SÃO COLUMBA E O MONSTRO DO RIO NESS - Narrativa Clássica de Horror - Adomnano de Iona

SÃO COLUMBA E O MONSTRO DO RIO NESS

Adomnano de Iona

(c. 627 – 704)



Noutra ocasião, quando estava há alguns dias na província dos pictos, o bem-aventurado São Columba teve que atravessar o rio Ness1.

Chegando à margem, viu que alguns dos habitantes enterravam um infeliz que, conforme o relato daqueles que o sepultavam, fora, há pouco, enquanto nadava, agarrado e severamente mordido por um monstro que vivia na água. O seu corpo miserável foi, embora tarde demais, retirado com um anzol por aqueles que vieram, num barco, em seu auxílio.

Ao ouvir isto, o bem-aventurado não ficou minimamente desanimado. A um de seus companheiros ordenou nadasse e trouxesse um barco que estava atracado na margem oposta.

Ouvindo a ordem do boníssimo homem, Lugne Mocumin obedeceu a ela sem a menor demora; despiu-se de todas as suas roupas — exceto a túnica — e lançou-se n’água.

Sucede que, longe de estar saciado, o monstro, estendido no fundo do riacho, aguardava novas presas. Assim, quando percebeu a agitação que o homem fazia, subitamente atirou-se à tona e, com um rugido terrível, disparou em seu encalço, arreganhando a boca.

O bem-aventurado, percebendo o que ocorria, ergueu a sua sacra mão. Enquanto os demais — irmãos e estranhos — permaneciam estupefatos de terror, ele, invocando o nome de Deus, fazia, no ar, o sinal da cruz redentora e dava ordens ao monstro feroz, dizendo:

Não irás mais longe, nem tocarás no homem; volta o mais rápido que puderes.

Então, à voz do santo, o monstro aterrorizou-se e — malgrado tivesse chegado tão perto de Lugne, enquanto este nadava, que, entre o homem e a fera, não houvesse mais do que o comprimento de uma lança — fugiu mais rapidamente do que se tivesse sido puxado com cordas à retaguarda.

Os irmãos, então, vendo que o monstro havia recuado — e que seu confrade Lugne retornava a eles no barco são e salvo — ficaram deveras admirados e deram glória a Deus pelo homem abençoado. E até mesmo os bárbaros pagãos, que estavam presentes, foram forçados, pela grandeza deste milagre, que eles mesmos tinham presenciado, a magnificar o Deus dos cristãos.


Versão em português de Paulo Soriano, a partir de tradução inglesa, não creditada, do séc. XIX.

Fonte: “Life of Saint Columba”, Edmonston and Douglas Editors, Edimburgo, 1874.

Ilustração: Marijakes/Pixabay.


Nota:

1 O rio Ness deságua no Lago Ness (Loch Ness), que se tornou famoso pelo monstro que habitaria as suas águas. Esta é a mais antiga narrativa a referir-se à legendária criatura. 

 

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