A CASTRAÇÃO - Conto Clássico de Horror - Pu Songling
A CASTRAÇÃO
Pu Songling
(1640 – 1715)
Ma
Sheng Wanbao, de Dongchang, era um imoderado libertino. A sua mulher, Tian Shi,
também tinha um espírito licencioso. Eram unha e carne neste estilo de
vida.
Sucede
que, certa feita, dizendo que havia sido maltratada por seus sogros, uma jovem
mulher, ao argumento de merecer um refúgio temporário, foi acolhida por uma
senhora idosa, vizinha de Ma Sheng Wanbao.
Como
era dotada de grande habilidade na arte da costura, a moça passou a coser para
a idosa. A velha senhora ficou muito satisfeita com as refinadas peças
produzidas e, além disso, deveras contente com a companhia da jovem reclusa.
Poucos
dias depois, a moça disse-lhe que poderia fazer massagens em damas à noite, já
que era especialista no tratamento de males abdominais femininos.
A
senhora idosa, que ia frequentemente à casa de Ma Sheng Wanbao, divulgava as
habilidades de Meng, sua pupila, mas Tian Shi não demonstrava qualquer
interesse na habilidade da jovem forasteira.
Certo
dia, porém, Ma Sheng Wanbao vislumbrou a mulher — uma jovem de dezoito ou
dezenove anos — a partir de uma abertura na parede da casa da vizinha. Notando
que a garota era deveras elegante, sentiu-se imediatamente atraído por ela.
Assim, conversou secretamente com a sua esposa e pediu-lhe que se fingisse de
doente para atrair ao seu ninho aquela beldade.
Tendo
Tian Shi anuído ao pedido do marido, recebeu a cortês visita da velha senhora,
que, sentando-se junto ao seu leito, lhe disse, após expressar-lhe os desejos
de recuperação:
—
A senhora Meng, minha pupila, a cumprimenta e virá, de bom grado e prontamente,
tratar de sua saúde. Ela, todavia, teme a companha masculina. Por isto,
pede-lhe que não deixe o seu marido entrar, quando estiverem juntas.
—
A nossa casa não é espaçosa — respondeu Tian — e o meu marido está sempre a
sair e a entrar. O que podemos fazer?
Mas,
depois de fingir uma prolongada excogitação, disse-lhe Tian:
—
O nosso tio, da aldeia vizinha, convidou o meu marido para beber; eu disse a Ma
Sheng Wanbao que aproveitasse a noite inteira e só retornasse amanhã.
A
velha, assentindo, retornou a casa.
Entrementes,
Ma Sheng Wanbao e Tian Shi concebiam um estratagema para subverter a bela
jovem. No momento oportuno, estando juntas as mulheres — e no escuro —, o
marido tomaria, secretamente, o lugar da esposa.
Quando
já era noite, a velha senhora levou a bela Meng à casa dos vizinhos.
—
Seu marido voltará à casa esta noite? — perguntou a jovem à esposa.
—
Não. Não voltará — respondeu Tian.
—
Ótimo — disse Meng.
Depois
de conversarem, a velha senhora despediu-se e voltou à sua vivenda.
Em
casa, Tian acendeu o abajur, estendeu a colcha e pediu à jovem que fosse para a
cama primeiro. Tendo-se também despido, apagou as luzes e deitou-se. De
repente, disse:
—
Quase que me ia esquecendo! A porta da cozinha não está fechada. É preciso
evitar que os cães entrem e roubem a comida. Preciso fechá-la.
Tendo
dito isto, levantou-se e saiu do quarto. Ma Sheng Wanbao, então, tomou o seu
lugar, deitando-se, silenciosamente, na cama.
—
Eis-me aqui para cuidar de sua saúde — disse, com voz trêmula, a jovem Meng.
Seguiram-se,
ainda, algumas palavras de puro afeto.
Depois,
Meng tocou o ventre de Ma Sheng Wanbao e, gradualmente, deslizou ao
umbigo. Ali se deteve por um instante;
depois, desceu, alcançando-lhe as partes íntimas. Então gritou. A jovem parecia
surpresa e horrorizada, como se tivesse tocado numa cobra ou num escorpião
venenoso.
Estava
louca para fugir dali.
Ma
Sheng Wanbao segurou-a, colocou a mão entre as suas pernas e agarrou o que ali
havia. Então descobriu que aquela mulher, na verdade, assim como ele mesmo, era
um homem!
Horrorizado,
Ma Sheng Wanbao gritou, pedindo, às pressas, que acendessem as velas. Crendo
que houvera um desentendimento entre o marido e a jovem enganada, Tian Shi
acendeu a lamparina e correu até eles. Assim que entrou no quarto, viu a
“mulher” nua e ajoelhada no chão, implorando a Ma Sheng pela própria vida.
Cheia
de vergonha e medo, Tian correu em fuga.
Interrogada
por Ma Sheng, a “mulher” disse-lhe que era de Gucheng e se chamava, em verdade,
Wang Erxi. Como seu irmão era aprendiz de Sang Chong — especialista em
vestir-se como as mulheres, para enganá-las e estuprá-las —, houvera com ele
aprendido tal expediente enganoso.
Ma
Seng Wanbao perguntou:
—
Quantas mulheres, com tal método, você violou?
Wang Erxi respondeu:
—
Não faz muito tempo que me aventuro, e, até hoje, só enganei dezesseis
mulheres.
Ma,
considerando desprezível e digna de morte aquela conduta, cogitou em entregar
aquele farsante às autoridades. Pensou, assim, em denunciá-lo. Contudo,
apiedando-se de sua beleza, tomou outra decisão. Tendo-o amarrado, castrou-o de
imediato.
O
sangue jorrou abundantemente, induzindo Wang Erxi a um desmaio profundo. Mais
tarde, todavia, ele voltou a si e foi alimentado.
Ma
Sheng Wanbao colocou-o na cama, cobriu-o com uma colcha e disse-lhe:
—
Aplicarei curativos em sua ferida. Uma vez são, você ficará comigo pelo resto
de sua vida. Caso não queira ficar,
considere-se morto.
Wang
Erxi anuiu para com aquelas condições.
No
dia seguinte, tendo a velha senhora chegado à casa de Ma Sheng Wanbao, este
disse-lhe:
—
A jovem Meng é minha prima — mentiu. — Foi expulsa de casa por seu marido, eis
que é, por natureza, incapaz de dar-lhe filhos. Por acaso, hoje, ela não se
sentiu bem. Irei comprar-lhe remédios.
Depois, irei à casa de seus parentes e lhes pedirei a guarda, para que,
doravante, Meng faça companhia à minha mulher.
A
velha mulher entrou no quarto e viu Wang Erxi.
Notou que o seu rosto estava pálido como cinzas. Aproximou-se e fez-lhe
uma reverência.
—
Minha vulva inchou repentinamente; receio que seja gangrena — disse-lhe Wang.
Tendo
acreditado no que lhe fora dito, a velha se foi.
Ma
aplicou regularmente medicamentos na ferida de Wang, que cicatrizava dia após
dia.
Uma
vez curado, passou Wang Erxi a deitar-se com Ma Sheng. Mas, ao levantar-se, pela manhã, cabia-lhe
apanhar água, costurar, varrer, cozinhar e trabalhar, como se fosse a empregada
doméstica de Tian.
Pouco
depois, Sang Chong foi capturado e morto; sete dos seus comparsas também foram
presos e decapitados em público. Apenas Wang Erxi escapou à caça. O governo
emitiu uma rigorosa ordem, destinada a todas as localidades, determinando a
prisão de Wang.
Como,
na aldeia, sob os panos, suspeitava-se de Wang Erxi, foi o jovem convocado a
ter as suas partes íntimas examinadas. Sobre as roupas, apalparam-no. Contudo,
feito o exame, nada de estranho constatou-se. As dúvidas, assim, foram
eliminadas.
Desde
então, grato pela gentileza de Ma Sheng Wanbao, Wang Erxi devotou-lhe, até a
morte, toda a sua existência.
Quando
morreu, Wang Erxi foi enterrado próximo ao mausoléu da família Ma, em Fuxi,
onde ainda podem ser vistas as ruínas de seu túmulo.
Versão em português de Paulo Soriano.
Excelente texto! Indico algo semelhante, o filme O IMPÉRIO DOS SENTIDOS (1976), também sobre castração, com referências à Aba Sada.
ResponderExcluiralô amigo, hoje vou navegar no seu site e ler bastante, à tarde após o meu lauto ágape rss rss, as férias estão acabando por aqui então estou aproveitando pra ler bastante, e essa internet pra quem curte ler é uma maravilha!
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