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Mostrando postagens de setembro, 2020

O LOBO - Guy de Maupassant - Conto Clássico de Horror

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O LOBO Guy de Maupassant (1850 – 1893) Tradução de Paulo Soriano     Eis o que nos narrou o velho Marquês d’Arville, ao fim de um jantar em Saint-Hubert, na casa do Barão de Ravels. Havíamos caçado um cervo durante o dia. O marquês era o único hóspede que não havia participado da caçada, porquanto jamais o fazia. Durante toda a longa refeição, somente se falara do abate de amimais. Até mesmo as mulheres se interessavam pelas histórias sangrentas e muitas vezes inverossímeis. E os narradores gesticulavam, reproduzindo os ataques e combates dos homens contra os animais. Levantavam os braços e narravam os fatos com vozes trovejantes. O Sr. d’Arville falava bem, com alguma poesia enfática, repleta de efeitos. Deveria ter repetido muitas vezes a mesma história, pois a contava fluentemente, sem qualquer hesitação nas palavras habilmente escolhidas para representar as imagens. — Senhores, eu nunca cacei. Nem meu pai, o meu avô ou o meu bisavô. Este último era filho de um h

LILITH - Conto Clássico de Terror - Marcel Schwob

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LILITH Marcel Schwob (1867 – 1905) Tradução de Paulo Soriano   Not a drop of her blood was human, But she was made like a soft sweet woman . [1] Dante-Gabriel Rossetti.   Creio que ele a amou tanto quanto se pode amar uma mulher neste mundo; mas sua história foi mais triste que nenhuma. Ele havia estudado durante muito tempo Dante e Petrarca: as formas de Beatriz e Laura flutuavam diante de seus olhos, e os divinos versos, nos quais resplandece o nome de Francisca de Rímini, cantavam em seus ouvidos. No primeiro ardor de sua juventude, havia amado apaixonadamente as virgens atormentadas de Correggio, cujos corpos, voluptuosamente enamorados do céu, têm olhos desejosos de bocas que palpitam e clamam dolorosamente pelo amor. Mais tarde, admirou o pálido esplendor humano das figuras de Rafael, o seu sorriso tranquilo e o seu contentamento virginal. Mas quando foi ele mesmo, tomou por mestre, assim como Dante, Brunetto Latini, e viveu em seu século, no qual os rostos r

A TENTAÇÃO - Conto Clássico Fantástico - Anatole France

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A TENTAÇÃO Anatole France (1844 – 1924)   Então, sentou-se Satã no alto de uma colina e contemplou a casa dos Irmãos. Ele era negro e belo, semelhante a um jovem egípcio. E, em seu coração, pensou: — Porque sou o Adversário e porque sou o Outro, tentarei esses monges, e direi tudo quanto calo. Aquele que é o amigo deles. Afligirei esses religiosos dizendo-lhes a verdade e hei de entristecê-los com os meus razoáveis discursos. Farei penetrar o pensamento qual uma espada em seus rins. E quando souberem a verdade, serão infelizes. “Porque só há alegria na ilusão e só na ignorância encontra-se a paz. E porque sou o mestre daqueles que estudam a natureza das plantas e dos animais, a virtude das pedras, os segredos do fogo, o curso dos astros e a influência dos planetas, os homens chamam-me o Príncipe das Trevas. E o meu reino é deste mundo. Ora, eu tentarei esses monges, e farei que eles reconheçam que as suas obras são más e que a árvore da caridade dá amargos frutos. E eu os t

A ALMA AINDA INTACTA - Conto de Ficção Científica - Flávio de Souza

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  A ALMA AINDA INTACTA Flávio de Souza   Não. Não era assim que deveria ser... Não havia verde em nossa terra. Não havia azul no firmamento. Nenhuma brisa vinda da serra, somente a dor no ar cinzento. Até que um dia tudo mudou. Canções antigas foram lembradas. Tal qual um sonho que se põe real, a esperança fora renovada. O fim definitivo para todo o mal, uma nova vida com a sua chegada... Tudo por conta da antiga lenda sobre a criança desamparada. Com seus fios dourados como o antigo sol, e suas vestes em tons vivos e encarnados. Seria ela a libertadora? Que poria um fim à escravidão das máquinas? A derrocada da robótica opressora? A alma humana ainda intacta? Dessa certeza não havia quem duvidasse, e à fortaleza ela foi levada. Da aspereza da vida dura, aos poucos ela fez com que nada restasse. Do solo estéril a água brotou, e correu farta pelo descampado. Da aridez a vida germinou, e quem tinha fome foi alimentado. Não tardou para que as boas novas se espalhassem, e aos s

A HORA DO DIABO - Conto Clássico Fantástico - Fernando Pessoa

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A HORA DO DIABO Fernando Pessoa (1888 – 1935)   Saíram da estação, e, ao chegar à rua, ela viu com pasmo que estava na própria rua onde morava, a poucos passos de casa. Estacou. Depois voltou-se para trás, para exprimir esse pasmo ao companheiro; mas atrás dela não vinha ninguém. Estava a rua, lunar e deserta, nem havia nela edifício que pudesse ser ou parecer ser uma estação de comboios. Tonta, sonolenta, mas interiormente desperta e alarmada, foi até casa. Entrou, subiu; no andar de cima encontrou, ainda desperto, o marido. Lia, no escritório, e, quando ela entrou, depôs o livro. — Então? — perguntou ele. E ela: — Correu tudo muito bem. O baile foi muito interessante. — E acrescentou, antes que ele perguntasse — Umas pessoas que estavam lá no baile trouxeram-me de automóvel até ao princípio da rua. Não quis que eles viessem até à porta. Saí ali mesmo; insisti. Ah, que cansada que estou! E, num gesto de grande cansaço e esquecendo-se de um beijo, foi-se deitar. O