UM FRIO CUMPRIMENTO - Conto Clássico Sobrenatural - Ambrose Bierce
UM FRIO
CUMPRIMENTO
Ambrose Bierce
(1842 – 1914?)
Tradução de Paulo Soriano
Eis
a história contada pelo falecido Benson Foley, de São Francisco:
“No
verão de 1881, conheci um homem chamado James H. Conway, residente em Franklin,
Tennessee. Viera a São Francisco a bem de sua saúde — eis um homem iludido! — e
me trouxera uma carta de apresentação do Sr. Lawrence Barting. Eu conhecera
Barting — então capitão do exército federal — durante a Guerra Civil. Finda esta,
estabeleceu-se em Franklin e, com o tempo — eu tinha motivos para acreditar
nisto —, tornou-se um advogado de prestígio. Barting sempre me parecera um
homem honrado e sincero. A calorosa amizade que ele expressava, em sua carta,
pelo Sr. Conway era-me prova suficiente de que este merecia a minha confiança e
estima.
“Certa
feita, durante um jantar, Conway contou-me que fizera, solenemente, com
Barting, o seguinte pacto: aquele que morresse primeiro deveria, se possível,
comunicar-se, do além-túmulo, com o remanescente, mas de uma forma inequívoca;
a maneira de realizar-se o acordo ficaria — sabiamente, pareceu-me — ao nuto
daquele que falecera, em função das oportunidades que as suas novas circunstâncias
lhe poderiam oferecer.
“Algumas
semanas depois desta conversa — na qual o Sr. Conway referiu-se ao acordo —, eu
o encontrei a caminhar lentamente pela rua Montgomery. Aparentemente, tinha um
ar absorto, imerso em profunda reflexão. Cumprimentou-me friamente, com apenas
um breve aceno de cabeça, e seguiu adiante. Deixou-me, pois, parado na calçada,
com a mão algo estendida, surpreso e, naturalmente, um tanto ofendido. No dia
seguinte, voltei a encontrá-lo na recepção do Palace Hotel; vendo-o prestes a
repetir a desagradável cena do dia anterior, interceptei-o em uma porta, com
uma saudação amigável, e pedi-lhe, sem rodeios, uma explicação para aquela
mudança de comportamento. Ele hesitou um momento; depois, olhando-me
francamente nos olhos, disse:
“—Não
creio, Sr. Foley, que eu conserve o direito à sua amizade, uma vez que,
parece-me, o Sr. Barting me retirou a dele. Asseguro-lhe que não sei o motivo.
Se ele ainda não me informou, provavelmente o fará mais tarde.
“—Mas
— repliquei — eu não tive notícia alguma do Sr. Barting.
“—Notícia!
— ele repetiu, com aparente surpresa. — Ora, ele está aqui. Eu o encontrei dez
minutos antes de cruzar com o senhor. Eu dei ao senhor a mesma saudação que ele
me deu. Eu o encontrei, novamente, há menos de um quarto de hora, e seu gesto
foi exatamente o mesmo: apenas fez uma mesura e partiu. Não esquecerei tão cedo
sua gentileza para comigo, Sr. Foley. Bom dia, ou, se preferir, adeus.
“Tudo
isso me pareceu um comportamento singularmente atencioso e delicado por parte
do Sr. Conway.
“Como
as situações dramáticas e os seus efeitos literários são estranhos ao meu
propósito, explicarei imediatamente que o Sr. Barting estava morto. Havia
falecido em Nashville quatro dias antes dessa conversa. Visitando o Sr. Conway,
informei-o da morte de nosso amigo, mostrando-lhe as cartas que participavam o
seu falecimento. Ele ficou, visivelmente, tão afetado que não pude alimentar
qualquer dúvida quanto à sua sinceridade.
“—Parece-me
incrível! — disse ele, após um momento de reflexão. — Suponho que devo tê-lo
confundido com outro homem; creio que a saudação fria, deste último, foi apenas
o cumprimento civilizado de um estranho para comigo. Lembro-me que, de fato,
ele não tinha o mesmo bigode de Barting.
“—
Sem dúvida que era outro homem — concordei; e nunca mais o assunto foi
suscitado por qualquer um de nós.
“Mas
eu tinha em meu bolso uma fotografia de Barting, que fora incluída na carta que
a sua viúve me enviara. Havia sido tirada uma semana antes da sua morte; nela, Barting
não estava de bigode.”
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