O CÃO INFERNAL DO CASTELO DE PEEL - Narrativa de Terror - Anônimo do séc. XX


O CÃO INFERNAL DO CASTELO DE PEEL

Anônimo do séc. XX

 

Para os que pensam que os espíritos de além só aparecem sob a forma humana, as curiosas revelações, que passamos a fazer, de casos que se deram na pequena ilha de São Patrick, são convincentes. São Patrick fica do lado Leste da Ilha de Man, que pertence ao Mar da Irlanda, e que está a igual distância da costa Norte da Inglaterra e da Irlanda.

Nessa pequena ilha rochosa encontra-se o antigo castelo de Peel, que é uma obra do décimo quinto século e, hoje, é a ruína mais pitoresca e poética das ilhas britânicas. Ali aparecem, frequentemente, duendes, animais encantados, almas e toda a sorte de entes sobrenaturais que a imaginação cria. A ilha de São Patrick parece ter a propriedade de tornar videntes os que a ela portam, pois os mais céticos, em seu solo, começam a ver coisas extraordinárias.

A mais impressionante de todas essas assombrações é, sem dúvida, o Cão Infernal, que se apresenta na forma de um grande cachorro preto, cujos olhos luminosos mexem-se com a rapidez do raio.

Segundo conta Waldron[1], uma autoridade na ilha de Man, o cão infernal, antigamente, costumava aparecer em dois lugares do castelo, que era, então, guarnecido de sentinelas, e onde às vezes o próprio senhor da ilha vinha passar tempos: o quarto da guarda e o corredor que o ligava com os apartamentos do comandante da guarnição, que estavam situados perto de uma das quatro igrejas do forte, a qual ficava a regular distância do corpo principal da casa.

A sentinela de serviço devia levar, diariamente, as chaves ao comandante, mas ninguém se atrevia a passar depois das seis horas pelo corredor mal-assombrado.

Certa vez, o soldado de guarda — um rapaz atrevido que tinha, talvez, bebido mais de que devia — declarou que levaria as chaves, à noite, atravessando pela passagem terrível. Os outros tentaram dissuadi-lo; ele, porém, rindo-se das prudentes advertências dos colegas, meteu-se pelo sinistro corredor.

Os companheiros ouviram os passos ecoando entre as paredes de pedra, e a espada arrastando no lajedo. Passados alguns minutos, gritos pavorosos, misturados com urros inimitáveis, saíram do corredor macabro.

Os soldados entreolharam-se apavorados e nenhum deles se aventurou a ir em socorro do imprudente. Ficaram perto do fogo, cabisbaixos, tremendo, sem sequer pronunciar palavra. Os gritos fariam arrepiar os cabelos e os grunhidos infernais gelavam de horror.

Mais ou menos cinco minutos durou a luta. Depois, os gritos cessaram. Os passos ecoaram apressados e a sentinela, pálida e com expressão cadavérica, apareceu de novo na porta por onde saíra, momentos antes. O estado miserável do pobre homem era tal que nem pôde falar. Recolheram-no ao hospital. No fim do terceiro dia, recuperou a fala e contou a cena:

— Eu ia entrando na sala de armas do apartamento do capitão, (que estava sem os seus naturais moradores), quando vi um enorme cão preto sentado na cadeira do comandante. Seus olhos de fogo faiscavam e seu todo era exatamente o de um diabo, apesar da forma de cão. Vendo-me, ele se aproximou, rosnando, e farejou todo o meu corpo com ameaçadora atitude. Deixei cair a vela e gritei apavorado, mas o bicho sempre a farejar tocava-me de vez em quando com o focinho, e eu sentia que me levava um pouco de vida cada vez que o fazia. Por fim, consegui correr para a porta e sair esbaforido pelo corredor. O resto vocês já sabem.

Horas mais tarde, o soldado falecia sem que os médicos soubessem explicar a enfermidade que o matava

Outra vez, e isso mais recentemente, umas crianças pediram ao oficial que toma conta das ruínas para deixá-las brincar de esconder nos arredores do castelo.

Satisfeito o pedido, elas começaram a meter-se em todos os cantos onde não fossem vistas pela menina que procurava. Três dentre elas resolveram ir para o subterrâneo da igreja, que habitualmente estava fechado, mas, naquele dia, tinha ficado aberto por descuido. As companheiras, vendo que não as encontravam, começaram a chamá-las, mas não obtiveram reposta.

Assustadas, recorreram ao oficial, que foi encontrá-las correndo atrás de um cachorro, no subterrâneo da igreja. Por mais que elas fizessem, não conseguiam apanhar o animal, cujos movimentos eram singularmente rápidos. O oficial resolveu cercar o inimigo, mas, quando o fez, este desapareceu misteriosamente. Depois apareceu mais uma vez e tornou a desaparecer como antes. O militar saiu com as meninas, fechou a porta com a chave e foi chamar diversos soldados armados. Ao abrir a porta, procuraram por toda parte e não havia cão nenhum ali. Os soldados saíam horrorizados e nunca mais quiseram passar perto da tal capelinha fora de horas.

Esse cão foi visto por mais habitantes da ilha, sempre depois do Sol se pôr, e, quando o perseguiam, desaparecia misteriosamente. Bem poucos tentaram alcançá-lo, porque os habitantes da ilha o respeitam tanto que, quando falam no "Cão Infernal", sente-se que seus cabelos estão arrepiados de pavor.


Fonte: “Leitura para Todos”, edição de janeiro de 1926.

Tradução de autor desconhecido.



[1] George Waldron (1690 - c. 1730), escritor inglês.


 

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