O ESPÍRITO DE ESPADA - Conto Clássico de Terror - Yuan Mei


 

O ESPÍRITO DE ESPADA

Yuan Mei

(1716 – 1797)

 

No início desta dinastia, quando Yao Duanke, de Tongcheng, era o ministro da Justiça, um cidadão de Shanxi foi condenado por homicídio. Este homem subornou Wenyan, irmão de Yao, com dez mil taéis de prata para defender a sua causa junto ao ministro.

Wenyan concordou em ajudá-lo, mas, ciente da retidão de Duanke, não ousou intervir em nome do condenado, já que esperava, simplesmente, que o caso fosse tratado com indulgência, circunstância que lhe seria suficiente à percepção do suborno.

Certa noite, Yao Duanke folheava alguns registros à luz da lamparina. De repente, um estranho saltou da viga, empunhando uma espada. Yao perguntou se ele era um assassino e por que estava ali. O intruso respondeu que lá estava em nome do homem de Shanxi.

Yao disse:

— De acordo com a lei, esse criminoso não merece clemência. Se eu o tratasse com tolerância, as leis do país seriam gravemente violadas e eu não teria a hombridade de envergar o cargo de ministro de um tribunal.  Eu prefiro a morte à submissão.

Então, tendo apontado para o próprio pescoço, disse:

— Vá em frente. Tire minha vida.

— Se você não consegue tratar o homem com tolerância — disse o homem —, por que seu irmão aceitou o dinheiro do criminoso?

Yao disse que não sabia nada sobre isso.

— Assim pensei — disse o homem.

O estranho, então, deu um salto e saiu correndo da sala. Yao conseguiu ouvir somente uns sons ecoando do ladrilho, como se o vento estivesse a varrer as folhas lá fora.

Naquela época, Wenyan havia deixado a capital para investir-se no cargo de magistrado local de um determinado condado. Às pressas, Yao enviou um mensageiro para relatar os estranhos acontecimentos ao irmão. Todavia, quando o mensageiro alcançou a comitiva oficial em Dezhou, descobriu que Wenyan havia morrido em sua carruagem. Os servos de Wenyan explicaram:

— Depois do desjejum pousada, o nosso amo subiu na carruagem. Vencemos, então, diversas milhas. De súbito, ouvimo-lo gritar da carruagem: ‘Que vento frio!’. Rapidamente, para aquecê-lo, reunimos algumas roupas acolchoadas de algodão e fomos até a sua carruagem. No entanto, quando olhamos para o interior do coche, vimos que faltava a cabeça ao nosso amo. De onde ela deveria estar, havia apenas um esguicho sanguinolento.

Duanke assim redigiu um dístico no pavilhão Baiyun no Ministério da Justiça: “Muitas vezes sinto que meu coração está cheio de vigor, pois sei que há muitas pessoas miseráveis no mundo que precisam de ajuda”.

 

Versão em português de Paulo Soriano.

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