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Mostrando postagens de agosto, 2023

A VISÃO DO VIEGAS - Conto Clássico de Terror - Viriato Padilha

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  A VISÃO DO VIEGAS Viriato Padilha (1866 – 1924)   Arnaldo Viegas cursava o terceiro ano do curso jurídico de São Paulo. Havia seis, porém, que se achava matriculado na Academia. Indolente e de pouca atilação para as ciências, distinguia-se somente entre os companheiros pela sua supina ignorância da ciência jurídica, e pelo atrevimento das suas graçolas para com os lentes, mesmo os mais sisudos e ríspidos. Se em direito, porém, Arnaldo Viegas, era profano, sabia, no entanto, de cor quase todos os poemas de Byron e Musset, cujos livros tinha por sua Bíblia ou Alcorão, mas sem que fraternizasse espiritualmente com as grandezas e sublimidades daquelas almas alucinadas pelo Belo e pelo Amor. Viegas apreciava-os unicamente por ver que esses grandes poetas, na extravagância de seus gênios, se compraziam de exaltar o Vício e deprimir a Virtude. Nisso achava ele desculpa às desordens da sua vida, desordens baixas, sem intermitências de horas de labor honesto, nem manifestações f

ASCENSÃO E QUEDA DE UM GIGOLÔ - Conto de Terror - Otrebor Ozodrac

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  ASCENSÃO E QUEDA DE UM GIGOLÔ Otrebor Ozodrac   HOJE É UM DIA EXCEPCIONAL PARA MIM. UM DIA EM QUE TUDO O QUE ALMEJO E ESPERO ACONTECERÁ. NÃO TEREI, NESTE DIA, AQUELAS DORES DE CABEÇA QUE ME FAZEM ENLOUQUECER EM DESESPERO. NÃO SENTIREI DORES NAS ARTICULAÇÕES QUE ME IMPEDEM DE CAMINHAR NORMALMENTE, OBRIGANDO-ME A FICAR A AMAIORIA DO TEMPO SENTADO. NÃO SENTIREI A FOME QUE ME DEVORA OS INTESTINOS E ME FAZ DOER O ESTÔMAGO. Esta é a oração que o infeliz mendigo fazia todos os dias, após acordar debaixo do banco da praça. Embora a fizesse diariamente, ao amanhecer, dali nunca saía, sequer levantava, a não ser para fazer as necessidades fisiológicas e comer os restos de pães, que os pombos deixavam espalhados pela praça. E assim, parecia o estandarte da perpétua penúria e derrota.           O velho era magro, quase seco, com profundas rugas nas faces. As manchas castanhas do benigno câncer de pele que o sol provocara, dada as andanças pelas ruas ensolaradas, dominavam-lhe todo o ro

O CURUPIRA E OS MENINOS - Lenda Indígena do Rio Branco - Anônimo do Séc. XIX

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  O CURUPIRA E OS MENINOS (Lenda indígena do Rio Branco – Séc. XIX)   Contam que uma mulher tinha dois filhos. Para comer, foram os filhos, certa manhã, pescar. No caminho, encontraram-se com o Curupira, que lhes disse: — Vocês querem peixe, meninos? Venham comigo, ali no laguinho, que eu os pego para vocês. Os meninos foram com o Curupira. Mas, de repente, perderam-se dele. Já noite, ele apareceu outra vez e foi ter com os meninos. — Venham comigo — disse o Curupira. —Já é noite. Amanhã eu lhes mostro o caminho de casa. Logo o Curupira chegou em casa e deu os meninos à mulher, que era velha e horrível. No dia seguinte, quando amanheceu, o Curupira disse: — Eu vou caçar, velha. Mata um destes meninos e cozinha-o para que eu o coma quando voltar. Depois, foi para o mato. — Meus netos — disse a velha às crianças —, vamos apanhar inajá [1] para comer? Um deles, o mais velho, ouvira o Curupira dizer à mulher: — mata um destes meninos —, mas não teve tempo de avisa

UMA ESTRANHA CONCEPÇÃO - Narrativa Clássica Sobrenatural - Amato Lusitano

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  UMA ESTRANHA CONCEPÇÃO Amato Lusitano (1511-1568)   Vou descrever um caso estranho, mas verdadeiro, acontecido em Salônica. Duas mulheres turcas vizinhas, em virtude de muitos atos de coito, íncubos e súcubos, contaminavam-se e poluíam-se. Destas, uma era viúva e a outra tinha marido. Ora, quando uma vez a viúva, excitada para o coito, provocasse a outra companheira para a ação do coito, e por acaso na altura em que o marido com que esta tivera a prática, saíra de casa, pôs-se em atitude súcuba. Neste trabalho do coito e de abraços, depois de muita fricção e apegos e da ejaculação de sêmen, o útero da viúva súcuba sorveu, em virtude de enorme apetência, não só o sêmen da mulher íncuba, mas ainda algum sêmen viril deixado antes no útero dela.     Em virtude deste sêmen ficou prenhe, na afirmação da própria, após feitos vários juramentos. E devemos-lhe dar crédito, visto ser-lhe menos ignominioso confessar ter concebido de um homem do que de uma mulher, feito desta

O CEMITÉRIO DE REGGOR - Conto de Terror - Paulo Soriano

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  O CEMITÉRIO DE REGGOR Paulo Soriano   Eu já me habituara à lamúria dos ventos mesquinhos. Vencendo alhures as frestas escarpadas das falésias, cá se atiravam impiedosamente contra as crespas ondulações da extensa charneca lindeira ao vilarejo de Shairaff. E, para mais além, descansavam no tapete relvoso que antecipava o tumultuo verde da floresta de teixos e ciprestes. Naquela noite de plenilúnio, porém, o lamento angustiante do vento experimentava modulações fantasmagóricas. Nas estradas que conduzem às vivendas rurais, onde à desolação da charneca ajunta-se sempre a opressora sensação de solidão, mesmo que o transeunte esteja em comitiva, o que se ouvia era um coro de vozes atribuladas, como se o vento, ao precipitar-se sobre o velho cemitério de Reggor, consigo arrastasse a aflição até então silenciosa dos quanto ali jaziam sepultados. Reggor fora, no passado, uma vila de prestígio em nossa região. Aqui, camponeses e aldeões evitam falar sobre a mortandade que dizimou