A MÃO DO MACACO - Conto Clássico de Terror - W. W. Jacobs
A
MÃO DO MACACO
W.
W. Jacobs
(1863
- 1943)
Tradução
de Paulo Soriano
Romancista e contista
inglês, W. W. Jacobs (1863 – 1943), malgrado tenha se dedicado precipuamente ao
humor, é conhecido sobretudo pela obra “A Mão do Macaco”. Este conto — uma das
mais famosas narrativas de terror já escrita — foi publicado originariamente na
coletânea “A Dama da Barca”, de 1892, mas continua a atrair admiradores nos
dias atuais, dentre eles o célebre romancista norte-americano Stephen
King. Na breve narrativa, uma mão mumificada de macaco constitui-se num amuleto que tem o poder de conceder, a
quem a possui, três desejos. Mas, por interferir na ordem natural dos
acontecimentos, os desejos são satisfeitos a um alto — e terrível — preço.
Lá fora, a noite estava fria e úmida,
mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo
ardia intensamente. Pai e filho jogavam xadrez. O primeiro tinha ideias
próprias sobre o jogo que envolviam mudanças radicais, colocando o rei em tão
graves e desnecessários perigos que provocava comentários até mesmo da grisalha
senhora que tricotava placidamente junto à lareira.
– Escute o vento – disse o Sr. White que,
percebendo tarde demais que cometera um erro fatal, cuidava benevolamente para
que o filho não o percebesse.
—Estou ouvindo — disse o último, examinado
impiedosamente o tabuleiro, ao estender a mão.
—Xeque.
—Não creio que ele venha esta noite — disse o
pai, com a mão a pousada sobre o tabuleiro.
—Mate! —replicou o filho.
—Este é o lado ruim de viver em um lugar tão
remoto — o Sr. White vociferou, com uma súbita e inesperada violência. — De
todos os lugares terríveis, distantes e lamacentos para se morar, este é o
pior. O caminho é um lamaçal e a estrada é uma torrente. Não sei o que essa
gente está pensando. Somente porque há apenas duas casas na estrada, eles não
encontram motivo por que se importar.
—Não
se preocupe, querido — disse, conciliatória, a mulher. — Da próxima vez, talvez
você vença a partida.
O
Sr. White ergueu os olhos bruscamente, a tempo de interceptar um olhar de
cumplicidade entre mãe e filho. As palavras morreram em seus lábios e ele escondeu
um sorriso de culpa sob a barba fina e grisalha.
—Aí
vem ele — disse Herbert White, quando o portão bateu barulhentamente e passos
pesados se aproximaram da porta. O velho levantou-se com uma pressa
hospitaleira. Ouviram-no cumprimentar o visitante, que retribuiu o cumprimento.
A senhora White tossiu delicadamente quando o marido entrou na sala, seguido
por um homem alto e corpulento, de olhos pequenos e face avermelhada.
—Major
Morris — disse ele, apresentando-o.
O
major apertou as mãos e, sentando-se no lugar oferecido, junto à lareira,
observou satisfeito o anfitrião trazer uísque e copos, e pôr uma pequena
chaleira de cobre no fogo.
Ao
terceiro copo, os seus olhos tornaram-se mais brilhantes e ele começou a falar.
O pequeno círculo familiar contemplava com vívido interesse este visitante de
lugares distantes, enquanto ele empertigava os largos ombros na cadeira e
falava de paisagens excêntricas e feitos audazes, de guerras, epidemias e povos
estranhos.
—Vinte
e um anos nisto — disse o Sr. White, voltando-se para a mulher e o filho. —
Quando ele partiu, era um simples moço de armazém. Agora, olhem só para ele.
—Ele
não parece ter-se saído mal — disse a Sra. White, educadamente.
—Eu gostaria de visitar a Índia — disse o
velho. — Somente para conhecer um pouco, você sabe.
—Aqui,
você estará melhor — disse o Major, sacudindo a cabeça. Deixou o copo vazio
sobre a mesa e, suspirando baixinho, sacudiu de novo a cabeça.
—Eu
gostaria de ver esses templos antigos. Faquires, malabaristas — disse o velho.
— O que foi mesmo que você começou a me contar, certo dia, acerca da mão de um
macaco, ou coisa semelhante, Morris?
—Nada
— disse abruptamente o militar. — Ao menos nada de que valha a pena ser ouvido.
—Mão
de macaco? — indagou a Sra. White, curiosa.
—Bem,
é apenas um pouco do que se pode chamar de magia — disse o major, bruscamente.
Os
três ouvintes inclinaram-se para frente, interessados. Distraidamente, o
visitante levou aos lábios o copo vazio, e, em seguida, baixou-o novamente. O
anfitrião tornou a enchê-lo.
—Vejam
—disse o major, mexendo no bolso. — É apenas uma pequena mão, comum,
mumificada.
Ele
tirou algo do bolso e exibiu aos presentes. A Sra. White recuou com um esgar.
Seu filho, porém, examinou a mão mumificada com curiosidade.
—Mas
o que é que há de especial nela? — perguntou o Sr. White, que a tomou da mão do
filho e, depois de examiná-la, deitou-a sobre a mesa.
—Sobre
ela, um velho faquir lançou um encanto — disse o major. — Um homem muito santo.
Queria ele demonstrar que o destino determina a vida das pessoas e aqueles que
nele interferem o fazem para a sua ruína. Ele lançou sobre essa mão um feitiço
para que três diferentes pessoas pudessem formular três distintos pedidos.
O
major falou de uma maneira tão impressionante que os seus ouvintes sentiram suas
risadas soarem um tanto abaladas.
—Bem,
então por que o senhor não faz os seus três pedidos? — indagou, astuciosamente,
Herbert White.
O
militar olhou para ele como as pessoas maduras costumam olhar para a juventude
presunçosa.
—Eu
já os fiz — disse calmamente o major, e o seu rosto maculado empalideceu.
—E
os três pedidos formulados foram realmente atendidos? — perguntou a Sra. White.
—Foram
—respondeu o major, e o copo chocou-se contra seus fortes dentes.
—E
ninguém mais renovou os pedidos? — perguntou a velha senhora.
—A primeira pessoa teve, sim, os seus desejos
satisfeitos —respondeu. — Eu não sei quais foram os dois primeiros pedidos. Mas
o terceiro desejo foi a morte. Foi dessa maneira que eu obtive a mão do macaco.
Sua
entonação era tão solene que o silêncio caiu sobre o grupo.
—Se
você conseguiu realizar todos os três pedidos, Morris, a mão não lhe serve mais
para nada — disse, por fim, velho homem. — Por que, então, a conserva?
O
militar abanou a cabeça.
—Por
simples capricho, creio eu —disse ele, lentamente.
—Se
pudesse fazer mais outros três pedidos — indagou o velho, olhando-o fixamente
–, você os faria?
—Eu
não sei — disse o outro. — Eu não sei.
O
major tomou a mão do macaco, balançou-a entre os dedos polegar e indicador e,
subitamente, lançou-a ao fogo. White, com um ligeiro grito, abaixou-se e
arrancou-a de lá.
—Melhor
seria que a deixasse queimar — disse o militar, solenemente.
—Se
você não mais a quer — disse o velho —, dê-a para mim.
—Não
—disse obstinadamente o amigo. — Eu a joguei no fogo. Se você quiser ficar com
ela, não me culpe pelo que vier a acontecer. Lance-a novamente no fogo, como um
homem sensato.
O
outro sacudiu a cabeça e examinou de perto a sua nova pertença.
—Como
é que se faz o pedido?
—Segure-a
em sua mão direita e formule o pedido em voz alta — disse o Major. — Mas eu o
advirto quanto às consequências.
—Parece
as Mil e uma Noites —disse a Sra.
White, levantando-se e começando a pôr à mesa. — Você não acha que poderia
pedir quatro pares de mãos para mim?
O
marido tirou o talismã do bolso e, em seguida, todos três caíram na gargalhada
quando o major, com um olhar assustado no rosto, segurou-o pelo braço.
—Se
quer mesmo fazer um pedido — disse ele rispidamente —, deseje algo sensato.
O
Sr. White guardou novamente o amuleto no bolso e, arrumando as cadeiras, chamou
o amigo à mesa com um aceno. Durante o jantar, o talismã foi, de certo modo,
esquecido, e depois os três escutaram, encantados, o segundo capítulo das
aventuras do militar na Índia.
—Se
a história sobre a mão do macaco não for mais verdadeira do que as que ele nos
contou — disse Herbert, quando a porta se fechou atrás do convidado, a tempo de
ele apanhar o último trem —, então não devemos dar muito crédito a ela.
—Você
deu alguma coisa pela mão? — perguntou a Sra. White, olhando atentamente para o
marido.
—Uma
bagatela —disse ele, corando levemente. — Ele não queria receber, mas eu o fiz
aceitar. E ele insistiu novamente para que eu a jogasse fora.
—Sem
dúvida — disse Herbert, com um horror fingido — vamos ser ricos, famosos e
felizes. Pai, somente de início, peça para ser um imperador, e o senhor não
mais será dominado por mamãe.
Ele
correu em volta da mesa, perseguido por uma injuriada Sra. White, armada com
uma capa de poltronas.
O
Sr. White sacou a mão do macaco do bolso e olhou para ela com um ar de dúvida.
—Eu
não sei o que pedir. Isto é um fato — disse ele lentamente. — Parece-me que
tenho tudo o quanto quero.
—Se
o senhor liquidasse o débito da casa, ficaria muito feliz, não é mesmo? — disse
Herbert com a mão pousada no ombro do pai. —Bem, peça então duzentas libras. É
justamente o que lhe falta.
O
pai, com um sorriso envergonhado da própria credulidade, ergueu o talismã,
enquanto o filho, com uma expressão solene, um tanto comprometida pela
piscadela dirigida à mãe, sentou-se ao piano e extraiu alguns acordes
grandiloquentes.
—Eu
desejo duzentas libras — disse o pai em clara voz.
Um
belo acode de piano felicitou as palavras, mas essas foram interrompidas por um
grito estridente do velho homem. A mulher e o filho correram até ele.
—Ela
se mexeu — disse ele, com um olhar de nojo para o objeto, que caíra ao chão. —
Quando eu formulei o meu pedido, ela se contorceu em minhas mãos como uma
cobra.
—Bem,
eu não estou vendo o dinheiro — disse o filho, enquanto a apanhava e a punha
sobre a mesa. — E aposto que nunca o verei.
—Deve
ter sido imaginação sua, pai — disse a mulher, olhando-o ansiosamente.
—Não
faz mal. Não houve nada. Mas, ainda assim, a coisa me abalou.
Sentaram-se
perto da lareira novamente, enquanto os homens terminavam de fumar os seus
cachimbos. Lá fora, o vento soprava ainda mais vigorosamente. O velho
sobressaltou-se ao ouvir o som de uma porta batendo no andar superior. Um
silêncio estranho e deprimente abateu-se sobre todos os três, e os envolveu até
que o velho casal se levantou para dormir.
—Espero que o Senhor encontre o dinheiro
enrolado em um grande saco, bem no meio da cama — disse Herbert, ao dar-lhe boa
noite —, e algo de terrível, agachado em cima do guarda-roupas, o espreite, enquanto
o senhor embolsa o seu ganho fácil.
Ele
permaneceu sentado, sozinho, na escuridão. Observava o fogo fenecer e via
rostos formando-se nas chamas. A última cara era tão horrível, tão simiesca,
que ele a contemplou com assombro. A imagem era de uma vivacidade tal que
Herbert, com um sorriso inquieto, procurou na mesa um copo d’água para jogar
sobre ela. Agarrou a mão do macaco, sentindo um breve calafrio. Então, limpou a
própria mão no casaco e retirou-se para a cama.
II
Na
manhã seguinte, enquanto tomava o café da manhã sob a luz do sol invernal, que
pairava sob a mesa, Herbert riu de seus temores. Havia na sala um ar de
prosaica higidez que faltara na noite anterior. E a mão do macaco, enrugada e
suja, atirada negligentemente sobre o aparador, não inspirava nenhuma grande
crença em suas virtudes.
—Eu
creio que todos os velhos militares são iguais — disse a Sra. White. — Que
ideia a nossa, de dar ouvidos a estas tolices! Como se pode acreditar, nos dias
de hoje, em talismãs que nos concedem desejos? E se as duzentas lhe libras
forem concedidas, o que de mau poderá lhe acontecer, pai?
—Será
mau se as libras caírem do céu, bem em cima da cabeça dele — disse Herbert,
frivolamente.
—Segundo
Morris, as coisas aconteciam com tanta naturalidade —disse o pai — que você, se
o quisesse, poderia considerar uma simples coincidência.
—Bem,
não lance mão do dinheiro antes que eu volte — disse Herbert, ao se levantar da
mesa. — Temo que o senhor se transforme em um homem mau e avarento, e nós
tenhamos que repudiá-lo.
A
mãe sorriu, acompanhou-o até a porta e o viu afastar-se pela estrada. De volta
à mesa, ela parecia divertir-se com a credulidade do marido. Mas isto não a
impediu de correr à porta quando o carteiro bateu, nem de fazer referência a
majores reformados beberrões, quando descobriu que o correio trouxera apenas a
conta do alfaiate.
—Com
certeza, Herbert fará outra observação irônica quando voltar — disse ela,
quando se sentaram para jantar.
—Sem
dúvida — disse o Sr. White, servindo-se de um pouco de cerveja. — Mas, seja
como for, a coisa se contorceu na minha mão. Juro que sim.
—Você
imaginou que ela se mexeu — disse a Sra. White, suavemente.
—Eu
estou dizendo que ela se mexeu — o outro replicou. — Quanto a isto, não tenho
dúvidas. Eu tinha acabado... O que houve?
A
mulher não respondeu. Ela estava observando os movimentos misteriosos de um
homem do lado de fora que, olhando indeciso para a casa, parecia tentar
decidir-se a entrar. Numa conexão mental com as duzentas libras, ela percebeu
que o estranho estava bem-vestido e usava um reluzente chapéu de seda novo. Por
três vezes, ele parou no portão e depois retrocedeu. Na quarta tentativa, pôs a
mão sobre ele e, em seguida, com uma súbita resolução, abriu-o e avançou. No
mesmo momento, a Sra. White colocou a mão atrás de si, desatou apressadamente o
avental e colocou esta útil peça do vestuário sob a almofada de sua cadeira.
Ela
conduziu o estranho — que parecia pouco à vontade — à sala. Ele a contemplou
furtivamente, e ouviu, com ar preocupado, a velha senhora desculpar-se pela
aparência da sala e pelo casaco do marido, uma vestimenta que ele geralmente
reservava ao jardim. Ela, então, esperou, tão pacientemente quanto o seu sexo
permitia, que ele abordasse o motivo da visita, mas ele permaneceu, a
princípio, enigmaticamente calado.
—Eu... Pediram-me que viesse — disse ele
finalmente. Abaixou-se e extraiu um pedaço de algodão da calça. —Eu venho da
parte de Maw & Meggins.
A
velha senhora teve um sobressalto.
—Aconteceu
alguma coisa? — ela perguntou, ofegante. — Aconteceu alguma coisa a Herbert? O
que foi? O que foi?
O
marido se interpôs:
—Espere, espere, mãe — disse ele rapidamente.
— Sente-se e não tire conclusões precipitadas. Certamente, o senhor não nos
trouxe más notícias, não é mesmo? — disse o velho, olhando o outro,
ansiosamente.
—Eu
sinto muito... — começou o visitante.
—Ele
está ferido? — interpelou a mãe.
O
visitante inclinou-se, assentindo.
—Gravemente
ferido — ele disse em voz baixa. —Mas já não mais sente dor.
—Oh,
graças a Deus! — disse a senhora, apertando as mãos. —Graças a Deus! Graças...
Mas
estacou subitamente, quando o terrível significado daquela afirmativa
desmoronou sobre ela. Ela viu a confirmação de seus temores no rosto esquivo do
outro. Então prendeu a respiração e, voltando-se para o pouco arguto marido,
pôs a mão trêmula sobre ele. Houve um longo silêncio.
—Ele
foi apanhado pela máquina —disse finalmente o visitante, em voz baixa.
—Apanhado
pela máquina — repetiu, aturdido, o Sr. White.
Ele
se sentou, olhando fixamente pela janela e, tomando a mão da mulher entre as
suas, apertou-a, como costumava fazer nos tempos de namorados, há cerca de
quarenta anos.
—Ele
era o último filho que nos restava — disse ele, voltando-se para o visitante. —
É difícil.
O
outro tossiu e, levantando-se, caminhou lentamente até a janela.
—A empresa me pediu que lhes transmitisse os
sinceros pêsames pela grande perda — disse ele, sem olhar em volta. —Eu imploro
que compreendam que sou apenas um empregado e apenas cumpro ordens.
Não
houve resposta. O rosto da senhora estava lívido, os olhos fixos, a respiração
inaudível. No rosto do marido havia um olhar que o seu amigo major poderia ter
ostentado em seu primeiro conflito armado.
—Quero
dizer que a Maw & Meggins se exime de qualquer responsabilidade —
prosseguiu o outro. — Eles não admitem qualquer responsabilidade no evento,
mas, em consideração aos serviços prestados por seu filho, pretendem
ofertar-lhes uma certa quantia, a título de compensação.
O
Sr. White largou a mão da mulher e, pondo-se de pé, dirigiu ao visitante um
olhar de horror. Seus lábios secos articularam as palavras:
—Quanto?
—Duzentas
libras — foi a resposta.
Sem
atinar para o grito da esposa, o velho sorriu debilmente, estendeu a mão como
um homem cego e caiu desfalecido, como um fardo, no chão.
III
No
imenso cemitério novo, a umas duas milhas de distância, os velhos sepultaram o
seu morto e voltaram para a casa, mergulhada na sombra e no silêncio. Tudo
acabara tão rapidamente que, a princípio, eles mal se davam conta do que ocorrera.
Permaneceram em um estado de expectativa, como se algo mais estivesse por
acontecer — algo que lhes aliviasse aquele fardo, pesado demais para os seus
velhos corações.
Mas
os dias se passaram e a expectativa deu lugar à resignação — à resignação sem
esperança dos velhos, às vezes tomada erroneamente por apatia. Algumas vezes
eles sequer trocavam uma palavra, pois agora não tinham mais sobre o que
conversar, e os dias eram longos e tediosos.
Foi
cerca de uma semana depois que o velho, acordando subitamente de noite,
estendeu a mão e viu que estava sozinho. O quarto estava escuro e o som de um
choro lastimoso vinha da janela. Ele sentou-se na cama e ficou a escutar.
—Volte
— disse ele, ternamente. — Você vai sentir frio.
—Está
mais frio para o meu filho — disse a senhora, que chorou novamente.
Os
sons de seus soluços desvaneceram no ouvido do marido. A cama estava quente e
os seus olhos pesados de sono. Ele dormitou intermitentemente e depois caiu no
sono, até ser acordado, com um sobressalto, pelo grito selvagem da mulher.
—A
mão! — ela chorava descontroladamente. — A mão do macaco!
Ele
se levantou, alarmado.
—Onde?
Onde está? O que aconteceu? Ela transpôs, cambaleante, o quarto, achegando-se a
ele.
—Eu
quero a mão do macaco — ela disse em voz baixa. — Você a destruiu?
—Ela
está na sala de estar, na prateleira — ele respondeu, surpreso. — Por quê?
Ela
chorou e riu ao mesmo tempo e, inclinando-se, beijou-lhe o rosto.
—Somente
agora pensei nisto — disse ela histericamente. — Por que não pensei nisto antes?
Por que você não pensou nisto antes?
—Pensar
em quê? — ele inquiriu.
—Nos
dois outros desejos — ela respondeu rapidamente. — Nós só fizemos um pedido.
—Não
acha que já foi o suficiente? — ele replicou, enraivecido.
—Não!
— ela gritou, triunfante. — Faremos mais um. Desça e a pegue logo. Deseje que o
nosso garoto viva novamente.
O
homem sentou-se na cama e afastou os lençóis de seus membros trêmulos.
—Meu
Deus, você está louca! — ele gritou, horrorizado.
—Pegue-a
—disse ela, ofegante. Pegue-a depressa e faça o pedido... Oh, meu filho, meu
filho!
O
marido riscou um fósforo e acendeu uma vela.
—Volte
para a cama —disse ele, hesitante. — Você não sabe o que está dizendo.
—Nós
tivemos o primeiro desejo satisfeito — disse a senhora, febrilmente. — Por que
não o segundo?
—Foi
só uma coincidência — gaguejou o velho.
—Vá
buscá-la e faça o pedido — gritou a mulher, tremendo de excitação.
O
velho virou-se, olhou-se para ela e sua voz tremeu:
—Ele
está morto há dez dias e, além disso... eu não queria que você soubesse, mas eu
só consegui reconhecê-lo pelas roupas. Se ele estava terrível demais para que
você o visse, imagine como não estará agora.
—Traga-o
de volta! — gritou a velha senhora, e o arrastou até a porta. — Você acha que
tenho medo do filho que criei?
Ele
desceu na escuridão e tateou até a sala de estar e, depois, até a lareira. O
talismã estava em seu lugar e um medo horrível de que o desejo ainda não
formulado pudesse trazer de volta, em sua presença, o filho mutilado, antes que
pudesse evadir-se da sala, apoderou-se dele. Prendeu a respiração ao perceber
que havia perdido a direção da porta e, com a testa umedecida por um suor frio,
deu a volta ao redor da mesa, encontrou a parede e tateou ao longo dela. Então
se viu no corredor estreito com aquela coisa hedionda na mão.
Mesmo
o rosto de sua mulher parecia mudado quando ele entrou no quarto. Estava pálido
e ansioso e, para o seu temor, tinha uma aparência anômala. Sentiu medo dela.
—Faça o pedido! — ela gritou, imperiosamente.
—Isto é uma tolice. Uma perversidade — ele
disse, hesitante.
—Peça!
— repetiu a mulher.
Ele
ergueu a mão.
—Desejo
que o meu filho viva novamente!
O
talismã caiu no chão e ele o olhou, amedrontado. Então afundou numa cadeira,
trêmulo, enquanto a velha, com os olhos abrasados, foi até a janela e levantou
a persiana. Ele permaneceu sentado até enregelar-se, olhando ocasionalmente
para a figura da mulher, que espiava pela janela. O resto de vela, que ardera
até a borda do castiçal de porcelana, lançava sombras pulsantes sobre o teto e
as paredes até que, com um lampejo mais intenso, se apagou. O velho homem, com
uma indescritível sensação de alívio pelo fracasso do talismã, rastejou de
volta à cama e, um ou dois minutos depois, a velha senhora, silenciosa e
apaticamente, deitou-se ao lado.
Nenhum
dos dois falou. Permaneceram em silêncio, ouvindo o tique-taque do relógio. Um
degrau rangeu, um rato correu, ruidosamente, a guinchar, pela parede. A
escuridão era opressiva e, depois de continuar deitado por algum tempo, tomando
coragem, o marido tomou uma caixa de fósforos e, acendendo um, desceu as
escadas em busca de outra vela.
Ao
pé da escada o fósforo acabou e ele parou outro para acender. No mesmo
instante, uma batida, tão silenciosa e furtiva que mal se ouvia, soou na porta
da frente.
Os
fósforos caíram-lhe da mão. Ele ficou imóvel, com a respiração suspensa, até
que a batida se repetiu. Então ele virou e fugiu rapidamente para o quanto,
fechando a porta atrás de si. Uma terceira batida ressoou pela casa.
—O
que foi isso? — gritou a senhora, levantando-se.
—Um
rato — disse o velho, com a voz trêmula. — Um rato. Ele passou por mim na
escada.
A
mulher sentou-se na cama e ficou escutando. Outra batida — forte — voltou a
ressoar.
—É
Herbert! — ela gritou. — É Herbert!
Ela
correu para a porta, mas o marido se antepôs, e, tomando-a pelo braço,
segurou-a firmemente.
—O
que você vai fazer? — sussurrou ele, com voz rouca.
—É
meu filho! É Herbert! — ela gritou, lutando maquinalmente. — Eu me esqueci de
que ele estava a duas milhas de distância. Por que você está me segurando?
Solte-me. Preciso abrir a porta.
—Pelo
amor de Deus, não o deixe entrar — gritou o velho, tremendo.
—Você
está com medo de seu próprio filho! — ela gritou, debatendo-se.
—Largue-me!
Estou indo, Herbert! Estou indo!
Houve
mais uma batida e mais outra. A velha, com um súbito empurrão, soltou-se e saiu
correndo do quarto. O marido seguiu-a até o patamar e, suplicante, chamou por
ela, enquanto a mulher, voando, descia as escadas. Ele ouviu a corrente
chacoalhar e a tranca de baixo ser deslocada lenta e rigidamente do encaixe.
Então a voz da velha mulher soou, tensa e ofegante:
—A
tranca! —gritou alto. — Desça. Eu não consigo puxá-la!
Mas
o marido estava com as mãos e os joelhos no chão, tateando, procurando
desesperadamente a mão do macaco. Se pelo menos ele conseguisse encontrá-la
antes que aquela coisa lá fora entrasse! Batidas sucessivas reverberaram pela
casa e ele ouviu o arrastar de uma cadeira quando a mulher a colocou no
corredor, de encontro à porta. Ele ouviu o ranger da tranca ao ser deslocada
lentamente e no mesmo instante encontrou a mão do macaco. Desesperadamente,
formulou o seu terceiro e último pedido.
As
batidas cessaram subitamente, embora os seus ecos ainda ressoassem pela casa.
Ele ouviu a cadeira ser arrastada para trás e a porta se abrir. Um vento frio
subiu até a escada e o longo e alto gemido de decepção e tristeza da mulher lhe
deu coragem para correr até ela e, em seguida, até o portão. O cintilar do
lampião do outro lado da rua alumiava uma estrada calma e deserta.
lendário
ResponderExcluirAmo forte
ResponderExcluirescrita de arrepiar!!!
ResponderExcluirUm dos melhores contos de terror.
ResponderExcluirLi esse conto quando era garoto, a impressão que ele causou em mim foi tão forte que fiquei fã de histórias de terror.
ResponderExcluir😱😱😱😱😱😱😱😱 fiquei com muito medo mas foi bom 👍
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