A TORRE DAS RATAZANAS - Conto Clássico de Terror - Victor Hugo



A TORRE DAS RATAZANAS
Victor Hugo
(1802 – 1885)
Tradução de Paulo Soriano

Desde o declínio do dia, eu só tinha um pensamento. Sabia que, antes de chegar a Bingen, um pouco antes da confluência com o Nahe, encontraria um estranho edifício, um lúgubre antro ruinoso, de pé entre os juncos, no meio do rio, e entre duas altas montanhas. Aquele antro era a Mäuseturm.

Quando criança, acima de minha cama havia um pequeno quadro, circundado por moldura negra, que não sei que criada alemã havia pendurado na parede. Representava uma velha torre isolada, mofada, dilapidada, rodeada por águas profundas e escuras, que a cobriam de vapores e por montanhas, que a cobriam de sombras. O céu, por cima daquela torre, era sombrio e coberto de nuvens horrendas.

À noite, depois de rezar a Deus, e antes de dormir, olhava sempre aquele quadro.  Voltava a vê-lo nos meus sonhos, e ele me parecia terrível. A torre crescia, a água fervia, um relâmpago caía das nuvens, o vento soprava nas montanhas e, por momentos, parecia lançar clamores.  Um dia perguntei à criada como se chamava aquela torre. Persignando-se, respondeu-me que se chamava Mäuseturm. E depois me contou uma história.  Disse-me que em outros tempos, em Mainz, no seu país, houvera um malévolo arcebispo chamado Hatto, que era também abade de Fuld, sacerdote avaro, que, segundo ela, “abria a mão mais para bendizer que para dar”. Que em um ano ruim comprou todo o trigo das colheitas para vender mais caro ao povo, pois aquele clérigo queria ser rico. A escassez foi tal que os camponeses morriam de fome nas vilas do Reno. Que então o povo se reuniu ao redor do burgo de Mainz, chorando e implorando pão.  Que o arcebispo negou.

Neste ponto, a história tornava-se terrível. O povo faminto não se dispersava e continuava a rodear o palácio do arcebispo, gemendo. Hatto, entediado, cercou aquela pobre gente com seus arqueiros, que detiveram homens, mulheres, anciãos e crianças, e os encerraram em um celeiro, no qual atearam fogo. Foi, acrescentava a velha criada, “um espetáculo ante o qual até as pedras choravam”. Hatto nada fez além de rir. E quando aqueles desgraçados, expirando entre as chamas, lançavam gritos de lastimosos, este disse: “Estais ouvindo as ratazanas a guinchar?”

No dia seguinte, do celeiro fatal só restaram cinzas. Não havia ninguém em Mainz. A cidade parecia morta e deserta quando, de repente, viu-se uma multidão de ratazanas que, no celeiro queimado, pululantes como os vermes nas úlceras de Assuero, afloravam do subterrâneo, emergiam entre as pedras, saíam pelas rachaduras dos muros, renasciam sob os pés que os esmagavam, multiplicavam-se sob as pedras e sob as maças, e inundavam as ruas, a cidadela, o palácio, as caves, as salas e as alcovas. Era uma ferida, uma praga, um repugnante formigueiro.

Fora de si, Hatto abandonou Mainz e fugiu para a planície, mas os ratos o perseguiram. Correu a refugiar-se em Bingen, que tinha altas muralhas, mas as ratazanas passaram por cima das paredes e entraram na vila. Então o arcebispo mandou construir uma torre no meio do Reno e refugiou-se nela, com a ajuda de um barco, ao redor do qual dez arqueiros golpeavam a água. As ratazanas lançaram-se na água, cruzaram o Reno, escalaram a torre, roeram as portas, o telhado, as janelas, os tetos, o piso e, chegando por fim à masmorra na qual o miserável arcebispo se escondera, o devoraram vivo.

Agora a maldição do céu e o horror dos homens pesam sobre essa torre chamada Mäuseturm. Está deserta, em ruínas no meio do rio e, às vezes, à noite, vê-se dela emanar um estranho vapor enrubescido, que parece a fumaça de uma fornalha, mas que é a alma de Hatto em regresso.

Ilustração do autor.

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