A CASA DO LAGO - Conto Clássico de Terror - Charles Nodier
A
CASA DO LAGO
Charles Nodier
(1780 – 1844)
Passeando no lago de Genebra, vi, ao
passar diante de um velho castelo abandonado, o terror estampado no rosto do
barqueiro, que remou com todas as suas forças para afastar-se daquele sítio.
— O que foi? — perguntei.
— Ah, senhor! Permita-me debandar o
mais rápido possível. Veja aquele fantasma que está na janela e me ameaça.
Realmente, vi um espectro que fazia
gestos ameaçadores.
— Isto é mesmo interessante! Conte-me o
que acontece de extraordinário naquele castelo.
— Senhor — continuou o barqueiro —,
antigamente eu era pescador e muito intrépido. Meus camaradas cem vezes me
haviam dito: “Honoré, não se aproxime do velho castelo. Embora os peixes sejam
abundantes naquele lugar, não se deixe tentar, porque as almas do outro mundo
moram lá.”
“Eu desprezava seus conselhos e, como
via, sempre, as minhas redes bem guarnecidas, regressava diariamente àquele
nefasto lugar. Eu já tinha visto aparições várias vezes, mas não me importava
e, de meu barco, eu os provocava.
“Certa noite — uma noite funesta! — eu
puxava a minha rede quando vi um fantasma hediondo andar sobre o lago. Eu não
me assustei e agarrei o meu remo para afastar o espectro (o mesmo que acabara
de ver), mas — oh, horror! —, o monstro agitou seu braço e fez surgir uma chama
que iluminou todo o lago. No mesmo instante, ele encheu o meu barco de répteis.
O fogo saía de sua boca, de suas narinas, de seus olhos. A sua voz parecia um
trovão. Depois, com uma mão vigorosa, agarrou o meu barco e, num piscar de
olhos, o fez desaparecer. Enquanto toda a minha pequena fortuna desaparecia,
ouvi o fantasma dizer:
“— Temerário, o inferno vai recebê-lo.
Que este exemplo ensine aos frágeis
humanos a não mais lutar contra os espíritos infernais!
“Entretanto, eu nadei com todas as
minhas forças sem saber aonde ia. Felizmente, encontrei um pescador que me
recolheu, restaurou-me a vida (pois eu havia caído quase morto em seu barco) e
me levou para casa. Ai! Eu me salvei, mas meu barco, minhas redes, meu irmão
mais novo... todos pereceram. Foi isto o que aconteceu comigo, senhor. Por
sito, nunca me aproximo desse maldito castelo sem ordem expressa dos
passageiros.
“Desde então, vivo uma triste
existência. Agora, sou mero empregado; antes, ganhava bem a vida e a de minha
pobre família.”
— Amigo, sinto muito pelo seu
infortúnio, mas quero ver o espectro.
— Que o céu o proteja! O senhor não
regressará de lá com vida!
— Vem comigo?
— Não. Já recebi uma boa lição.
— Então, desembarque-me.
— Por Deus, não faça essa loucura!
— Faça o que digo: desembarque-me.
— Certo. Mas eu o esperarei a certa
distância.
Eis-me aqui, ao anoitecer, ao pé da
torre do castelo. Estava armado até os dentes, não contra fantasmas — porque eu
não acreditava absolutamente em espectros —, mas por medo de encontrar-me com
habitantes deste mundo ocupados em qualquer coisa que não fosse orar a Deus.
Entro. Tudo estava tranquilo no castelo. Acendo uma vela. Ando por todos os
lugares. Vejo tudo em ordem. Instalo-me num quarto e, com as armas sobre a
mesa, espero o inimigo de pé firme.
Começava a acreditar que os diabos ou
espíritos me respeitariam, quando ouvi que algo caía chaminé abaixo. Levanto-me
para ver: era a cabeça de um homem morto. Um instante depois, a ela se junta,
uma perna; depois, um braço e, finalmente, o resto do cadáver.
— Oh! Oh! — disse a mim mesmo. — Aqui,
as coisas não vão nada bem. Estes espíritos causam-me algo além do medo.
Pensava em sair daquele lugar, quando
ouvi um ruído de correntes. Presto atenção e logo vejo um espectro que,
dirigindo-se a mim, profere estas palavras:
— Incrédulo! Não lhe bastava o terrível
castigo imposto ao seu barqueiro? E, ainda assim, ousa vir a esta casa. Ousado,
trema agora! Todo o inferno contra você se desencadeia agora!
Não perco a cabeça e atiro contra o
fantasma. Ele ri-se de minha cólera e, após um sinal seu, uma multidão de
demônios acorre ao aposento. Produzem horrendos ruídos. Fujo daquela câmara
amaldiçoada, chego a uma escada, subo, atiro-me a outra e, nesta, encontro um
fantasma envolto numa repugnante mortalha tisnada de sangue.
Volto a fugir. Mil esqueletos me
agarram com suas mãos descarnadas. Eu os ataco com o meu sabre, mas os meus
golpes não produzem efeito algum. Um espectro monstruoso intenta lançar-se sobre
mim, mas eu o evito e escapo. Mas não sei por onde fugir, pois uma fumaça densa
e infecta preenche todo o ambiente. Perseguido sem cessar por um exército de
fantasmas, corro para uma sala vizinha. Mas, mal piso nela, o chão desmorona e
eu caio onde estou.
No entanto, eu estava inconsciente e
não percebi que, quando amanheceu, eu me encontrava nas margens do lago. As
minhas roupas estavam em frangalhos e eu me achava tão debilitado que não me podia
manter em pé. Meu pobre barqueiro chegou para recolher-me e me disse que vira, daquele
lago, coisas que o haviam congelado de medo, e que acreditava firmemente que eu
não era deste mundo.
Tomamos melancolicamente o caminho para
Genebra. Lá, dei ao meu condutor uma soma substancial, suficientemente expressiva a permitir-lhe
voltar à sua primeva profissão.
Quanto a mim, voltei ao passeio à margem
do lago em numerosas ocasiões, mas nunca mais se senti tentado a revisitar aquele
infernal castelo.
Versão em português de Paulo Soriano
Muito obrigado por mais esse texto inédito e de muito bom gosto, aliás um autor muito ignorado em nossa língua!!
ResponderExcluirEu agradeço!
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