O BARBA AZUL - Conto Clássico de Terror - Charles Perrault
O BARBA AZUL
Charles Perrault
(1628 – 1703)
Era
uma vez um homem que tinha belas casas na cidade e no campo, baixelas de ouro e
prata, móveis muito bem trabalhados e carruagens douradas; mas, infelizmente,
sua barba era azul, o que o deixava tão feio e terrível que não havia dama ou
donzela que não fugisse dele.
Uma
de suas vizinhas, uma senhora de elevada estirpe, tinha duas filhas muito
belas. Ele pediu a mão de uma delas, deixando à mãe a missão de escolher qual
seria noiva. Nenhuma das moças queria casar-se com tal pretendente e cada uma
empurrava-o para a outra, incapaz de decidir em casar-se com um homem de barba
azul. Além disso, o que ainda mais as desprazia era o fato de que ele já se
havia casado com várias mulheres e ninguém sabia o que havia acontecido a elas.
Barba
Azul, para estabelecer relações com as jovens, levou-as com a mãe, três ou
quatro amigas íntimas e algumas moças da vizinhança, para uma de suas casas de
campo, onde permaneceram oito dias inteiros, entretidas em caminhadas, caças e
pescarias, bailes e banquetes. As convidadas mal dormiam e dedicavam as noites
às diversões. O tempo passou tão agradavelmente que Cadette, uma das filhas,
julgou que o anfitrião não era dono de uma barba assim tão azul e que parecia,
de fato, um homem honrado; e, quando voltaram para a cidade, celebraram o
casamento.
Um
mês depois, o Barba-azul disse à esposa que era obrigado a fazer uma viagem à
província, de pelo menos seis semanas, para tratar de um assunto
importante. Implorou à esposa que,
durante sua ausência, ela cuidasse de se divertir o máximo que pudesse,
convidasse suas amigas para que lhe fizesse companhia, que fosse com eles ao
campo, se lhe aprouvesse, e mantivesse sempre a mesa farta.
—
Aqui estão — disse ele — as chaves dos dois grandes guarda-móveis. Estas são as
chaves dos talheres de ouro e prata que não são usados diariamente; estas
outras são as dos cofres onde eu guardo o meu ouro e a minha prata. Já estas
são as das arcas em que estão as minhas joias e pedras preciosas. E aqui eu te
entrego as chaves que abrem as portas de todos os cômodos. Esta pequena chave é
a do gabinete que fica no final da grande galeria do subsolo. Tu podes abrir
tudo, adentrar todos os ambientes, mas eu te proíbo de entrar no gabinete; e de
tal forma eu te proíbo, que, se a abrires, poderás esperar toda a minha ira.
Ela
prometeu cumprir exatamente o que lhe fora ordenado. Então, depois de beijá-la,
o marido subiu à carruagem e partiu.
As
vizinhas e amigas não esperaram, para ir à da jovem noiva, que as mandassem
buscar, tão impacientes que estavam por verem todas as riquezas daquele lugar —
algo que não ousariam fazer na presença do marido, pois a sua barba azul as
enchia de temor. Começaram, então,
prontamente, a examinar os quartos, os gabinetes, os vestiários, cada um mais
belo que o outro. Depois, subiram aos
guarda-móveis, onde puderam admirar suficientemente a beleza das tapeçarias,
das camas, dos sofás, dos guarda-roupas, dos gueridons, das mesas e dos
espelhos — que reproduziam imagens da cabeça aos pés —, cujas molduras, algumas
de vidro, outras de prata dourada, eram as mais belas e magníficas que se
poderiam ser vistas. Não paravam de exagerar e invejar a felicidade de sua
amiga, que, no entanto, não se aprazia em contemplar tantas riquezas,
impaciente que estava em abrir o gabinete do subsolo.
As
vizinhas e amigas não esperaram, para ir à da jovem noiva, que as mandassem
buscar, tão impacientes que estavam por verem todas as riquezas daquele lugar —
algo que não ousariam fazer na presença do marido, pois a sua barba azul as
enchia de temor. Começaram, então,
prontamente, a examinar os quartos, os gabinetes, os vestiários, cada um mais
belo que o outro. Depois, subiram aos
guarda-móveis, onde puderam admirar suficientemente a beleza das tapeçarias,
das camas, dos sofás, dos guarda-roupas, dos gueridons, das mesas e dos
espelhos — que reproduziam imagens da cabeça aos pés —, cujas molduras, algumas
de vidro, outras de prata dourada, eram as mais belas e magníficas que se
poderiam ser vistas. Não paravam de exagerar e invejar a felicidade de sua
amiga, que, no entanto, não se aprazia em contemplar tantas riquezas,
impaciente que estava em abrir o gabinete do subsolo.
A
princípio, ela nada viu, porque as janelas estavam fechadas. Contudo, após
alguns instantes, percebeu que o chão estava completamente coberto de sangue
coagulado, no qual se refletiam os corpos de várias mulheres mortas, presas ao
longo das paredes. Essas mulheres eram todas as que o Barba Azul desposara, e
que haviam sido massacradas, uma após a outra. Pensando que morreria de medo
diante de tal espetáculo, deixou cair a chave da despensa que acabara de tirar da
fechadura.
Depois
de recuperar um pouco os sentidos, ela pegou a chave, fechou a porta e subiu ao
seu quarto para se recompor. Mas não
conseguiu, de tão atribulado que estava o seu espírito.
Percebendo
que a chave do gabinete estava manchada de sangue, tratou de limpá-la, duas ou
três vezes, mas o sangue não desaparecia. Em vão a lavou, esfregando-a com
sabão e pedra-pomes. Contudo, o sangue permanecia sempre, pois a chave era
encantada e não havia como limpá-la completamente: quando se removia o sangue
de um dos lados, ele reaparecia no outro.
Barba
Azul voltou de sua viagem na noite do mesmo dia e disse que no caminho havia
recebido uma carta informando-o de que o assunto que o obrigou a partir havia
sido concluído vantajosamente para ele. A esposa fez tudo o que pôde para
fazê-lo acreditar que estava encantada com o seu retorno inesperado.
No
dia seguinte, o marido pediu-lhe as chaves e ela as entregou com uma mão tão
trêmula que Barba Azul imediatamente adivinhou tudo o que havia acontecido.
—
Por que a chave do gabinete não está com as outras? — ele perguntou.
—
Eu devo tê-la deixado em minha mesa — respondeu a esposa.
—Dá-me
a chave imediatamente — ordenou o marido.
Após
vários adiamentos, a esposa se viu obrigada a entregar a chave.
Barba
Azul, tendo olhado a chave, disse à esposa:
—
Por que há sangue nesta chave?
—
Eu não sei — respondeu ela, mais pálida que a morte.
—Não sabes? — respondeu Barba Azul. Eu sei
muito bem: tu querias entrar no meu gabinete!
Pois bem, madame, tu nele entrarás, e, entre as mulheres que lá viste,
ocuparás o teu lugar
Ao
ouvir essas palavras, ela se jogou aos pés do marido, chorando e implorando o
seu perdão, com todas as demonstrações de verdadeiro arrependimento por ter
sido desobediente. Sua beleza e aflição poderiam ter enternecido uma pedra, mas
Barba Azul tinha um coração mais duro do que um rochedo.
—Tu
deves morrer, madame — disse ele —, e irás morrer agora!
— Já que devo morrer — disse ela, olhando para
o marido com os olhos marejados de lágrimas —, dá-me um tempo para orar.
— Dar-te-ei dez minutos — respondeu Barba
Azul. — Nem um segundo a mais.
Assim
que ficou sozinha, chamou a irmã e disse:
—
Minha irmã Anne (este era o seu nome), sobe, por favor, até o topo da torre e
vê se meus irmãos estão vindo. Eles me prometeram que viriam visitar-me hoje e,
se os vires, dá-lhes um sinal para que se apressem.
A
irmã Anne subiu ao topo da torre e a pobre esposa, aflita, perguntava-lhe a
todo instante:
—Anne,
minha irmã, estás vendo alguma coisa?
E
Anita respondia:
—
Só vejo o Sol cintilante e a relva verdejante.
Entrementes,
o Barba Azul, segurando um grande cutelo, gritava com todas as suas forças para
a esposa:
—
Desce já ou eu subo para apanhá-la!
—
Um momento, por misericórdia! — respondia-lhe a esposa.
Então
ela disse, em voz baixa:
—Anne,
minha irmã, vês alguma coisa?
A
irmã respondeu:
—
Só vejo o Sol cintilante e a relva verdejante.
—
Desce já — rugiu Barba Azul — ou subo eu!
—
Estou indo — respondeu a mulher; e, depois, perguntou:
—
Anne, minha irmã, alguém vem vindo?
— Sim, vejo uma grande nuvem de poeira que
daqui se aproxima.
—
São meus irmãos?
—
Ai, minha irmã, não! É um rebanho de carneiros...
—
Tu vens ou não vens? — gritou Barba Azul.
A
esposa implorou por mais um momento e, então, perguntou:
—
Anne, minha irmã, vem alguém?
— Estou vendo — respondeu ela — dois
cavaleiros que se aproximam, mas ainda estão longe... — Louvado seja Deus! —
exclamou Anne, um momento depois. — São meus irmãos! Estou fazendo sinais para
apressá-los.
Barba
Azul rugiu tão alto que toda a casa estremeceu. A pobre esposa desceu e se
jogou a seus pés, com os olhos marejados e as tranças desgrenhadas.
—
Não adianta — disse o Barba-azul —; tu tens que morrer.
Então
ele a agarrou pelos cabelos com uma mão e brandiu o cutelo com a outra para
cortar-lhe cabeça. A pobre mulher voltou seu olhar moribundo para ele e rogou
que lhe concedesse alguns segundos.
—Não,
não! — disse ele. — Encomenda a Deus a tua alma!
E
ergueu o cutelo.
Naquele
momento, bateram à porta com tanta força que o Barba Azul imediatamente se
deteve.
Os
dois cavaleiros abriram a porta e entraram. Desembainhando as espadas, correram
direto para onde estava Barba Azul.
O
marido reconheceu nos cavaleiros os dois irmãos de sua mulher: um deles
pertencia a um regimento de dragões e, o outro, era um mosqueteiro. Então, ao
vê-los, imediatamente fugiu. Mas os dois
irmãos o perseguiram tão de perto que o alcançaram antes que ele pudesse chegar
aos degraus de fora. Então,
retalharam-lhe o corpo com suas espadas e o deixaram morto. A pobre mulher
estava quase tão morta quanto o marido e não teve forças para se erguer e
beijar os irmãos.
Descobriu-se
que Barba Azul não tinha herdeiros; portanto, sua esposa tornou-se dona de
todas as suas propriedades. Ela empregou parte da fortuna para casar sua irmã
mais nova com um jovem cavalheiro, que a amava há muito tempo; outra parte,
usou-a para comprar as patentes de capitão para seus irmãos. O restante do
legado ela reservou para si mesma, casando-se com um homem muito digno e
honrado, que a fez esquecer os momentos tristes que havia passado com o Barba
Azul.
Versão
em português de Paulo Soriano.
Ilustrações:
Gustave Doré (1832 – 1883) e Joseph E. Southall (1861 – 1944).
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