O VAMPIRO DE HANÔVER - Narrativa Verídica de Horror - Autor desconhecido do início do séc. XX

O VAMPIRO DE HANÔVER

Autor desconhecido do início do séc. XX



As velhas lendas dos vampiros — esses monstros sanguinários que se revestiam da forma humana e só podiam morrer quando lhes cortavam a cabela ou apunhalassem o coração, e cujo alimento era o sangue de suas vítimas — está sendo revivida em Hanôver com a prisão de Friedrich Haarmann1, um açougueiro que é acusado de ter assassinado vinte e um rapazes2 no salão de seu estabelecimento.

A extensão desses crimes fez que se atemorizassem mais os naturais ou os supersticiosos que dizem tratar-se de um homem-vampiro, pois deu à morte as suas vítimas da mesma forma que o vaziam, nos velhos tempos legendários, os vampiros das idades pretéritas.

Em toda a narração do açougueiro Haarmann há um curioso paralelo com o vampiro da novela de Bram Stoker, intitulada Drácula, um célebre conde que atraía as suas vítimas para o seu castelo, onde praticava os assassínios.

O açougueiro Haarmann atraía os rapazes para o sótão do seu estabelecimento comercial de carnes, diferindo, apenas, a aparência do conde, que era delgada e silenciosa, sempre de luto, com o Haarmann, que era um robusto alemão. Diz-se que o conde vampiro nunca se mirava no espelho porque não era “mortal”, como os demais, sendo figura predestinada a vagar pela terram como castigo de ter vendido a alma ao Diabo em tempos passados.

Da mesma forma que o conde vampiro, o açougueiro Haarmann é dotado de formidável força física, de acordo com a lenda que diz que o vampiro é mais forte que vinte homens. Negou-se o açougueiro a dar os detalhes de seu crime, tendo até agora confessado o total de catorze assassínios. Ele atraía is jovens desvalidos ao sótão de sua casa, oferecendo-lhes comida e alojamento, matando-os em seguida à moda dos vampiros — chupando-lhes o sangue — e depois atirava os cadáveres ao rio Leine ou enterrava-os no mesmo sítio3.

Se a velha lenda se confirmar, estes rapazes serão outros tantos vampiros. Porque aquele que morre às mãos de um vampiro se converte “imperecível” e segue o jogo de sua vida até encontrar alguém que lhe conceda a graça de atravessar-lhe o coração com um estilete. Ainda assim, o vampiro não pode obrigar a sua vítima a acompanhá-lo, nem pode entrar em nenhuma casa sem que para isso seja convidado expressamente.

Haarmann — dizem os supersticiosos — também tentava com ofertas enganadoras, dando impressão às suas vítimas de que não os obrigava a entrar em sua casa ou favorecer-lhes com sua hospitalidade. E todos os que entraram no sótão nunca mais saíram de lá.

Dizem que o açougueiro está sofrendo dos mesmos ataques de cólera que a lenda afirma que os vampiros são sujeitos quando estão acorrentados. E quando a polícia quis obrigá-lo a declarar onde escondera os cadáveres, começou a chorar e a gritar desesperadamente, fazendo contorções, de modo lastimoso, tentando quebrar as cadeias e arrebentar a cabeça contra as paredes da prisão. Em gritos desesperados, pede que lhe contem a cabeça, se quiserem, ou que o levem para outra prisão onde não esteja sujeito aos olhares públicos. Desde que foi preso4, Haarmann não dormiu, porque diz que só pode conciliar o sono em seu açougue, circunstância esta que lembra, também, a lenda dos vampiros, que não podem dormir em cama, preferindo fazê-lo onde há terra úmida, só dormindo com satisfação em terra que seja consagrada, como a dos cemitérios.

Houve uma ocasião, na cidade de Hanôver, em que pensaram aplicar ao criminoso a lei de Lynche5, mas, o público conteve-se dessa selvagem excitação, mesmo porque, entre os do povo dispostos a despedaçar o criminoso açougueiro, havia mutos supersticiosos que se lembravam da lenda dos vampiros, que diz: ao enforcar ou despedaçar o vampiro, só o privam da forma corporal, continuando o espírito a sua sombria viagem através da vida.

Porque não há morte nem sossego para o vampiro sem que lhe tirem a cabeça do tronco e, com ferro cortante, lhe tirem o coração com um punhal e, se possível for, enchendo-lhe a boca de alho! Acrescenta a lenda, ainda, que é preciso fazer toda diligência para os interstícios do túmulo de um vampiro sejam selados com obreias bentas pela Igreja.

As autoridades da cidade de Hanôver têm recebido centenas de lastimosas cartas de mães que tiveram filhos desaparecidos, pedindo a descrição dos esqueletos encontrados no sótão do açougue e nas margens do rio Leine. Muitas visitaram o lugar onde supõem ter havido o sacrifício de seus filhos; outras dirigiram-se à prisão para ver o criminoso, assediando-o com perguntas sobre os desaparecidos.

Se supõem que os matei — responde o criminoso Haarmann —, é porque estava obrigado a isso!





Esta série de crimes em Hanôver tem despertado o interesse de toda a Alemanha, sendo muito comum na Europa Central e nos Bálcãs, especialmente na Transilvânia, onde há lendas de vampiros.

Em muitas cidades, não são raros os casos de decapitação de pessoas suspeitas de vampirismo, encontrando-se suas cabeças cortadas à espada e os corações atravessados com estreitas e afiadas folhas de aço.


Fonte: “O Jornal”/RJ, edição de 18 de outubro de 1924.


Notas:

1Friederich Heinrich Karl Haarmann (1879 – 1879), mais conhecido por “Fritz Haarmann”.

2Na verdade, 24 rapazes.

3Especula-se que ele teria, também, utilizado os cadáveres das vítimas para fabricação de salsichas.

4Haarmann foi preso em 22 de junho de 1924. O processo judicial estendeu-se de 4 a 19 de dezembro do mesmo ano. Ele foi, finalmente, guilhotinado em 15 de abril de 1925. Sua cabeça foi mantida no Instituto de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade Georg-August de Göttingen até 2014, quando finalmente cremada. Há, todavia, amostras de fatias do cérebro do criminoso em Munique.

5Ou seja, o linchamento.

 

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