O MORDOMO ASSEDIADO POR FANTASMAS - Narrativa Verídica Sobrenatural - St. John D. Seymour


 

O MORDOMO ASSEDIADO POR FANTASMAS

St. John D. Seymour

(1880 – 1950)

Tradução de Paulo Soriano



O seguinte evento deve ter ocorrido entre 1679 e 1682, anos durante os quais o conde Orrery1 deteve o título.

Um cavalheiro, que morava próximo ao conde, mandou o seu mordomo comprar-lhe um baralho de cartas.

Ao atravessar um campo, o mordomo surpreendeu-se ao ver um grupo de pessoas sentadas a uma mesa repleta de iguarias, das quais convidaram-no a participar.

Sem dúvida, o mordomo teria aceitado a oferta, se algo não tivesse sussurrado em seu ouvido:

Não faça nada a que esta gente o convide a fazer.

Assim, ele recusou o convite.

Depois disso, o grupo se pôs a dançar e a tocar instrumentos musicais; depois, a trabalhar. Em ambas as atividades, queriam que o mordomo se juntasse a eles, mas sem sucesso.

Na noite seguinte, um espírito amigável veio até sua cabeceira e o advertiu para não sair de casa no dia seguinte, pois, caso o fizesse, a misteriosa confraria apoderar-se-ia dele.

O mordomo permaneceu em casa a maior parte daquele dia, mas ao anoitecer cruzou a soleira e, mal acabou de fazê-lo, uma corda lhe foi amarrada à cintura e arrastaram-no à força, com grande rapidez.

Vindo em sua direção, um cavaleiro vislumbrou o homem e as duas pontas da corda, mas viu que nada a puxava. Agarrando-se a uma das extremidades, ele conseguiu interromper o avanço precipitado do homem, embora, como castigo, recebeu um forte golpe no braço, vindo da outra extremidade.

Isso chegou aos ouvidos do conde de Orrery, que pediu ao patrão do mordomo que o encaminhasse à sua casa, no que foi atendido. O conde, então, hospedava várias pessoas de escol, entre elas dois bispos e o célebre curandeiro Valentine Greatrakes2. Aqui, a malícia dos espíritos ou das fadas se manifestou de maneira diferente. Por várias vezes, o infeliz mordomo sentiu que era levantado do chão e os esforços de Greatrakes, ajudado por outrem, não foram capazes de conter seu movimento ascendente — na verdade, tudo o que os espectadores puderam fazer fora correr para protegê-lo e evitar que se machucasse, caso o poder invisível subitamente cessasse o seu domínio. Por fim, ele caiu, mas foi seguro pelos presentes antes que chegasse ao chão; assim, não sofreu nenhum dano.

Naquela noite, o espectro, que por duas vezes se mostrara tão amigável a ele, apareceu ao lado de sua cama com uma bandeja de madeira cheia de algum líquido cinzento, pedindo-lhe que dele bebesse, dizendo que o trouxera para curá-lo de dois tipos de ataques a que estava sujeito.

O homem recusou-se a bebê-lo, e conforme se depreende de outra parte da narrativa, a sua recusa se baseava no conselho dos dois bispos, a quem ele consultara sobre o assunto.

Com isso, o espírito ficou furioso, mas disse-lhe que tinha bondade para com ele, e que, se bebesse o suco de raízes de bananeira, ficaria curado de um dos tipos de ataque, mas que deveria sofrer do outro até a morte.

Ao perguntar ao visitante quem ele era, este respondeu que era o fantasma de um homem que falecera há sete anos e que, quando vivo, levara uma vida dissoluta; por isto, estava condenado a ser carregado por um mundo inquieto, de um lado para o outro, cercado por estranhas companhias, até ao dia do Juízo Final. Acrescentou que, “se o mordomo tivesse reconhecido a Deus em todos os Seus caminhos, ele não teria sofrido tais coisas por conta dos espectros”, e lembrou-lhe que, quando de seu encontro com o grupo no campo, não havia feito suas orações no dia anterior. Depois, desapareceu, ao encontro com o grupo no campo; e então desapareceu.

Se esta história estivesse baseada apenas no testemunho do mordomo, os “dois tipos de ataques” teriam sido mais do que suficientes para explicá-la; todavia, o que devemos dizer sobre o fato de que todos os pontos principais da narrativa foram confirmados pelo conde? E, bem assim, sobre o que declarou o Sr. Greatrakes (de acordo com o Dr. More3, o autor de Collections of Philosophical Writings), afirmando-se verdadeiramente uma testemunha ocular do homem a ser lançado no ar, por sobre a cabeça dos presentes?



Fonte: Irish Witchcraft and Demonology, 1913.


Notas:

1 Roger Boyle (1646 – 1682), 2º conde de Orrery.

2 Valentine Greatrakes (1628 – 1682) foi um célebre curandeiro e magnetizador irlandês.

3 Henry More (1614 – 1687), filósofo platônico inglês. 

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