Postagens

Mostrando postagens de outubro, 2019

A RESSURREIÇÃO - Conto Breve de Terror - Paulo Soriano

Imagem
A RESSURREIÇÃO Paulo Soriano Jamais houve homem mais santo, mais piedoso em vida, que o monge Macário.   Morrera de uma doença misteriosa e letal — que lhe dissipara todo o sangue — nos braços do abade, quando do inclemente cerco dos valáquios. Desde então, passara o morto — agora canonizado — a interceder pelos desvalidos, operando maravilhas e milagres, à mera invocação de seu sacro nome.   A imensa santidade de Macário nunca fora posta em dúvida.   Assim , um enviado papal, acompanhado do Abade Rufo, procedeu pessoalmente à exumação do santo monge, convicto de que testemunharia um novo prodígio. Esperava encontrar o cadáver incorrupto. Porque a luz do archote reverberava intensamente nas paredes da cripta, a santidade do monge Macário tornou-se plenamente visível quando aberto o ataúde: a face lívida, a despeito dos longos anos de sepultamento, permanecia mesmo fresca e incorrupta.   Mas não foi tudo: tomados de êxtase e devoção, os clérigos se inclinaram,

METEMPSICOSE - Conto de Terror - Paulo Soriano

Imagem
METEMPSICOSE Paulo Soriano Os primeiros momentos que se seguiram à cessação das minhas funções orgânicas foram extremamente agradáveis. Lembro-me, perfeitamente, que, de alguma forma, eu podia vislumbrar uma radical mudança em meu semblante. A minha face, há pouco contraída pela dor, deixava-se permear pela languidez de um alívio absoluto e, aos poucos, assumia uma imobilidade de morte. De alguma forma, eu flutuava sobre a equipe médica. Os homens de branco curvavam-se sobre o meu corpo. Lutavam para trazer-me de volta à vida. Mas eu não queria isso. Sentia-me maravilhosamente bem. Havia uma leveza que eu nunca dantes havia experimentado. Eu me sentia tão leve e tão luminoso quanto a própria luz. Ligth as the ligth.   Mas o deleite inefável – aquele prazer suave e demorado – pôs-se a esmorecer. Algo que antecipava a dor cruciante se insinuava em um ponto indefinido da substância etérea em que eu me havia convertido. Supus que os médicos logravam êxito nas manobr

A MIRRA (MÚMIA) - Conto de Terror Tradicional Português - Teófilo Braga

Imagem
A MIRRA (MÚMIA) Conto tradicional português adaptado da narrativa coligida por Teófilo Braga (1843 – 1924) Um rapaz muito brincalhão quis dar uma grande festa de aniversário. Bateu à casa e todos os amigos convidá-los para virem jantar e farrear com ele. Quando voltava a casa, encontrou ainda um amigo em frente do cemitério e, depois de convidá-lo para a festa, ficou a conversar muito satisfeito. Estando nisto, deu com os olhos em uma mirra — ou esqueleto ainda revestido de carne — que estava junto de uma parede. Disse-lhe, então, mofando: — Se quiseres vir também ao meu banquete de aniversário... — Lá irei — respondeu-lhe a mirra. O rapaz ficou espantado, e perguntou ao amigo se tinha ouvido alguma voz. Como este lhe disse que nada tinha ouvido, ele também não se atreveu a revelar-lhe o caso. Dali se foi, cheio de susto e, ao passar pela casa do padre, fez confissão do que lhe acontecera: — O que foste fazer, homem! Não sabes que não se brinca com os mor

A PROCISSÃO DOS DEFUNTOS - Conto de Terror Tradicional Português - Teófilo Braga

Imagem
A PROCISSÃO DOS DEFUNTOS Conto tradicional português adaptado da narrativa coligida por Teófilo Braga (1843 – 1924) Havia numa terra uma mulher muito curiosa: não se passava coisa na rua de que não desse fé. A qualquer hora da noite, estava sempre por detrás da veneziana a espreitar e a escutar o que se passava lá fora. Uma noite, estava ela já deitada, quando ouviu passos pela rua.   A curiosidade a fez saltar da cama e, mesmo de camisola, correu ao postigo. Era uma procissão que passava e de que ela nunca ouvira falar. A procissão era muito comprida, e o que mais a fazia pasmar é que ninguém fazia barulho, nem se ouviam as passadas daquele tropel de gente. A mulher estava pasmada. Mas eis que passa um homem que ela conhecia. Era o seu compadre, que havia já tempo que morrera. Para disfarçar a curiosidade, usou de uma artimanha: — Oh meu compadre! — disse ela quando o vulto passou rente ao postigo. —Você me empresta a sua tocha para acender a candeia que se apagou?