A DIFICULDADE DE CRUZAR UM CAMPO - Conto Clássico Sobrenatural - Ambrose Bierce
A DIFICULDADE DE
CRUZAR UM CAMPO
Ambrose Bierce
(1842 – 1914?)
Tradução de Paulo Soriano
Em
de julho de 1854, numa manhã, um fazendeiro chamado Williamson, que morava a seis
milhas de Selma, Alabama, estava sentado com sua esposa e um filho na varanda
de sua casa. À sua frente havia um gramado, com talvez cinquenta jardas de
extensão entre a casa e a via pública — ou “pista”, como era chamada. Para além
dessa estrada havia um pasto rasteiro de cerca de dez acres quadrados, plano e
destituído de árvores, pedras ou qualquer objeto natural ou artificial em sua
superfície. Naquela época, não havia sequer um animal doméstico no campo. Em
outro campo, além do pasto, uma dúzia de escravos trabalhava sob o comando de
um feitor.
Jogando
fora a ponta do charuto, o fazendeiro levantou-se e disse:
—
Esqueci-me de falar com Andrew sobre o cavalos.
Andrew
era o capataz.
Williamson
percorreu vagarosamente o caminho de cascalho, colhendo uma flor enquanto
andava, atravessou a estrada e adentrou o pasto, parando por um momento
enquanto fechava o portão de entrada, para cumprimentar um vizinho que passava,
Armor Wren. Este morava numa casa adjacente à plantação. O Sr. Wren estava numa
carruagem aberta com seu filho James, um garoto de treze anos. Depois de
percorrer cerca de duzentas jardas do ponto de encontro, o Sr. Wren disse ao
filho:
—
Esqueci-me de falar com o Sr. Williamson sobre os cavalos.
O
Sr. Wren vendera ao Sr. Williamson alguns cavalos, que deveriam ter sido entregues
naquele dia, e, por alguma razão, que agora me foge à memória, seria
inconveniente entregá-los no dia seguinte. O cocheiro foi instruído a retornar
e, quando o veículo deu a volta, Williamson foi visto pelos três, caminhando
vagarosamente pelo pasto. Naquele momento, um dos cavalos da carruagem tropeçou
e quase caiu. Mal o animal recuperou-se, o menino gritou:
—
Pai, o que aconteceu com o Sr. Williamson?
Não
é objetivo desta narrativa responder a essa pergunta.
O
estranho relato do Sr. Wren, prestado, sob juramento, no curso de um processo
judicial relacionado ao espólio de Williamson, é o seguinte:
—A
exclamação de meu filho me fez olhar para o local onde tinha visto o falecido (sic)
um instante antes. Contudo, ele não mais estava lá, e nem era visível em lugar
algum. Não posso afirmar que, naquele instante, fiquei muito assustado ou me
dei conta da gravidade da ocorrência, embora eu a tenha considerado singular. O
meu filho, porém, ficou muito espantado e continuou repetindo sua pergunta de
diferentes maneiras até chegarmos ao portão. Meu escravo Sam foi igualmente
afetado, e até mesmo em maior grau, mas penso que tal reação resultou menos de
algo que ele mesmo tenha observado e mais em razão da perplexidade de meu
filho. (Esta frase do testemunho foi suprimida.) Quando descemos da carruagem,
próximos ao portão do campo, e enquanto Sam estava “enforcando” (sic) a
parelha no cercado, a Sra. Williamson, com seu filho nos braços, seguida por
vários criados, veio correndo pela calçada, muito excitada, gritando:
“—Ele
se foi, ele se foi! Oh, Deus! que coisa horrível!
“Bradou
ainda outras semelhantes exclamações, das quais agora não me lembro claramente.
Tive a impressão de que se referiam a algo mais do que o simples
desaparecimento de seu marido, mesmo que isso tivesse ocorrido diante de seus
olhos. Seus modos eram selvagens, mas não mais — creio eu — do que seria
natural, dadas as circunstâncias. Eu não tenho razões para pensar que, nessa
altura, ela já tivesse enlouquecido. Desde então, nunca mais vi nem ouvi falar
do Sr. Williamson”.
Esse
testemunho, como seria de esperar, foi corroborado, em quase todos os pormenores,
pela única outra testemunha ocular (se é que este termo é adequado), o jovem
James.
A
Sra. Williamson havia perdido a razão e os criados, é claro, não tinham a
prerrogativa de testemunhar. O menino James Wren declarou, inicialmente, que VIRA
o desaparecimento, mas não há nada disso em seu depoimento prestado no
tribunal. Nenhum dos trabalhadores do campo, que trabalhavam na seara para Williamson,
chegou a vê-lo, e a mais rigorosa busca, realizada em toda a plantação e na
região adjacente, não conseguiu fornecer um indício sequer.
As
mais monstruosas e grotescas ficções, originárias dos escravos, circularam
naquela parte do Estado durante muitos anos e, provavelmente, ainda correm até
hoje; mas o que aqui foi relatado é, certamente, tudo o que se sabe sobre o
assunto. Os tribunais decidiram que Williamson estava morto e seus bens foram partilhados
conforme a lei.
e aí amigo, vou ler este conto hoje à noite na smart tv pelo navegador dela, é a tecnologia.Estão acabando minhas férias por aqui!
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