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Mostrando postagens de janeiro, 2024

A VÊNUS DE MILO - Conto de Horror - Paulo Soriano

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  A VÊNUS DE MILO Paulo Soriano   Se habla de sucesos raros, de la lógica invisible de los hechos absurdos... Alfonso Hernández-Catá   Eram os estertores do regime monárquico em Portugal. Afonso Fernandes, único filho de Dom Idelfonso, o derradeiro Visconde de Almodôvar, retornara ao solar paterno, no Porto, após formar-se, com louvor e distinção, na escola de Medicina da Bahia. Mas não se demorou. Embarcou prontamente para a França e se matriculou na Academia de Belas Artes de Paris. A escultura — cria ele — era a sua real vocação. E amava, com todas as fibras de seu impetuoso coração, a Vênus de Milo. Quando criança, numa visita ao Louvre, vira, com um estremecimento profundo, quase desumano, a Vênus maravilhosa — a mais bela estátua feminina que as mãos humanas haviam extraído, como mágica, da frialdade da matéria bruta. Desde então, jamais a olvidou. De volta a Portugal, Dom Afonso abriu — como se fosse um mero plebeu bem-sucedido — um respeitável consultório em B

A JOVEM VAMPIRA - Conto Clássico de Terror - Hume Nisbet

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A JOVEM VAMPIRA Hume Nisbet (1849-1923)   Era exatamente o tipo de residência que eu vinha aguardando há semanas, pois encontrava-me naquele estado de espírito em que a renúncia absoluta à sociedade era uma necessidade. Estava desconfiado de mim mesmo e cansado de minha espécie; uma estranha inquietação imperava em meu sangue, como um vazio estéril em meu cérebro. Objetos e rostos familiares tornaram-se desagradáveis para mim. Queria estar sozinho. Este é o estado de espírito que surge quando ficamos sobrecarregados de ocupações. Então, é preciso sair em busca de novas pastagens. O sinal de que a retirada se faz-se necessária. Se não cedemos, desmoronamos e nos tornamos caprichosos e hipocondríacos, e, bem assim, hipercríticos. Antes de chegar a tal ponto, fiz as malas às pressas, peguei o trem para Westmorland e comecei minha peregrinação em busca de solidão e de um ambiente romântico. Encontrei muitos lugares que, no início do verão errante, pareciam reunir as condições a

A CRIANÇA - Conto Clássico de Horror - Guy de Maupassant

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  A CRIANÇA Guy de Maupassant (1850 – 1893) Tradução de Paulo Soriano   Depois do jantar, conversava-se sobre um aborto que acabara de ocorrer na cidade. A baronesa indignou-se: seria possível tal coisa? A jovem, seduzida por um açougueiro, jogou o filho numa cova! Que horrível! Provou-se, até, que a pobre criaturinha não morreu instantaneamente. O médico, que naquela noite jantava no castelo, forneceu, calmamente, detalhes horríveis daquele incidente; e parecia espantado com a coragem da miserável mãe, que houvera caminhado dois quilómetros, depois de dar à luz, sozinha, para assassinar o filho. Ele repetiu:   — É de ferro, essa mulher! E de que selvagem energia ela precisou para atravessar a floresta, à noite, com seu filho choramingando nos braços! Continuo perturbado diante de tamanho sofrimento moral. Pense, então, no terror daquela alma, no dilaceramento daquele coração! Como é odiosa e miserável a vida! Preconceitos infames — sim, senhora, preconceitos infames —, u

O LOBISOMEM - Conto Clássico de Terror - Honoré Beaugrand

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  O LOBISOMEM (Excerto) Honoré Beaugrand (1848 – 1906) Tradução de Paulo Soriano   Meu falecido pai, em sua juventude, caçava com os indígenas de São Francisco no alto São Maurício e na região de Matawan. Ele era um camarada destemido e — cá entre nós —, posso garantir que não odiava os nativos. O padre da missão Abenaki alertara-o, duas ou três vezes, para ter cuidado consigo mesmo, porque os aborígenes poderiam fazer-lhe mal se o apanhassem a rondar as suas cabanas. Mas os caçadores da floresta daquela época eram destemidos e vocês sabem muito bem que não se é sempre jovem. Meu pai, portanto, partiu para caçar castores, ratos almiscarados e carcajus no alto São Maurício. Lá chegando, acampou com os Abenaki. Sua cabana mal se cobrira de neve quando ele viu uma linda indígena, que acompanhava o pai à caça. Ela era uma moça lindíssima, embora, na tribo, ostentasse a fama de feiticeira. Era temida por todos os caçadores do acampamento, que dela não ousavam se aproxima

O GALPÃO - Conto Clássico de Mistério - Horacio Quiroga

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  O GALPÃO Horacio Quiroga (1879 - 1937) Tradução de Paulo Soriano   S e pudéssemos julgar o valor dos sentimentos por sua intensidade, nenhum seria tão rico quanto o medo. O amor e a cólera, profundamente transtornantes, não comungam da faculdade absorvente daquele. O medo, por natureza, é o sentimento mais íntimo e vital, porquanto é o que melhor defende a vida. Instinto, lógica, intuição, tudo se sublima de repente. O frio medular, a angústia relaxante até converter em massa inerte nossos músculos e o horrível iminente dizem-nos unicamente que temos medo, medo . Isto é tudo. Por outro lado, sua reação, quando felizmente chega, é o maior estimulante de energia física que se conhece. Um amante desesperado ou um homem ardendo em ira forçarão o corpo humano a entregar o último átomo de força. Mas a todos consta que, se para aqueles o paroxismo de sua paixão é capaz de fazê-los correr cem metros em dez segundos, o simples medo os fará correr cento e dez. Carassale chegou a es

O ESPÍRITO DE ESPADA - Conto Clássico de Terror - Yuan Mei

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  O ESPÍRITO DE ESPADA Yuan Mei (1716 – 1797)   No início desta dinastia, quando Yao Duanke, de Tongcheng, era o ministro da Justiça, um cidadão de Shanxi foi condenado por homicídio. Este homem subornou Wenyan, irmão de Yao, com dez mil taéis de prata para defender a sua causa junto ao ministro. Wenyan concordou em ajudá-lo, mas, ciente da retidão de Duanke, não ousou intervir em nome do condenado, já que esperava, simplesmente, que o caso fosse tratado com indulgência, circunstância que lhe seria suficiente à percepção do suborno. Certa noite, Yao Duanke folheava alguns registros à luz da lamparina. De repente, um estranho saltou da viga, empunhando uma espada. Yao perguntou se ele era um assassino e por que estava ali. O intruso respondeu que lá estava em nome do homem de Shanxi. Yao disse: — De acordo com a lei, esse criminoso não merece clemência. Se eu o tratasse com tolerância, as leis do país seriam gravemente violadas e eu não teria a hombridade de envergar o c

O HOMEM E A SERPENTE - Conto Clássico de Horror - Ambrose Bierce

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  O HOMEM E A SERPENTE Ambrose Bierce (1842 – 1914?) Tradução de autor desconhecido do séc. XX   I   "É informação segura, e por tantos atestada, que atualmente as pessoas prudentes e doutas não a desmentem, que a serpente tem nos olhos uma propriedade magnética, de tal ordem que todo aquele que lhe cai no campo da visão é atraído, a despeito de sua vontade, e perece sem remissão pela mordedura do animal."   Estendido contra a vontade num sofá, de roupão e chinelas, Harker Brayton sorriu ao ler a frase acima no velho "Maravilhas da Ciência" de Morryster. — A única maravilha no caso — disse consigo mesmo — é que os prudentes e sábios do tempo de Morryster tenham acreditado em tal absurdo, rejeitado em nossa época mesmo pelos ignorantes. Seguiu-se uma série de reflexões — pois Brayton era um pensador — e, inconscientemente, ele baixou o livro, sem desviar a direção do olhar. Assim que o livro ficou abaixo da linha da visão, algo, num canto obscur