A HIDRA DE VILLEDIEU-LÈS-BAILLEUL - Conto Clássico Fantástico - Amélie Bosquet


 

A HIDRA DE VILLEDIEU-LÈS-BAILLEUL

Amélie Bosquet

(1815 – 1904)

Tradução de Paulo Soriano



A igreja de Villedieu-lès-Roches foi construída sobre uma elevação de rochas negras e acinzentadas. Uma reentrância rasa — com cerca de trinta dedos de largura e cento e cinquenta de comprimento — estende-se, partindo da igreja, na direção de Coulonces e Bailleul, ladeada por enormes massas graníticas que erguem, pendentes, as suas cristas irregulares. Bem próxima a estas rochas há uma espécie de gruta, cuja entrada foi reduzida pela ação do tempo e pelas mãos dos homens.

Segundo a lenda, uma serpente habitava aquela caverna, revestida de paredes de diamantes e ouro. De vez em quando, saía ela para banhar-se num pequeno lago próximo e, depois, vagava pelo campo à procura de presas. Quando a fome a pressionava, a víbora agia rapidamente, pois aquele monstro não era nada menos que uma hidra dotada de múltiplas cabeças. Os moradores de Villedieu e das regiões vizinhas esgotaram-se em vãs lamentações. Todavia, o desespero os inspirou a descobrir um meio de salvação. Assim, imaginaram-se carregando, até a entrada da gruta, um grande tonel, cheio de leite, obtido pelo esforço conjunto.

O monstro parecia satisfeito com o inofensivo regime ao qual pretendiam submetê-lo. Finalmente, a paz e a segurança foram restauradas. Sucede que, por esquecimento ou por carência, os habitantes de Villedieu não conseguiram fornecer ao seu hóspede a ração habitual. Nossa víbora, que há algum tempo não tinha força suficiente para sustentar um longo jejum, saiu de sua toca, instigada pela vingança e pela fome. Um jovem apareceu em seu caminho e o monstro o devorou. Sobrinho do senhor de Bailleul, era ele tão estimado pelos vassalos quanto seu tio era por eles odiado. No entanto, o senhor de Bailleul, apesar da sua conhecida aspereza, ficou profundamente triste com a morte do sobrinho. Então jurou que o dia da desforra não tardaria a chegar.

Entre o monstro a tirano, a guerra começou prontamente, mas a luta planejada pelo barão de Bailleul exigiu alguns preparativos essenciais. O sagaz senhor encetou o ataque com um ardil bem planejado: mandou colocar duas ovelhas na entrada da caverna e, ademais, encheu a grande cuba, onde o dragão bebia o leite, com um barril de conhaque.

A hidra devorou as duas ovelhas, felicitando-se da produtiva lição que — conforme cria — dera aos habitantes de Villedieu. Depois, adormeceu na embriaguez do seu sucesso e do barril de conhaque que havia esvaziado.

Chegara, todavia, a hora de o senhor de Bailleul garantir a sua vingança. O novo Hércules vestiu a sua armadura, mais rígida do que a pele de um leão, e empunhou a sua longa espada, tão forte quanto uma clava.

Rumando diretamente à caverna, o senhor de Bailleul surpreendeu o monstro adormecido, desferindo-lhe tão terrível golpe que lhe afundou a cabeça principal. Mas a hidra ainda se mostrava formidável o suficiente para se envolver em uma luta total: cegou o inimigo com um vômito de chamas. O barão de Bailleul, apesar de toda intrepidez, recuou aterrorizado.

Estando já no lado de fora, o barão escutou um estalo assustador, como se a terra estivesse prestes a desabar sob a fúria daquele réptil. As rochas de Villedieu explodiram por todos os lados, lançando sobre a planície enormes projéteis. Quando o fluxo de lava invadiu o lago, o abalo amainou e o silêncio foi restaurado naquele cenário desastroso.

No dia seguinte, os vassalos do senhor de Bailleul, trêmulos, aproximaram-se daquele antro desolado. Encontraram o corpo do barão carbonizado em sua armadura e, mais felizes do que ousariam esperar, viram-se livres dos dois monstros que os tiranizaram: a serpente e o barão.


Excerto de La Normandie Romanesque et Merveilleuse, J. Techener Editor, Ruão,1845.



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