. A princípio, pensei que estivesse danado, mas,
quando voltei, não encontrei nele outras alterações nos modos do que as que,
evidentemente, eram devidas ao medo do castigo. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Poderá
um cão ver com o focinho? Os cheiros poderão impressionar algum centro cerebral
com imagens da coisa que os emitiu? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“2
de setembro. — Olhando as estrelas, na noite passada, acima do cume da
montanha, a leste da minha casa, vi-as desaparecerem sucessivamente... da
direita para a esquerda. Cada uma delas era eclipsada por um instante e só umas
poucas de cada vez, mas, ao longo de todo o cume, todas as que estavam a um
grau ou dois do cume se apagavam. Era como se alguma coisa passasse entre mim e
elas. Mas eu não podia ver essa coisa e as estrelas não eram espessas bastante
para traçar-lhe a silhueta. Ui! Não gosto disto...”<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Faltavam
anotações de várias semanas. Três folhas do livro tinham sido rasgadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“27
de setembro. — Andou por aqui outra vez... encontro provas da sua presença
todos os dias. Fiquei à espera toda a noite de ontem, no mesmo abrigo, de arma
na mão, com dupla carga de chumbo grosso. De manhã, os rastros frescos estivam
lá como antes. E, contudo, eu seria capaz de jurar que não dormi. É terrível,
insuportável! Se estas coisas espantosas são reais, ficarei maluco; se são
imaginárias, já estou maluco.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“3
de outubro. — Não irei... ele não me expulsará. Não, esta é a minha casa, a
minha terra. Deus detesta os covardes.<i>..</i>! <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“5
de outubro. — Não posso suportá-lo mais. Convidei Harker a passar algumas
semanas comigo... É um homem sensato. Poderei saber pelos seus modo se me
considera louco. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“7
de outubro. — Tenho a solução do mistério. Ocorreu-me ontem à noite... subitamente,
como por revelação. Que simples que ela é... tão terrivelmente simples!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">"Há
sons que nós não podemos ouvir. Em cada extremidade da escala há notas que não
ferem corda alguma desse instrumento imperfeito que é o ouvido humano. São
muito altas ou muito graves. Tenho observado um bando de aves melros cobrindo toda
a copa de uma árvore — as copas de várias árvores — e todos cantando.
Subitamente, num momento, absolutamente no mesmo instante, todos levantam voo e
partem. Como? Eles não podem ver-se uns aos outros — árvores inteiras se
interpõem. Em nenhum ponto um guia pode tornar-se visível para todos. Deve
haver algum sinal de advertência a ou comando, alto e estridente, acima da algazarra,
mas inaudível para mim. Tenho observado o mesmo voo simultâneo estando todos
silenciosos, não só entre melros, mas entre outras aves — codornizes, por
exemplo, muito separadas por moitas... mesmo em lados opostos de uma colina.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“É
conhecido dos marinheiros que um cardume de baleias brincando na superfície do oceano,
a milhas de distância, com a convergência da Terra de permeio, mergulham
algumas vezes no mesmo instante, todas desaparecendo da vista num momento. O sinal
soou — demasiado grave para o ouvido do marinheiro empoleirado no mastro e seus
camaradas da coberta, os quais, entretanto, sentem as suas vibrações no navio,
como as pedras de uma catedral se estremecem ao soar da nota mais baixo do
órgão.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“O
mesmo se dá com as cores. Em cada extremidade do espectro solar o químico
consegue distinguir a presença dos chamados raios "actínicos". Estes
representam cores — cores integrais na composição da luz— que nós somos
incapazes de discernir. O olho humano é um instrumento imperfeito e o seu
alcance abrange apenas algumas oitavas da verdadeira escala cromática. E não
estou louco. Existem cores que nós não podemos ver.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“E,
valha-me Deus! A Coisa Infernal tem uma dessas cores!”<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Fonte: “A Cigarra”/RJ,
edição de abril de 1952.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">Fizeram-se breves
adaptações textuais.</span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;">
</p><div><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20COISA%20INFERNAL%20-%20AMBROSE%20BIERCE.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"> Javali.<o:p></o:p></span></p>
</div>
<div id="ftn2">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/A%20COISA%20INFERNAL%20-%20AMBROSE%20BIERCE.docx#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"> Puma.<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div><div style="mso-element: footnote-list;"><div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-70731105135268264302024-02-21T18:31:00.004-03:002024-03-03T08:32:42.188-03:00UMA PROMESSA QUEBRADA - Conto Clássico de Terror - Koizumi Yakumo <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpzR3IN_Ks8LIaSXzgbkOxPevxL4ETNct4GvxY285KjnP9NpWiDadWH2M9aIYGROOWUadIQa78S5GL09yzDiHsILaOJ1pWFMLEFGPrxPoEhy8CB8s1B7lhzU4ezBj9N6pZtqC2yXDb1BstR97XquRMaIm19eBo2IGdzvf2et1kmxH4NNlQ7MVGmaQPkHk/s1024/CABE%C3%87A%20CORTADA%20DE%20MULHER%20JAPONESA.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="768" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpzR3IN_Ks8LIaSXzgbkOxPevxL4ETNct4GvxY285KjnP9NpWiDadWH2M9aIYGROOWUadIQa78S5GL09yzDiHsILaOJ1pWFMLEFGPrxPoEhy8CB8s1B7lhzU4ezBj9N6pZtqC2yXDb1BstR97XquRMaIm19eBo2IGdzvf2et1kmxH4NNlQ7MVGmaQPkHk/w480-h640/CABE%C3%87A%20CORTADA%20DE%20MULHER%20JAPONESA.png" width="480" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">UMA PROMESSA
QUEBRADA<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Koizumi Yakumo<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">(Lafcadio Hearn)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">(1850 – 1904)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt;">Tradução de Paulo Soriano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eu não tenho medo de morrer — disse a esposa moribunda. — Somente uma coisa me
preocupa agora. Gostaria de saber quem ocupará o meu lugar nesta casa. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Minha querida — respondeu o marido —, ninguém jamais tomará o teu lugar em
minha casa. Nunca... jamais me casarei novamente. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Quando
dizia isto, o marido falava do fundo do coração: ele amava a mulher que estava
prestes a perder. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Tu juras pela fé de um samurai? — ela perguntou, exibindo um débil sorriso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Juro pela fé de um samurai — ele respondeu, acariciando aquela face pálida e
murcha. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Então, meu amado — disse ela —, tu hás de me sepultar no jardim, não é mesmo?
Perto daquelas ameixeiras que plantamos lá no fundo. Há muito que eu te queria
pedir isto, mas pensei que, caso tu viesses a se casar novamente, não irias
querer o meu sepulcro tão perto de ti.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Agora que me prometeste que nenhuma outra mulher ocupará o meu lugar,
não é necessário que eu hesite em fazer o meu pedido... Eu quero tanto ser
sepultada no jardim!... Creio que, nele, poderei ainda escutar, de vez em
quando, a tua voz e, também, contemplar as flores da primavera. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Será assim como desejas — ele respondeu. — Mas não fales de enterro agora. Não
estás tão doente a ponto de perder toda esperança. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 14pt; text-indent: 1cm;">—
Eu já a perdi — ela replicou. — Vou morrer nesta manhã... Mas tu me sepultarás
no jardim?</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eu te enterrarei — disse ele — sob a sombra das ameixeiras que plantamos. E tu
terás um lindo túmulo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Tu me darás um sininho?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Um sininho?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Sim. Quero que ponhas um sininho dentro de meu ataúde. Um sininho como aqueles
que os peregrinos budistas carregam.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Farás isto? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Terás o teu sininho e tudo mais que desejares. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Não desejo mais nada — disse ela. —<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Meu
amor, tu sempre foste muito bom comigo! Agora posso morrer feliz. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então,
ela fechou os olhos e morreu. Expirou tão facilmente quanto uma criança
sonolenta que adormece. Embora morta, estava linda. Havia um sorriso em sua
face. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Sepultaram-na
sob a sombra das árvores que amara em vida, e, com ela, desceu à cova um
pequeno sino. Erigiram sobre a sepultura um lindo mausoléu, ornamentado pelo
brasão da família, em que se lia o seguinte <i>kaimyou<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20PROMESSA%20QUEBRADA%20-%20Koizumi%20-%20Final.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></b></span><!--[endif]--></span></span></a></i>:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-left: 2cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">“Grande Irmã mais
velha. Sombra-Luminosa-da-Flor-da-Ameixeira, que moras na Mansão do Grande Mar
da Compaixão”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mas,
doze meses após a morte de sua esposa, os parentes e amigos do samurai
começaram a instigá-lo a contrair novas núpcias. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Tu ainda és um homem jovem — diziam. — És filho único e não tens filhos.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É dever de um samurai casar-se. Se morres sem
filhos, quem fará as oferendas a teus antepassados? Quem cultivará a memória de
teus ancestrais? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">E
tantas foram as insistentes exortações que, finalmente, persuadiram-no a
casar-se novamente. A noiva tinha apenas dezessete anos. E o samurai descobriu
que podia amá-la intensamente, a despeito dos mudos reproches que vinham do
túmulo no jardim. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">II<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Nada
que pudesse perturbar a felicidade da jovem esposa aconteceu até o sétimo dia
após o casamento, quando o Samurai recebeu a ordem para cumprir certos deveres
que exigiam a sua presença no castelo à noite.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Na primeira noite em que se viu obrigado a deixar a esposa sozinha, a
jovem mulher sentiu uma inquietação inexplicável. Sentia-se vagamente
atemorizada, mas sem saber por quê. Foi para cama, mas não conseguiu dormir.
Havia uma estranha opressão no ambiente — um peso indefinível, como aquele que
às vezes precede a irrupção de uma tempestade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Por
volta da Hora do Boi<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20PROMESSA%20QUEBRADA%20-%20Koizumi%20-%20Final.docx#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>,
ela ouviu, vindo de fora, o tilintar de um sino — um sino de peregrino budista.
Ela, então, se perguntou que peregrino poderia estar passando pelas possessões
do samurai em semelhante hora. Em seguida, depois de uma pausa, o sino tilintou
ainda mais próximo. Evidentemente, o peregrino se aproximava da casa. Mas, por
que se acercava pelos fundos, onde não havia entrada alguma...? De repente, os
cães começaram a ganir e a uivar de uma maneira estranha e horrível. E um temor
a assaltou como se num pesadelo. Sem dúvida, o tinido provinha do jardim...
Tentou levantar-se para chamar um criado, mas descobriu que não podia se
erguer, mover-se, gritar... E o tilintar do sino ficava mais próximo, cada vez
mais se acercava. E — ai! — como uivavam os cães!... Então, com a leveza de uma
sombra furtiva, deslizou para dentro do quarto uma Mulher, embora todas as
portas estivessem trancadas e imóveis todas as cortinas. Era uma Mulher envolta
em vestes sepulcrais, que trazia consigo um sininho de peregrino. Sem olhos —
porque ela estava morta há muito tempo —, ela aproximou-se da jovem esposa...<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e os cabelos soltos caíam-lhe sobre a face.
E, mesmo sem olhos, mirou através do emaranhado de seus cabelos, e falou sem
que tivesse língua:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Nesta casa, não! Nesta casa não ficarás! Eu ainda sou a senhora deste lar. Irás
embora, e a ninguém revelarás a razão de tua partida. Se disseres alguma coisa
a Ele, eu te farei em pedaços. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Assim
que pronunciou estas palavras, a assombração desapareceu. A jovem esposa
desfaleceu de terror. Não recobrou a consciência até o amanhecer. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">No
entanto, com a alegre luz do dia, ela duvidou da realidade do que havia visto e
ouvido. A lembrança da ameaça ainda pesava em seu coração tão intensamente que
ela não ousou falar da aparição noturna, quer para o seu marido, quer para
qualquer outra pessoa. Mas quase esteve a ponto de convencer-se de que tudo não
passara de um sonho desagradável, que a deixara impressionada. Todavia, na
noite seguinte, as suas dúvidas se dissiparam. Mais uma vez, na Hora do Boi, os
cães começaram a uivar e a ganir. Novamente ouviu o tilintar do sino, vindo do
jardim, aproximando-se lentamente. De novo tentou, em vão, levantar-se e gritar
por alguém. Mais uma vez a morta entrou no quarto e disse-lhe, com a voz
sibilante:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Tens de ir embora! E a ninguém dirás por que partiu.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Se contas alguma coisa a Ele, um sussurro que
seja, eu te farei em pedaços!...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Desta
feita, achegou-se bem à cama e, inclinando-se, ficou a murmurar e a mover-se
como uma foice oscilante sobre a jovem. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Na
manhã seguinte, quando o samurai regressou do castelo, a jovem esposa
prostrou-se diante dele, suplicando:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Eu te imploro — disse ela — que perdoe a minha ingratidão e grande descortesia
ao dirigir-me a ti desta maneira, mas quero voltar para casa. Quero ir-me
embora imediatamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Tu não és feliz aqui? — perguntou ele, sinceramente surpreso. — Alguém se
atreveu a ser pouco delicado contigo durante a minha ausência?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Não é isto — ela respondeu, soluçando.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>—
Todos têm sido muito bons comigo... Mas não posso permanecer como tua esposa.
Tenho que partir. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Minha querida — exclamou ele, deveras espantado —, é muito doloroso saber que
tiveste algum motivo de infelicidade nesta casa.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas não posso imaginar a razão para que
queiras partir...<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A menos que alguém
tenha sido muito indelicado contigo. Decerto, não me queres dizer que pretendes
o divórcio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Ela respondeu, tremendo e chorando:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—Se
não me deres o divórcio, eu morrerei!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ele
permaneceu em silêncio durante alguns instantes, tentando debalde descobrir
algum motivo para aquela surpreendente declaração. Então, sem trair qualquer
emoção, respondeu:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Mandar-te de volta ao teu lar, sem qualquer falta da tua parte, seria uma
atitude vergonhosa. Se me disseres alguma boa razão para o teu desejo —
qualquer motivo que me permita explicar as coisas honrosamente —, posso dar-te
o divórcio. Mas, a menos que me dês uma razão, uma boa razão, não o concederei,
pois a honra de nossa casa deve ser mantida acima de qualquer reproche. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Então,
ela se viu obrigada a falar e lhe contou tudo, acrescendo, numa agonia de
terror:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Agora que te contei tudo, ela vai me matar! Vai me matar!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Malgrado
fosse um homem corajoso e pouco propenso a acreditar em fantasmas, o samurai
ficou mais que surpreso por um instante. Todavia, uma explicação simples e
natural logo afluiu à sua mente. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">—
Minha querida — disse ele —, estás muito nervosa e receio que alguém te tenha
contado histórias tolas. Não posso conceder-te o divórcio somente porque
tiveste um pesadelo nesta casa. Mas realmente lamento que tenhas sofrido tanto
durante a minha ausência. Terei que ir, também nesta noite, ao castelo. Não te
deixarei, contudo, sozinha. Ordenarei a dois de meus antigos e leais serviçais
que montem guarda em teu quarto. Assim, poderás dormir em paz. São bons homens,
que tomarão todos os cuidados possíveis para proteger-te. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Em
seguida, falou-lhe com tanta consideração e carinho que ela se sentiu quase
envergonhada de seus terrores. Assim, resolveu permanecer naquela casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">III<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Os
serviçais encarregados de cuidar da jovem esposa — homens fortes, valentes e de
coração simples — eram experientes guardiões de mulheres e crianças. Contaram à
jovem esposa histórias agradáveis para mantê-la alegre. Ela conversou com eles
durante muito tempo, riu daquelas tiradas bem-humoradas, e quase esqueceu os
seus temores.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Quando, finalmente, ela se
recolheu para dormir, os guardiões tomaram os seus lugares em um canto do
aposento, atrás de um biombo, e começaram a jogar uma partida de <i>go<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20PROMESSA%20QUEBRADA%20-%20Koizumi%20-%20Final.docx#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[3]</span></b></span><!--[endif]--></span></span></a></i>,
falando apenas em sussurros para não a perturbar.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Ela dormia como uma criança.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Todavia,
na Hora do Boi, ela despertou, mais uma vez, com um grito de terror... Ouvira o
tilintar do sino! O sonido já estava bem perto e se aproximava cada vez mais.
Ela se ergueu e gritou, mas não havia qualquer movimento no quarto, apenas um
silêncio tumular, um silêncio crescente, que se tornava cada vez mais denso.
Correu para os guardiões. Estes estavam sentados diante do tabuleiro, imóveis,
e se miravam com olhos fixos. Ela, gritando, chamou por eles e os sacudiu.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas eles estavam hirtos, como que congelados.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Mais
tarde, eles disseram ter ouvido o sino e, também, o grito da jovem esposa. Até
mesmo sentiram que ela tentava tirá-los do transe.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>No entanto, não foram capazes de se mover ou
falar. A partir deste instante, deixaram de enxergar ou ouvir: um sono negro
havia-se apoderado deles. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ao
amanhecer, quando entrou na câmara nupcial, à luz mortiça de uma lamparina, o
samurai contemplou o cadáver decapitado de sua jovem esposa, que jazia numa
poça de sangue. Os guardiões ainda dormiam, agachados diante do jogo
inconcluso. Ao grito de seu amo, levantaram-se e, estupidamente, encararam o
horror a seus pés...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Não
se via a cabeça. A ferida hedionda testemunhava que a cabeça não havia sido
cortada, senão arrancada. Um rastro de sangue estendia-se da câmara à galeria
exterior, onde as portas protetoras de intempéries pareciam ter sido fendidas.
Os três homens seguiram o rastro até o no jardim, atravessaram o gramado e os
espaços de areia, ao longo da margem de um lago iridescente, sob as espessas
sombras de cedro e bambu. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">De
súbito, numa curva, eles se acharam cara a cara com algo que parecia saído de
um pesadelo, e que se agitava como um morcego: a figura da mulher, há muito
sepultada, erguida diante do próprio sepulcro. Em uma das mãos, trazia o
pequeno sino; na outra, a cabeça, ainda gotejante de sangue, da jovem esposa.
Por um instante, os três ficaram paralisados. Então, um dos homens armados,
proferindo uma invocação budista, golpeou com a espada a coisa, que,
instantaneamente, desmoronou, dispersando sobre o chão farrapos de mortalha,
ossos e cabelos.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E desta ruína escapuliu
o sino, rolando e tilintando...<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas a
mão direita, descarnada, embora segregada do pulso, ainda se contorcia, aferrada
à cabeça decepada. E os seus dedos retalhavam e mutilavam aquela cabeça, assim
como as pinças de um caranguejo amarelo agarram e destroçam, rapidamente, um
fruto caído ao chão...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">*<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">[— Esta é uma narrativa
perversa — eu disse ao amigo que me contara a história.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— A vingança dos mortos, caso tivesse de ser
cumprida, deveria recair sobre o homem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">— É dessa maneira que
os homens pensam — ele respondeu. — Mas não é assim que que as mulheres reagem
a tal insulto...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14pt; line-height: 107%;">Ele tinha razão.]<o:p></o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20PROMESSA%20QUEBRADA%20-%20Koizumi%20-%20Final.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"> Nome póstumo.
(N. do T.)<o:p></o:p></span></p>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20PROMESSA%20QUEBRADA%20-%20Koizumi%20-%20Final.docx#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"> Ente 1h e 3h da
madrugada. (N. do T.)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UMA%20PROMESSA%20QUEBRADA%20-%20Koizumi%20-%20Final.docx#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12pt;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[3]</span></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 12pt;"> Jogo
estratégico de tabuleiro. (N. do T.)</span></p></div><div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><o:p> </o:p></p>
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-62249575551911999232024-02-21T18:09:00.000-03:002024-02-21T18:09:06.583-03:00O VELHO MEFISTOFÉLICO - Conto de Terror - Rogério Silvério de Farias<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgumqvMQRjvUObiKZjdS8QJV-Yb54_Dk4kUnizT8GeFQ8MMVpdCL97Rn36FZN-cHkbmMCLXQV20WJfnd8hAuNL4cfx3uXAuKu7cIRmcZBRF4pHpv8CVAH9jwfd27kbxVI4GOkLrQQQa_l-KHDud-8hH_Fsa3ewJFf2SCbyBgeeHuNc-4sFRMcf1fGZlmdY/s1024/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgumqvMQRjvUObiKZjdS8QJV-Yb54_Dk4kUnizT8GeFQ8MMVpdCL97Rn36FZN-cHkbmMCLXQV20WJfnd8hAuNL4cfx3uXAuKu7cIRmcZBRF4pHpv8CVAH9jwfd27kbxVI4GOkLrQQQa_l-KHDud-8hH_Fsa3ewJFf2SCbyBgeeHuNc-4sFRMcf1fGZlmdY/w640-h640/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO.png" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">O VELHO
MEFISTOFÉLICO<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Rogério Silvério de Farias<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ali,
bem no topo daquele morro, aquele casarão antigo e sinistro mais parecia um
monumento tétrico em louvor a tudo de ruim e malévolo engendrado pela mente
humana no decorrer das eras sem fim. Era um casarão de madeira negra, alto, com
poucas janelas. O estilo da construção lembrava o gótico. <i>Lembrava</i>;
arquitetura igual àquela nunca se tinha visto antes, tal era sua estranheza. Os
contornos da casa, a sua silhueta escura no topo da colina, realçava-lhe o
aspecto sinistro, amedrontador, mal-assombrado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Quando
o frio inclemente fustigava como um chicote invisível os dias e as noites, uma
bruma esbranquiçada e fantasmagórica, vinda do mar, circundava a casa toda,
envolvendo-a como um manto, rodopiando numa lenta e aziaga coreografia,
parecendo querer assombrar ainda mais a sombria vivenda e o próprio local,
trazendo horrendos eflúvios e vozes quase imperceptíveis que mais pareciam o
grito de todos os demônios do medo incrustados na mente dos mortais condenados
à sina da carne e do sangue, à dor no destino da cruz da vida humana no mundo
da angústia e da morte.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Então
tudo se enchia de sombras e medo, tudo parecia ficar mais carregado, mais
sombrio, mais apavorante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Naquele
casarão medonho vivia o ancião. Era um velho solitário, esquisito, arredio.
Meio misantropo e meio anacoreta. Era na verdade, esse velho, um tipo
terrivelmente esfíngico, enigmático. Misterioso como um habitante não- humano
do plano astral.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Quem passasse ali por perto, poderia ver por
uma das poucas janelas envidraçadas sua silhueta negra passando, lá dentro, em
meio à penumbra, como um fantasma demente na quarta dimensão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Que
mistério guardava aquela criatura macróbia<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>
pouca gente sabia. Ninguém sabia ao certo de onde viera, qual seu ofício, a que
família pertencia, do que vivia. Para muitos, era um mistério irritante, mas ao
mesmo tempo assustador. O velho parecia ter vindo do passado longínquo, de um
tempo remoto, tamanha era sua longevidade. Seus olhos estranhos, apesar de
quase sem brilho algum, denotavam uma sabedoria oculta há muito esquecida pela
atual civilização humana.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
povo do lugar – uma pequena cidade chamada Coirela Grande – era do tipo bem
supersticioso. Assim, como quase sempre a superstição é a mãe de todas as
lendas, surgiram ao longo dos anos inúmeras histórias atemorizantes acerca do
tal velhote sinistro. E logo o ancião tornara-se um verdadeiro patrimônio vivo
do medo e do horror, uma verdadeira lenda viva da minúscula Coirela Grande.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Havia
quem dissesse que o tal velho era apenas um ancião caduco, um vetusto
excêntrico cuja mente envergara com o peso dos anos e os horrores da vida e do
mundo, e que, agora, não sabia de mais nada, perdendo-se por completo nos
labirintos inextrincáveis da insanidade e da solidão senil. Mas a grande
maioria – particularmente a arraia-miúda de Coirela Grande - persistia em
afirmar que o velhote sabia de coisas que não deveriam ser descobertas, nem
levadas ao público profano. Ele sabia de coisas estranhas, com certeza coisas
deste e do outro mundo! Na verdade, afirmava-se que ele era uma espécie de <i>hierofante</i><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>,
ou seja, um cultor das ciências ocultas. Que ele tinha realmente o dom de
confabular com os espíritos dos mortos e dos demônios inumanos que habitam os
mundos invisíveis que certamente coexistem com o nosso num intercâmbio quase
que totalmente secreto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Para
os menos incrédulos restava apenas o consolo do velho brocardo de que por trás
de uma lenda há sempre uma raiz de verdade.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Pouca
gente gostava de passar por perto da casa do velho misterioso, e, para os mais
místicos, toda a sua casa parecia envolta por uma aura mefítica de horror e
morte tenebrosa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Nas
noites mais escuras, quando as sombras sinistras sedimentam todos os medos
desvairados arraigados como cânceres negros na alma humana, ouvia-se um som
estranho e assustador como o lamento de um fantasma torturado no<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">fogo
do Inferno: o estranho som de um teremim<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>!
Sim, um magnífico e estranho teremim! Todos sabiam que era o velho excêntrico
quem o tocava. Era uma das poucas coisas que o povo sabia a seu respeito: ele
era um amante das artes; sua música, bem como as estranhas e grotescas estátuas
na frente do casarão atestavam isso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Neste
velho mundo de desgraçados e miseráveis, existe gente de toda laia, gente capaz
de tudo para ver o seu maldito e mesquinho <i>ego</i> se dar bem na vida, gente
que é capaz até mesmo de desafiar os arcanos do sobrenatural, execrá-los,
zombar deles como se fossem umas pilhérias ridículas. Gente que não sabe que
certas coisas precisam ser deixadas envoltas pelo véu do mistério, para que não
tornem este mundo ainda mais ruim e para que não enlouqueçam ainda mais o pífio
animal humano.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">João
Gadanho e Chico Saca-Boi eram exemplos desse tipo de pessoa. Além de ateus,
eram à-toas. Típicos párias, safardanas gerados no ventre da miséria. A
desesperança e o ódio eram as vitaminas perfeitas de seus cérebros degenerados.
E, ainda por cima, os dois faziam da rapinagem o seu ganha-pão. Larápios,
assaltantes. Safados no grau máximo, no grau absoluto, por assim dizer.
Malandros, dois <i>escrunchantes</i><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></span></a><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de primeira.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Enfim, dois<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>rebotalhos<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da sociedade.
Marginais cujo lema precípuo era: tudo por dinheiro custasse o que custasse,
doesse a quem doesse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Numa
certa noite em que a lua cheia cintilava esplendidamente no céu como uma deusa
nua de mortiço fulgor, espalhando sua voluptuosa luz perolada sobre o mundo
escuro dos homens, eles dois resolveram assaltar o velho esquisito. Morando
numa casa grande como aquela, o diabo velho provavelmente teria muita grana,
talvez tesouros ocultos de incalculável valor!... Assim raciocinavam os dois
ladrões, estúpidos como eram...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Seria
moleza, os dois ratoneiros acreditavam. O velhote não tinha nem cães, o lugar
era meio afastado do centro da cidade, tudo uma maravilha perfeita para ladrões
como João Gadanho e Chico Saca-Boi.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Enquanto
caminhavam furtivamente pelas sombras da noite, os dois sem-vergonhas
confabulavam como dois demônios noturnos, arquitetando o plano diabólico:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Acho que vai ser moleza, Gadanho. Mais moleza do que tirar pirulito de criança.
O tal velho esquisitão vive sozinho como um bicho-do-mato. É coisa rara o
traste sair de casa. É meio louco, dizem. Ouvi dizer que o velho tem parte com
o Demo, que ele é ruim como o Zarapelho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
É mesmo, Chico? — fez o escanifrado Chico Saca- Boi, que tinha os dentes da
frente bem proeminentes, para fora, como se fosse um limpa-trilhos, o que,
aliás, lhe valera o apelido: <i>Saca-Boi</i>. — Então o velho é ruim, é? Quando
ele nos conhecer, vai saber o que é ruindade de verdade, parceiro!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
os dois <i>cafunjes<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[5]</span></b></span><!--[endif]--></span></span></a></i>
gargalharam na noite aziaga como hienas prestes a avançar sobre um animal
moribundo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">João
Gadanho tossiu, cuspiu para o lado, e falou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Agora, vamos! E não esquece, Saca-Boi: se o velho empombar, a gente o despacha
pro Inferno mais cedo do que ele esperava...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
portão de ferro enferrujado foi empurrado com vagar, mas mesmo assim a
dobradiça guinchou alto como um demônio ferido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Os
dois ladrões caminharam pela pequena aléia macadamizada, em cujas margens
pequenos ciprestes tornavam o lugar ainda mais estranho e lúgubre. Flores
exóticas e multicores ornavam o pequeno jardim à frente dacasa, e seus perfumes
eram tão exóticos e inebriantes que chegavam a ser quase narcóticos. Em alguns
lugares, viam- se várias estátuas, estátuas estranhas aparentemente talhadas em
alguma espécie de pedra negra representando homens, crianças e mulheres de
todas as idades e de todas as épocas em poses grotescas, mórbidas e macabras.
Eram esculturas bem grotescas, aquelas. No semblante das ditas estátuas via- se
o medo e o desespero desenhados com maestria doentia. Aquelas obras de arte
tinham um estilo realmente assustador, apavorante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Cada estátua esquisita...Olha só, Saca-Boi!.. São tão esquisitas, mas parecem
terrivelmente reais! — disse João Gadanho, apontando com o queixo para uma
delas, uma mulher com roupas muito antigas, em cujo rosto via-se uma verdadeira
máscara de medo, agonia e dor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
É... Quem será que esculpiu essas coisas horrorosas? O velho?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Claro!...O velho louco, na certa? — arriscou Chico Saca-Boi, meio irônico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Pode ser mesmo. Ele deve ser um artista. Todo artista é meio louco. São uns
esquisitos, esses sujeitos, os artistas!...O mundo não os entende, tampouco
eles entendem o mundo...Tive um tio artista — pintor! — na minha família;
morreu louco num hospício, o coitado...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Caminharam
um pouco mais, até a soleira da porta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Agora passe o pé-de-cabra, Saca-Boi — pediu João Gadanho, murmurando.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Toma aqui! — Chico Saca-Boi entregou a ferramenta que trazia oculta debaixo do
velho e sujo sobretudo que ele roubara da casa de um leguleio<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[6]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>
que o livrara da cadeia, certa vez.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">João
Gadanho ficou surpreso ao constatar que a porta não precisaria ser arrombada.
Simplesmente a porta não estava trancada...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Ué?... Aberta? A droga da porta <i>tá</i> aberta, Saca-Boi...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O velho já deve estar bem caduco mesmo...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Bem, vamos entrar e <i>apavorar</i>, então. A droga do pé- de-cabra terá uma
outra utilidade, se o velho reagir — e João Gadanho soltou uma risadinha
malvada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
casa estava às escuras. Provavelmente o ancião já estaria entregue ao sono, a
dupla acreditava.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Mas que porcaria! Isto aqui está escuro como um túmulo! Não consigo ver quase
nada. Acende logo a maldita lanterna, Saca-Boi — disse João Gadanho,
murmurando.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Chico
Saca-Boi retirou do bolso do sobretudo uma pequena e velha lanterna,
acendendo-a de imediato.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
foco de luz passeou pelos cantos da casa como um fantasma vadio. Tudo era
examinado detalhadamente. Todas as coisas de real valor seriam levadas pelos
dois gatunos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O cheiro de mofo desta casa é pior do que a fedentina de um cadáver podre, cara
— comentou João Gadanho. — Será que o velho não abre as janelas nem de dia?
Vive enfurnado aqui o tempo todo, neste fedor miserável? Além de louco é
porcalhão?...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Eles
começaram a vasculhar tudo. Constataram que no andar inferior não havia muita
coisa a levar. Havia uma grande quantidade de quadros na parede, representando
épocas passadas, mas isso decididamente não interessava aos dois. Somente
levariam dinheiro vivo, pratarias e jóias. A arte não representava nada para o
par de pífios gatunos: aproveitaram para riscar e quebrar algumas telas como
verdadeiros vândalos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Foram
até a biblioteca da casa. Era grande, espaçosa, repleta de obras raríssimas.
Nada encontraram que lhes chamasse atenção. Livros também decididamente não
interessavam a tipos como Chico Saca-Boi e João Gadanho. No entanto, um grande
volume sobre um atril de ébano despertou a curiosidade de João Gadanho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Dá uma olhada nesta droga aqui, Saca-Boi...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Era
um livro enorme, de capa negra e dura, o título sobressaindo-se em letras
góticas e douradas: LIVRO NEGRO DAS ARTES MÍSTICAS, AUTOR ANÔNIMO.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Além de esculpir, o velho é chegado em magia negra e satanismo... — disse João
Gadanho, apontando o livro com o queixo para Chico Saca-Boi.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">João
Gadanho folheou o livro, iluminando as páginas com a luz da lanterna. Estranhos
símbolos ornavam capítulos inteiros dedicados às artes místicas. Foram tais gravuras
que despertaram interesse naqueles dois, não os textos em si, já que não
entendiam quase nada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Eles
pararam de olhar o livro quando ouviram passos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Passos
lentos, trôpegos. Vinham do andar de cima.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Então
o foco da lanterna foi dirigido ao cenho daquele ancião. Ele era um velho
medonho, apoiado em uma bengala cujo castão lembrava um crânio humano. Os olhos
do velho eram horrendos, sem brilho, pareciam os de um abutre morto ou de
alguém com catarata em seus estágios mais avançados. Seu rosto horrivelmente
encarquilhado, sua pele seca e lívida, tudo lhe dava a aparência de um
verdadeiro morto-vivo. As escassas cãs rareavam, revoltas, cabeça acima,
denotando sua idade avançada. Trajava uma espécie de roupão púrpura antigo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—<span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Vieram apreciar a minha arte, por
acaso?... — falou o velho, rindo de um modo estranho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">João
Gadanho, com o pé-de-cabra em riste e os dentes rilhados numa expressão de
raiva, falou ameaçadoramente, a medida em que subia a escada, seguido por Chico
Saca-Boi, que segurava a lanterna, focando a luz no rosto sinistro do ancião:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Velho, ouça bem: queremos toda a grana e tudo o mais que você tiver de valor. E
não tente reagir, senão vamos ter que acabar com você!...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O que eu tenho de real valor, vocês jamais conseguirão tirar-me, seus velhacos!
— disse o velho, fazendo um esgar de escárnio, amparando-se na balaustrada. Com
sua voz gutural e fraca, ele tornava-se ainda mais assustador.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
E o que você tem de real valor que a gente não possa tirar, velho? — quis saber
Saca-Boi, curioso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
A potência eletromagnética de meu espírito, meu caro!...</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Vá pro Inferno, velho caduco! — urrou João Gadanho, perdendo a paciência e
desferindo um golpe na testa do velho com o pé-de-cabra. O ancião caiu no
escuro, rolando escada abaixo como um porco velho abatido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Iluminando
com a lanterna, Chico Saca-Boi falou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Olha só, o bicho velho se contorce de dor lá embaixo, no chão...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Esse não enche mais o saco.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
eles seguiram em frente, resolutos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
velho, caído ao chão e soerguendo com dificuldade a cabeça, olhou-os de soslaio
e riu debochado, enquanto o sangue escorria denso por seu rosto. Por um
instante pareceu murmurar numa língua estranha. Não pareciam simples frases,
mas talvez algum tipo de conjuração estranha ou algo parecido...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">João
Gadanho e Chico Saca-Boi seguiram por um corredor às escuras. E foram dar no
ateliê onde o ancião fazia sua arte estatuária.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ali,
uma imensa claraboia deixava ver a grande lua cheia no céu estrelado da
meia-noite; o luar iluminava estranhamente o sótão que servia de estúdio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Os
dois meliantes não entendiam muito de arte, mas estranharam o fato de não haver
ferramentas usadas por escultores, como martelo e cinzel, por exemplo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Havia
uma enorme quantidade daquelas grotescas e bizarras estátuas espalhadas por
aqui e ali, algumas cobertas por grandes lençóis brancos empoeirados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Havia
também o estranho teremim, colocado sobre um pequeno pedestal que mais parecia
um pequeno altar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">No
centro do recinto, sete globos de cristal vermelho brilhavam sobre um pedestal
de aço reluzente, no qual se enroscavam sete serpentes esculpidas em bronze.
João Gadanho especulou se era obra do velhote também.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Nisso,
um rastejar sinistro se fez ouvir.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Os
dois ladrões esbugalharam os olhos. Viraram-se e puderam ver, no umbral da
porta, o terrível ancião. Ele se arrastara até ali, e agora os fitava com o seu
horrível olhar de sarcasmo, loucura e maldade. O rosto ensanguentado do velho o
tornava ainda mais assustador e diabólico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Você de novo, seu <i>traste</i> velho do Inferno! — rosnou João Gadanho, os
dentes cariados rilhados numa expressão clara de raiva. — Pensei que tivesse
dado cabo em você!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Com
extrema dificuldade, e com um filete de sangue escorrendo pelo rosto, o velho
ergueu-se, amparando-se em sua bengala e encostando o ombro no umbral da porta.
Fuzilou os meliantes com seu olhar macabro e místico, depois falou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
<i>Vasos ruins não quebram</i>, diz o ditado popular. É espantoso a capacidade
do povo de proferir axiomas. Bem... Seria preciso muito mais que uma simples
agressão física para me matar, seus inúteis. Além do mais, fiquem certo de que
não temo a morte como a maioria dos boçais da humanidade. A morte é a chave que
abre o portal místico que precisa ser atravessado para um novo ciclo nas
eternas rondas <i>evolucionantes</i> da consciência eterna!... A carne é apenas
o <i>recipiendário<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[7]</span></b></span><!--[endif]--></span></span></a></i>
efêmero do espírito imortal. Procurem entender, mesmo diante da precariedade de
seus intelectos, seus malditos imbecis...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Cala a boca, velho desgraçado! Você fala demais! — berrou Chico Saca-Boi, em
fúria; na verdade, ele estava espumando de raiva: um filete tênue de baba
descia pela comissura da boca, a veia do pescoço latejando de cólera.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
É isso aí! Fica caladinho, senão eu pego esse pé-de- cabra e acabo com a tua
raça de uma vez por todas! Ouviu, seu velho desgraçado? OUVIU?...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Pobres ineptos!... Foi muita estupidez vocês terem penetrado em meus domínios e
ainda por cima ameaçar-me assim... <i>stultorum infinitus est numerus</i>! —
falou o velho, rangendo estranhamente os dentes. — Se vocês ao menos pudessem
pressentir o destino negro que os aguardam, ficariam mais dóceis, clamariam por
misericórdia, como vermes imprestáveis que são.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
então o velho olhou para o céu noturno. Bem acima deles, visto através do vidro
empoeirado da claraboia, a lua cheia brilhava intensamente, agora aziaga,
sinistra, mística, e, ao redor dela, estrelas cintilavam como olhos de aranhas
na escuridão de uma tumba cósmica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
velho estranho e ruim deu alguns passos trôpegos, adentrando seu lugar de
criação. Depois ergueu os braços, sem baixar os olhos do firmamento. Com um tom
de voz ainda mais solene e lúgubre, ele disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Aproxima-se a hora, seus tolos! Tudo corre como o previsto. É <i>sempre assim</i>.
Agora as estrelas além da loucurajá estão posicionadas adequadamente, e os
astros funestos contribuem novamente para o ritual mágico-artístico! Exatamente
ao badalar da meia-noite, quando a lua estiver no píncaro do céu negro, sob o
sétimo signo místico que a governa, e os espíritos serviçais dos quatro
elementos estiverem no auge de suas cóleras, as forças incógnitas imanentes às
trevas alcançarão o seu auge outra vez!... Sim, para se invocar certas forças
espirituais eletromagnéticas, deve-se conhecer os algarismos matemáticos,
realizar cálculos mágicos, e foi isso que eu fiz...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Ih, Gadanho! — riu Chico Saca-Boi, debochado. — O velho filho da mãe tá gagá,
mesmo! Não fala coisa com coisa...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Acho que depois que eu lhe dei uma cacetada com o pé-de-cabra ele pirou de
vez... — disse João Gadanho, sardônico. — Talvez uma outra pancada o cure.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Esperem, <i>lapantanas</i><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[8]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>!
— falou o velho, sem levantar a cabeça, sem tirar os olhos do céu escuro visto
através da clarabóia. — Preparem seus espíritos, preparem suas carnes!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Aproxima-se
o zênite místico! É chegada a hora do ritual de sacrifício para a realização de
mais uma obra de arte daquilo que os tolos chamam de sobrenatural!... <i>Caput
mortum, imperet tibi dominus per vivum et devotum serpentem!... Cherub, imperet
tibi dominus per Adam Jot-Chavah! Aquila errans, imperet tibi dominus per alas
tauri!... Serpens, imperet tibi dominus Tetragrammaton, per angelum et
leonem!...<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Com
dificuldade extrema, ele se aproximou do teremim e começou a tocá-lo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Ouçam, agora... <i>o soberbo recital do Inferno! </i>— berrava o velho, em
júbilo sarcástico, tocando o teremim. — <i>A estupenda música das esferas do
morte!...</i><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
o velho tocava freneticamente o teremim, movimentando suas mãos, ora
aproximando-as, ora afastando-as do estranho e mágico instrumento musical
eletromagnético. Parecia que o velho fazia um manossolfa para uma orquestra de
espectros e demônios invisíveis. O som obtido era estranho e assustador. No
silêncio sepulcral da noite maldita, soava quase como o gemido de uma alma
torturada nas antecâmaras do Inferno.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Para com essa droga aí, velho miserável! — urrou João Gadanho. — Esse som <i>tá
</i>me deixando louco!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Que porcaria de instrumento esquisito é esse? — também gritou Chico Saca-Boi,
tapando os ouvidos com as mãos em concha. — <i>Para com essa droga, velho!</i><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
estranho som do teremim agora parecia perfurar os tímpanos daqueles dois
safardanas como um invisível punhal ardente. Era um som insuportável. Suas
cabeças pareciam querer explodir como balões frágeis tamanha era a dor
lancinante que sentiam.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Além
da dor insuportável que os fazia se curvarem, uma estranha e elétrica dormência
tomava conta de seus corpos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Gadanho, não consigo mexer minhas pernas...Parece que elas estão sendo
atravessadas por uma eletricidade do Inferno! — disse Chico Saca-Boi.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
As minhas também, Saca-Boi! Que diabo é isso?...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
velho, olhando-os com sarcasmo, e sem parar de tocar o teremim alucinante,
falou-lhes:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Vocês estão virando mais duas obras para a
minha coleção de arte macabra. Este teremim mágico está completando meu
trabalho de encantamento. Breve, vocês conhecerão a eternidade sob a forma de
estátuas vivas!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Ficou louco, velho? Que diabo de conversa é essa? — gritou João Gadanho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Diminuindo
um pouco a intensidade do som do teremim, ele falou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Há muito tempo, através de um ritual que eu aprendi num velho livro de magia
negra, eu evoquei Mefistófeles, e com ele fiz um pacto para que ele me livrasse
de um mal incurável. E ele me livrou. De certo modo, passamos a viver numa
espécie de simbiose. Agora o meu eu parece fazer parte do dele, ou algo assim.
Em troca, porém, Mefistófeles exigiu-me um diabólico estipêndio: que eu
aprisionasse o maior número possível de almas ruins que consomem este mundo
insano, através de um encantamento que ele mesmo veio a me ensinar. Assim, de
sete em sete anos, gente perversa como vocês entram em minha casa guiada por
uma sina incompreensível demais até mesmo para o meu intelcto. Minha casa
funciona então como uma <i>ratoeira </i>infernal. Com a magia do teremim
encantado e as forças mágicas do luar, junto com determinado posicionamento das
estrelas malditas e energias eletromagnéticas dos mundos invisíveis, o ritual
de aprisionamento das almas sórdidas é completado, e então...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Então o que, velho desgraçado? — urrou Chico Saca- Boi.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Então as vítimas ficam num estado que eu chamo de <i>morte em vida!</i> Sim,
pois mesmo transformadas em estátuas, a consciência de cada vítima ainda
permanece neste mundo, sob a forma pétrea de uma estátua até o final dos
tempos! A vítima passa a viver numa terrível imobilidade, como se fosse uma
pedra viva! Esta, meu caro, é a grande <i>Magia Mefistofélica!...</i><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ao
som do teremim sinistro, um raio mais forte de luar atravessou a claraboia e
incidiu em cheio nos sete globos de cristal vermelho sobre o pedestal com as
serpentes de bronze. Ao mesmo tempo, batia a meia-noite. Uma luz vermelha
manchou os semblantes apavorados dos dois ladrões. Não houve tempo dos dois
malandros gritarem de terror, antes de se tornarem frias estátuas de pedra para
sempre. Os olhos deles foram a última parte a sofrer a terrível transformação
produzida pelo sortilégio, de modo que puderam ver, com terrível assombro e
pavor, o deboche e o sarcasmo daquele estranho ancião.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Aquele
velho sinistro então soltou uma gargalhada satânica que retumbou
assustadoramente na noite, juntamente com o som infernal do teremim mágico que
ele tocava endiabradamente. Ele estava exultante, afinal, a macabra coleção de
estátuas aumentara consideravelmente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Se
algum dia o leitor passar por Coirela Grande, não deixe de reparar no casarão
no alto daquele morro, com algumas das estranhas e amedrontadoras estátuas bem
na frente. Talvez até o leitor reconheça os infelizes João Gadanho e Chico
Saca-Boi. Mas apenas passe e olhe rapidamente. E passe e olhe bem de longe.
Talvez, se tiver um pouco de sorte, verá na janela o vulto daquele velho
mefistofélico e ouvirá aquela estranha e insuportável música tocada por ele...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Imagem: R. S. de Farias/Copilot<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> Que ou quem tem
idade muito avançada (N do A.).<o:p></o:p></span></p>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">
Aquele que se presume único conhecedor dos mistérios, das ciências ou das
artes. Cultor das ciências ocultas, adivinho (N. do A).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[3]</span></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">
Instrumento eletromagnético, baseado no princípio do radar, cujos sons são
obtidos por movimentos da mão aproximando-se ou afastando-se dele. O teremim é
único por não precisar de nenhum contato físico para produzir música e foi, de
fato, o primeiro instrumento musical projetado para ser tocado sem precisar de
contato, pois é executado movimentando-se as mãos no ar (N. do A).</span></p></div><div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftnref4" name="_ftn4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[4]</span></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;"> Escrunchante: arrombador, assaltante (N. do
A).</span></p></div><div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftnref5" name="_ftn5" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[5]</span></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">
Moleque arteiro e vadio. 2 Gatuno, ladrão (N. do A).</span></p></div><div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftnref6" name="_ftn6" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[6]</span></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">
Advogado chicaneiro; rábula N. do A).</span></p></div><div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftnref7" name="_ftn7" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[7]</span></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">
Aquele que é recebido em uma academia, em uma corporação de letrados, de
sábios, com certo cerimonial.</span></p></div><div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/O%20VELHO%20MEFISTOF%C3%89LICO%20-%20ROG%C3%89RIO%20SILV%C3%89RIO%20DE%20FARIAS.docx#_ftnref8" name="_ftn8" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt; line-height: 107%;">[8]</span></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype", serif; font-size: 12pt; line-height: 107%;">
Pessoa simplória, idiota.</span></p></div><div id="ftn8" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><o:p> </o:p></span></p>
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-24930975805239450642024-02-21T17:59:00.001-03:002024-02-21T17:59:27.686-03:00O CAIPORA - Conto Clássico Sobrenatural - Viriato Padilha<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitgI0H7S7fqKBkAWZbtSz7MIR4K4Ybp_nOGBO-ff2PYf_yTdqWoqeL7RQFFvFm-CPHW9BdcZLZcJsrvKhVMV5WyboWurEq5fUUtoThy_DUq_yiltHOoC2OPieENKWr7s_gbBJYErpRje99uV6RPQzW1f-Hp-uMoIPfxJelzww7UfV43TnLpCykpjas6Eg/s604/caipora.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="604" data-original-width="422" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitgI0H7S7fqKBkAWZbtSz7MIR4K4Ybp_nOGBO-ff2PYf_yTdqWoqeL7RQFFvFm-CPHW9BdcZLZcJsrvKhVMV5WyboWurEq5fUUtoThy_DUq_yiltHOoC2OPieENKWr7s_gbBJYErpRje99uV6RPQzW1f-Hp-uMoIPfxJelzww7UfV43TnLpCykpjas6Eg/w448-h640/caipora.png" width="448" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">O CAIPORA<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Viriato Padilha<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(1866 – 1924)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Um
dia, perguntei ao velho Dominguinhos por que motivo ele, que quase não saía do
mato, todavia não caçava durante o mês de agosto. A resposta que obtivemos foi
a pequena história que dentro em pouco vamos relatar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Contudo,
antes de principiarmos essa narração, precisamos fornecer alguns
esclarecimentos sobre o importante personagem que nela vai figurar como
principal ator.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
velho Dominguinhos era um pardo de setenta anos bem puxados, pequenino, magro,
enfezado mesmo, porém vivo, e o mais hábil e apaixonado caçador que temos
conhecido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Dominguinhos
caçava desde menino. Durante toda sua juventude e idade madura, batera de
espingarda ao ombro as nossas formosas florestas, e ainda no ultimo quartel da
vida não saía do mato.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
caça constituiu, por toda a sua longa existência, a exclusiva profissão e o
único vicio que tinha. Com a caça e pela caça considerava-se um mortal feliz, e
na verdade o era.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ninguém
melhor do que ele arremedava as aves, ninguém como ele farejava um veado ou uma
paca.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Dominguinhos
conhecia perfeitamente todas as matas da vizinhança do lugar em que residia, e
mesmo as dos municípios limítrofes. Era sabedor perfeito dos sítios por onde
passavam varas de caitetus e queixadas, de todas as pastagens dos veados; poços
em que iam refocilar-se as capivaras; das trilhas das pacas, dos muricis, a que
se juntavam os jacus; dos poleiros dos macacos; dos taquarais por onde vagavam
as capivaras; era perito em fabricar mundéus, arapucas, laços de força,
quebra-cabeças, de pegar pelhas; conhecia perfeitamente os usos, costumes e
manhas de todos os animais, desde o lagarto até a onça, desde a rolinha ao
mutum, e sobre eles discorria de modo a fazer pasmar qualquer naturalista.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Além
disso, Dominguinhos era curado de cobra e como possuía antídotos eficazes
contra mordedura de qualquer ofídio, era muito estimado dos fazendeiros em
cujas casas passava todo tempo em que não estava no mato. Eram esse fazendeiros
ainda que abasteciam de pólvora e chumbo, pois Dominguinhos era paupérrimo e
toda a sua fortuna resumia-se na sua excelente espingarda Laport, em duas
cadelinhas já velhas, a Firmeza e a Namorada, e em um cachorro magro e pelancudo,
o Penacho.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
fisionomia de Dominguinhos denunciava a sua profissão. O seu rosto tinha
feições de bicho do mato; o seu focinho de tatu e os seus olhos espremidos,
porém espertos, e penetrantes, assemelhavam-se ao de uma raposa à espreita da
caça em um cerrado. O seu andar era macio, parecendo a todo momento querer
surpreender inhambós na latada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">No
mais, um bom homem. Nunca se ocupara em fazer nem bem nem mal a pessoa alguma.
As caçadas não lhe davam tempo de pensar no resto da humanidade, a não ser
quando se tratava de mordeduras de cobra, porque, então, entrava em cena com os
seus antídotos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Dominguinhos
era simplesmente um caçador, mas um caçador às direitas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Eis
o retrato do singular personagem a quem perguntei um dia por que motivo não
caçava durante o mês de agosto, tendo observado nele tão curiosa anomalia<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">*
* *<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Foi
assim que começou:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Desde
menino ouvia dizer que o mês de agosto era aziago, por causa do dia 24, que,
como vosmecê sabe, é o de S. Bartolomeu, quando tudo quanto é judeu anda solto
por este mundão de Cristo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ouvia
falar a miúdo que no mês de agosto não se devia fazer umas tantas coisas, e
principalmente não era bom gente internar-se na mataria, para não ter algum mau
encontro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ouvia
tudo isso; porém, vosmecê sabe que, quando a gente é moço, entra tudo por um
ouvido e sai por outro, até que afinal tantas se leva na cabeça que se toma
caminho, quer queira, quer não, mas à sua custa, e Deus sabe, às vezes com que
sacrifícios.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Assim
eles estavam falando pra aí que não era bom caçar no mês de agosto e eu todo o
dia no mato, até que de uma vez me estrepei deveras para nunca mais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Já
lhe conto como foi.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Foi
em uma véspera de S. Bartolomeu. Antes que a manhã rompesse, pus ao ombro a
espingarda, uma Laport trouxada, de confiança; enfiei o embornal da munição;
afivelei à cintura o facão; em outro embornal meti um pedaço de carne de vento
e farinha; e, com Deus, Nossa Senhora e os Anjos da Corte do Céu penetrei na
floresta.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Queria
ver de perto naquela madrugada um macuco que sabia estar empoleirado num
jaracatiá que havia bem no cocuruto da serra. O diabo do bicho andava a
fazer-me fosquinhas havia um par de dias; eu piava, ele respondia; tornava a
piar e ele vinha chegando, mas... quando já estava à distância do tiro, não sei
como o endemoninhado me avistava, e antes que tivesse tempo de levar a
espingarda à cara, lá ia ele, tic, tic, tic pela folharada seca em fora, que
ninguém mais o pegava.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ninguém
ignora que o macuco é um bicho muito ladino; quem não souber ou não tiver paciência
não o tira do mato, mas Deus está aí mesmo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Eu,
porém, nunca permiti que bicho algum tivesse mais astúcia do que eu e aquele
macuco estava jurado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Persegui-o
durante alguns dias, até que, afinal, numa tardinha, percebi que se empoleirava
num pé de jaracatiá e assentei de dar cabo dele no outro dia de manhã. Podia
ficar no mato aquela noite para fazer-lhe tocaia, mas não tinha trazido
mantimento, estava com fome e assim foi-me preciso vir dormir em casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Quando
entrei, ainda estava escuro. De uma ramalhada, levantava-se um bando de jacus,
de outra corria uma cotia, mas o meu primeiro tiro estava guardado para o
ladrão do macuco que me havia feito aguentar durante tantas horas as mordidelas
de pernilongos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Podia
aparecer qualquer caça, que dela eu nada queria. Enquanto não atirasse ao chão
o macuco do jaracatiá, e o não esganasse na minha fieira, o meu tormento não
cessaria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Fui
subindo, impassível sempre, indiferente de todo à grande quantidade de caça que
se me ia deparando pelo caminho. Quando o dia vinha rompendo, já estava no
cocuruto da serra, bem debaixo do jaracatiá.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Olhei
para a arvore: o macuco estava ali mesmo, de peito aberto para mim.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Vosmecê
nunca foi amigo de caçadas? Não pode, por conseguinte, fazer ideia da alegria
que se apossa de um homem que tem esse vício, quando estica o cano da Laport
para boa caça: um macuco, um veado, uma paca, uma anta etc. Qual! Até a
respiração da gente escapole do peito sem querer!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Fiz
pontaria, bem certa: queria ver o bicho dar um tombo redondo. O macuco já
estava reservado; seria um presente para o Dr. Chiquinho, moço muito meu
camarada e amante da caça.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Ah!
Meu senhor! Preferia antes ter perdido um olho ou o braço direito do que errar
aquele macuco! Fiquei danado da minha vida. Não pude conter-me e exclamei:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Vai-te, desgraçado, dou-te de presente ao Diabo!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
minha vontade era partir o cano da espingarda de encontro ao jaracatiá. Não o
fiz, todavia... Como?!... Uma espingarda que já havia matado onça! Não! Isso,
nunca!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Resolvi
voltar para casa, mas Deus, Nossa Senhora e os Anjos da Corte do Céu é que
sabiam como eu estava! Errar um macuco na bucha, e depois de uma trabalheira daquelas?!
Era para um homem nunca mais dar um tiro em toda sua vida.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Na
descida, novamente esbarrava com toda espécie de aves e de animais de caça. E
conservei-me ainda indiferente, mas desta vez raivoso, desesperado, pois que
caçador que erra macuco ou veado não deve dar mais um tiro durante sete
semanas. É uma vergonha!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Nisso,
ouço uma grande roncaria. Devia de ser uma vara de porcos que se aproximava.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Não — disse comigo mesmo —, porco do mato não passa de rabo em pé, perto de
mim. Isso mais devagar!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Carreguei
às pressas a espingarda, e trepei a um tronco que se achava perto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Você
deve saber que o porco do mato, logo que se esteja levantado do chão uns cinco
palmos, nenhum mal faz. porque não levanta os olhos e só morde para os lados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
tronco em que trepei era uma cepa de óleo-vermelho, que haviam derrubado para dele
se fazerem eixos de carro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
porcada cada vez roncava mais perto. Ah! Excomungados! Iam-me pagar o tiro
errado do macuco.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Pouco
depois, vi de fato a porcada surgir lá embaixo na grota. Eram inúmeros os
porcos. Escolhi um, que vinha de cachaço levantado e a estalar os dentes. Aquele
era meu, com certeza. Quando, porém, já ia puxar pelo gatilho, vi uma coisa,
que, ainda quando me lembro se me arrepiam as carnes. Que dia de S. Bartolomeu
mais arrenegado!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">No
fim da manada e montado no cachaço de um dos maiores porcos, vinha o Coisa Ruim!....
Nem era bicho, nem era gente!...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Parecia-se,
em verdade, com um homem, mas tinha o corpo todo peludo e era de rosto fechado.
Mas, o que é ainda mais para admirar, o Maldito trazia a tiracolo o macuco que
eu havia errado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Lembrei-me,
então, de tudo. Pois eu não havia dado aquele macuco ao Diabo?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
Diabo havia-o caçado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Os
porcos passaram todos, e não tive coragem de atirar neles.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
Coisa Ruim passou também, rente por mim. De vez em quando soltava um grito esquisito,
para tocar a vara de porcos, e dentro em pouco tudo desapareceu — os porcos e o
Demônio!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Tratei
de bater para minha casa... Quem disse, porém, que podia sair do mato?!...Qual!
Aquilo parecia até coisa mandada!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Um
mato em que eu andava todo dia, e a qualquer hora, mesmo da noite! Pois, meu
senhor, perdi-me: o caminho era ali mesmo, e eu ia andando. Mas, daí a pouco,
esbarrava numa moita de corumbaba por onde nem um rato passaria. Seguia por
outro lado: também havia caminho por ali. Mas, daí a bocado, via em frente uma
tapada de brejaúba, com cada espinho que só uma cobra por ali poderia penetrar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Bato
para aqui; bato para li... Qual! Nada! Não saía do mesmo lugar! Não havia que
duvidar, estava perdido!...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Assim
passei todo dia, e já a noite se avizinhava sem que eu pudesse compreender como
fora que me sucedera aquilo, num mato em que era tão vagueano, quando, então,
me lembrei do que havia contado um caboclo velho. Ah! Agora compreendia por que
me tinha perdido!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
Demônio, que tinha visto passear montado no porco, era o Caipora, e era quem
não me deixava acertar com o caminho. Contudo, havia um meio de me ver livre daquela
peste, segundo me ensinara o caboclo. Era dar-lhe fumo. Cortei logo uma porção
do que tinha para o meu gasto, e sacudi-o numa touceira de taquara, dizendo:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Toma, Caipora, deixa-me ir embora...<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">No
mesmo instante o Coisa Ruim, que passara montado no porco, saltou diante de mim
e, fazendo caretas, embrenhou-se por entre as taquaras, apanhou o pedaço de
fumo, e pôs-se no mundo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Imediatamente
acertei o caminho, e duas horas depois achava-me em casa. De então por diante
jurei nunca mais caçar durante o mês de agosto. Não que naquele dia suei
frio!...<o:p></o:p></span></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-58046492905495756462024-02-21T17:53:00.007-03:002024-02-26T13:16:58.836-03:00A VINGANÇA DA CAVEIRA CANTANTE - Conto de Terror - Narrativa Tradicional Japonesa<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguj9W1loyd3CiJEezDPuIwUgsggkOSyLYiBfKPxDDr9j9RufI73jzxpZZ25bFet2df5Rvdn7t6CyDB1wt0uci9CcKZcAn9u8oGnfRwRsxL3kvRvWh1LhhpW-Nnlt1XczQVacZXz7C467a4Y5JAv3mqBlVZVPWXPtbiDVpsbV_2zkiiBrQk7F4OqR4wGxY/s1080/caveira%20cantante.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1080" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguj9W1loyd3CiJEezDPuIwUgsggkOSyLYiBfKPxDDr9j9RufI73jzxpZZ25bFet2df5Rvdn7t6CyDB1wt0uci9CcKZcAn9u8oGnfRwRsxL3kvRvWh1LhhpW-Nnlt1XczQVacZXz7C467a4Y5JAv3mqBlVZVPWXPtbiDVpsbV_2zkiiBrQk7F4OqR4wGxY/w640-h426/caveira%20cantante.png" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center; text-indent: 1cm;"></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center; text-indent: 1.0cm;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">A
VINGANÇA DA CAVEIRA CANTANTE<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Conto
tradicional japonês<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Dois
mercadores voltavam para casa, após uma longa jornada de comércio.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Um
deles tivera um êxito extraordinário em suas atividades mercantis; assim, tendo
vendido toda a sua mercadoria, voltava para casa com muito dinheiro e maior
lucro; o outro, arruinado, retornava de mãos vazias.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Porque
o fracasso o levara à bancarrota, o malsucedido mercador tomou uma medida
extrema: matou o colega exitoso, despojando-o do imenso lucro.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Com o haver de seu hediondo latrocínio, o facínora
descansou por três anos, mergulhado numa vida de luxo e ostentação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Certa
feita, ao passar pelo lugar onde havia matado o colega, o antigo mercador viu
uma caveira cantando lindamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Diante
do ineditismo da cena, cuidou de perguntar à caveira:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Cantas a qualquer hora e em qualquer lugar?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Com a minha linda voz, canto, sim! — respondeu a caveira.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Imaginando
que poderia ganhar dinheiro em abundância com aquele inusitado — conquanto
macabro — instrumento musical, o mercador, que já havia despendido toda a
fortuna roubada, imaginou que poderia levar a caveira à casa do mais ricos
feudos da região, certo de que se tornaria novamente rico.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Foi
o que fez.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
senhor feudal, a quem primeiro procurara, ao ouvir a proposta absurda do
mercador, disse-lhe:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Pagar-lhe-ei um grande pote de outro, repleto de pedras preciosas, se a caveira
cantar; caso contrário, corto-lhe um braço.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
mercador, ciente dos talentos excepcionais do crânio cantante, não anuiu
prontamente. Aliás, fez uma contraproposta:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Se o crânio cantar, ficarei com toda a sua riqueza; se ela emudecer, poderás
cortar-me a cabeça.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">E
assim foi estabelecida a avença.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Todavia,
a caveira, no dia da apresentação, nada cantou, por mais que o comerciante, aos
desesperos, a exortasse a fazê-lo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
rico e poderoso suserano, sentindo-se enganado, ao extremo com aborrecido com aquele
fracasso, prontamente mandou cortar a cabeça do mercador.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Assim
que a cabeça do malogrado mercador caiu ao chão, a caveira se pôs a cantar,
deixando escapar entre os dentes uma alegre melodia, que dizia:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Eis que o meu desejo se tornou realidade!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Com
sucesso, o crânio havia se vingado de uma morte ocorrida há um triênio. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Versão em português/adaptação
de Paulo Soriano.<o:p></o:p></span></p><br /><p></p>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-41034916682145809112024-02-21T17:49:00.002-03:002024-03-10T10:46:09.465-03:00OS FANTASMAS LASTIMOSOS - Conto Clássico Sobrenatural - Pu Songling<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYGeZ1fmW0afS34YGi3_Q0F_i3upjPhfxgjC5SnIFjzSeeH9L3XOHCmdb268r319fbtx5gvybD8AB0pl608_Z2s20SQJ6LQc-k0qyvpndCtu3UsACaPkBZ5iC48RZIsnegFMfy4lNcO78UKiKr5uLopyksxCKUCx0Wu46N-t38yGqXtmnnQuL9psHh2gQ/s760/fantasmas%20lastimosos.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="760" data-original-width="348" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYGeZ1fmW0afS34YGi3_Q0F_i3upjPhfxgjC5SnIFjzSeeH9L3XOHCmdb268r319fbtx5gvybD8AB0pl608_Z2s20SQJ6LQc-k0qyvpndCtu3UsACaPkBZ5iC48RZIsnegFMfy4lNcO78UKiKr5uLopyksxCKUCx0Wu46N-t38yGqXtmnnQuL9psHh2gQ/w294-h640/fantasmas%20lastimosos.png" width="294" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">OS FANTASMAS
LASTIMOSOS<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Pu Songling<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Na
época da rebelião de Xie Qian<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/OS%20FANTASMAS%20LASTIMOSOS.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a> em
Shandong, as grandes residências da nobreza foram completamente confiscadas
pelos rebeldes. A mansão do comissário de educação Wang Qixiang acomodava um
número particularmente grande de insurgentes. Quando as tropas do governo
finalmente retomaram a cidade e massacraram os rebeldes, as varandas ficaram
cobertas de cadáveres. O sangue fluía de todos os portões.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Quando
o comissário Wang retornou, e para restabelecer-se em sua casa, deu ordens para
que todos os cadáveres fossem removidos de lá. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Nos
dias que se seguiram, frequentemente o comissário via fantasmas em plena luz do
dia e, durante a noite, contemplava lampejos fantasmagóricos, de luz ígnea, sob
sua cama. Também ouvia vozes fantasmagóricas, lastimando-se em vários cantos da
casa.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Um
dia, um jovem senhor chamado Wang Gaodi, que viera acompanhar o comissário, ouviu
uma vozinha gritando-lhe embaixo de sua cama: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Gaodi! Gaodi!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Então,
a voz ficou mais alta:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—Eu
tive uma morte cruel!<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
voz começou a soluçar e logo juntaram-se a ela as de fantasmas espalhados por
toda a casa. O próprio comissário ouviu e chegou com sua espada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
Você não sabe quem eu sou?<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— declarou em
voz alta.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— Eu sou o comissário de
Educação Wang.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Aos
risos, as vozes fantasmagóricas simplesmente zombaram daquela declaração.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">O
comissário, em tão, deu ordens a que um longo ritual fosse imediatamente executado
em prol de todas as almas que partiram por terra e por mar. Durante a
cerimônia, bonzos budistas e sacerdotes taoístas oraram pela libertação dos
tormentos daqueles hóspedes sobrenaturais. Naquela noite, outorgaram oferendas
alimentares aos fantasmas, e fogos-fátuos luminescentes puderam ser vistos, cintilando,
no chão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Anteriormente
a esses eventos, um porteiro, também chamado Wang, adoeceu gravemente e ficou
inconsciente por vários dias. Na noite do ritual, Wang, de repente, recuperou a
consciência e espreguiçou-se. Quando a sua esposa lhe trouxe um pouco de
comida, disse-lhe ele: <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">—
O mestre colocou um pouco de comida no pátio e não faço ideia por quê! De
qualquer forma, eu estava lá, comendo com os espíritos, e só agora terminei.
Por isto, não tenho tanta fome.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">A
partir desse dia, as assombrações cessaram.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Isso
significa que o bater de címbalos e gongos, o tanger de sinos e tambores, além
de outras práticas esotéricas para a liberação de almas errantes, são
necessariamente eficazes?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Versão em português de
Paulo Soriano.<o:p></o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/OS%20FANTASMAS%20LASTIMOSOS.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"> O rebelde Xie
Quian liderou uma revolta <a name="_Hlk87918961">na província de Shandong no
ano de 1646</a>.<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3478524613014012833.post-91757431153816715282024-02-16T19:32:00.000-03:002024-02-16T19:32:02.788-03:00UM HOMEM COM DUAS VIDAS - Conto Clássico Sobrenatural - Ambrose Bierce<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhgcVVSdA9K8tWgS3AUDkCVGmvXiQA3K3deLUcT83TKdnMFs-qFCVoeUReEk1Kw5ayYYcO-OtHqJNg-P6w4zY7Bv2jwjucshbSXl5tbSlLEk4Wa29nwhXlc9XaNVCpUWidSyT30uguCphsvWzOQMVLPA5f31HOi5ifb8c518qjna9EJnmCQLXcnhSO9LWU/s767/UM%20HOMEM%20COM%20DUAS%20VIDAS.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="609" data-original-width="767" height="508" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhgcVVSdA9K8tWgS3AUDkCVGmvXiQA3K3deLUcT83TKdnMFs-qFCVoeUReEk1Kw5ayYYcO-OtHqJNg-P6w4zY7Bv2jwjucshbSXl5tbSlLEk4Wa29nwhXlc9XaNVCpUWidSyT30uguCphsvWzOQMVLPA5f31HOi5ifb8c518qjna9EJnmCQLXcnhSO9LWU/w640-h508/UM%20HOMEM%20COM%20DUAS%20VIDAS.png" width="640" /></a></div><br /> <p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center; text-indent: 35.4pt;"><b><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">UM
HOMEM COM DUAS VIDAS<o:p></o:p></span></b></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Ambrose Bierce<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">(1842 – c. 1914)<o:p></o:p></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; margin-bottom: 0cm; margin-top: 0cm; mso-add-space: auto; mso-margin-bottom-alt: 8.0pt; mso-margin-top-alt: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt;">Tradução de Paulo Soriano<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">Eis
a estranha história de David William Duck, por ele mesmo contada. Duck é um
velho homem que mora em Aurora, Illinois, onde é universalmente respeitado. Ele
é comumente conhecido, no entanto, como "Duck Morto"<a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UM%20HOMEM%20COM%20DUAS%20VIDAS%20-%20AMBROSE%20BIERCE.docx#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></a>.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“No
outono de 1866, eu era um soldado raso da Décima Oitava Infantaria. Minha
companhia era uma das que estavam estacionadas no Forte Phil Kearney,
comandadas pelo Coronel Carrington. Todos estão um tanto familiarizados com a
história daquela guarnição, particularmente com o massacre impingido, sem
sobreviventes, pelos Sioux a um destacamento de oitenta e um soldados e
oficiais, como resultado da desobediência às ordens de seu comandante, o bravo
— malgrado imprudente — capitão Fetterman. Quando isto ocorreu, eu me esforçava
por entregar correspondências oficiais importantes para o Forte CF Smith, no
Big Horn. Como o país fervilhava de índios hostis, viajei à noite e me escondi
o melhor que pude antes do amanhecer. Para melhor fazê-lo, fui a pé, armado com
um rifle Henry, trazendo comigo ração para três dias na mochila.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Para
o meu segundo esconderijo, escolhi o que parecia, na escuridão, um estreito
desfiladeiro que se infiltrava numa cadeia de colinas rochosas. Continha
múltiplos altos carvalhos, que se destacavam nas encostas dos outeiros. Atrás
de uma dessas árvores, num tufo de sálvia, estendi minha esteira e logo
adormeci. Eu mal havia fechado os olhos — embora, na verdade, ainda não fosse
meio-dia — quando um disparo de rifle me acordou. A bala incrustou-se no
carvalho acima de mim. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Um grupo de
índios havia-me perseguido e quase me cercara. Mas o tiro fora disparado com
uma pontaria execrável por um sujeito que me avistara da encosta acima. A
fumaça de seu rifle o traiu e, assim que eu me pus de pé, ele se ergueu e rolou
pela encosta. Então, curvando-me, corri, esquivando-me — entre os tufos de
sálvia — de uma tempestade de balas disparada por inimigos invisíveis. Os
patifes não se ergueram, nem saíram em disparada em meu encalço — o que me
pareceu um tanto estranho, pois eles deviam estar cientes, pelo meu rastro, que
tinham de lidar com um homem apenas. A razão daquela inércia logo ficou clara.
Eu sequer havia percorrido cem jardas quando cheguei aos confins de minha fuga:
a cabeça da ravina que eu tinha confundido com um desfiladeiro. Terminava numa saliência
côncava de rocha, quase vertical e desprovida de vegetação. Naquele beco sem
saída, fui pego como um urso num cercado. A perseguição era desnecessária: eles
só tinham que esperar. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">"Então,
aguardaram. Por dois dias e duas noites, agachado por detrás de um rochedo
encimado por uma alfarrobeira, e com o penhasco às minhas costas, padecendo da
agonia de sede e sem esperança alguma de salvação, lutei à longa distância,
atirando ocasionalmente na direção da fumaça dos rifles inimigos, como estes faziam
comigo. Claro que eu não ousava fechar os olhos à noite e a falta de sono torturava-me
intensamente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Recordo-me
da manhã do terceiro dia, que eu sabia que seria o último. Lembro-me, um tanto
indistintamente, que, em meu desespero e delírio, saltei para o campo aberto e pus
a disparar sem que visse contra quem atirava. E nada mais me lembro daquela
batalha.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Recordo-me
apenas de ter saído de um rio ao cair da noite. Eu não tinha um trapo de roupa
e nada sabia quanto ao meu paradeiro, mas, durante a noite inteira segui, com
frio e com os pés doloridos, em direção ao Norte. Ao raiar do dia, encontrei-me
no Forte CF Smith, meu destino, mas sem os documentos que levara. O primeiro
homem que encontrei foi um sargento chamado William Briscoe, que eu conhecia
muito bem. Você pode imaginar o seu espanto ao me ver naquela condição, e o meu
assombro, quando ele me perguntou quem diabos era eu.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“—
Dave Duck — respondi. — Quem mais poderia ser?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Ele
me encarou como uma coruja.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“—
Parece mesmo — disse ele, e observei que se afastou um pouco de mim. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>— E daí? — acrescentou.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Contei
o que me acontecera no dia anterior. Ele me ouviu, perscrutando-me ainda.
Então, disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“—
Meu caro amigo, se você é Dave Duck, devo informá-lo de que o enterrei há dois
meses. Estava com um pequeno grupo de batedores e encontrei seu corpo, cheio de
buracos de bala e há pouco escalpelado — um tanto mutilado também, lamento
dizer —, exatamente onde você diz ter lutado. Venha à minha barraca e eu lhe
mostrarei a sua roupa e algumas cartas que tirei de sua pessoa; o comandante leu
as missivas. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Ele
cumpriu essa promessa. Mostrou-me a roupa, que vesti resolutamente; e as
cartas, que coloquei no bolso. Sem fazer-me qualquer objeção, conduziu-me ao
comandante, que ouviu a minha história, e ordenou friamente a Briscoe que me
levasse ao xadrez. No caminho, eu disse:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“—
Bill Briscoe, você realmente enterrou o cadáver que encontrou nessas roupas?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“—
Claro que sim — ele respondeu. — Exatamente como eu lhe disse. Era Dave Duck, sem
dúvida alguma. A maioria de nós o conhecia. E agora, seu maldito impostor, é
melhor dizer-me quem realmente é.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“—
Eu daria tudo para sabê-lo — respondi.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">“Uma
semana depois, escapei do xadrez e saí da região o mais rápido que pude. Voltei
duas vezes, procurando aquele lugar fatídico nas colinas, mas não consegui
encontrá-lo.”<o:p></o:p></span></p>
<div style="mso-element: footnote-list;"><!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Users/paulo/OneDrive/Documentos/NOVOS%20CONTOS%20PARA%20PUBLICA%C3%87%C3%83O/UM%20HOMEM%20COM%20DUAS%20VIDAS%20-%20AMBROSE%20BIERCE.docx#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 107%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Aptos; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></span></span></a><span style="font-family: "Palatino Linotype",serif; font-size: 12.0pt;">Ou “Pato Morto”.
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Em inglês, “Dead Duck”.<o:p></o:p></span></p>
</div>
</div>PAULO SORIANOhttp://www.blogger.com/profile/07230213616109059208noreply@blogger.com5