A MÃO SANGRENTA - Narrativa Clássica Verídica de Horror - Lorde Halifax
A MÃO SANGRENTA
Lorde Halifax
(Charles Lindley Wood)
(1839 – 1934)
Tradução de Paulo Soriano
Em um certo vilarejo da costa sul, uma viúva e suas duas filhas moravam numa casa que ficava um pouco afastada das de seus vizinhos de ambos os lados. Situava-se em um penhasco arborizado e, a cerca de um quarto de milha do jardim, havia uma cachoeira de certa altura. As filhas eram muito apegadas uma à outra. Uma delas, Mary, era muito bonita e atraente. Entre seus admiradores, havia dois homens especialmente notáveis por sua devoção a ela, e um deles, John Bodneys, parecia prestes a realizar a ambição de sua vida, quando um novo concorrente, dotado de um temperamento bem distinto, surgiu e conquistou completamente o coração de Mary.
Marcado o dia do casamento, Mary escreveu aos Bodneys para anunciar o seu noivado e solicitar a John o seu comparecimento às bodas; todavia, dele não recebeu nenhuma resposta.
Na noite anterior ao dia do casamento Ellen, a outra irmã, apanhava samambaias no bosque quando, atrás de si, ouviu um farfalhar; virando-se rapidamente, acreditou ter visto, por instantes, John Bodneys. Contudo, o que quer que vira desapareceu rapidamente ao crepúsculo. De volta a casa, contou à irmã o que pensara ter visto; todavia, nenhuma das irmãs levou o incidente a sério.
O casamento realizou-se no dia seguinte. Pouco antes de partir com o marido, a noiva levou a irmã ao quarto que partilhavam, cuja janela dava para uma sacada da qual um lance de escadas conduzia a um jardim anexo. Depois de algumas palavras, Mary disse à irmã:
— Gostaria de ficar sozinha por alguns minutos. Daqui a pouco, voltarei a juntar-me a você.
Ellen deixou-a e desceu as escadas, onde esperou com as outras. Quando decorreu meia hora e Mary não apareceu, a irmã subiu para ver se algo lhe tinha ocorrido. A porta do quarto estava trancada. Ellen chamou-a, mas não obteve resposta. Mais alto, chamou-a de novo. Alarmada, desceu as escadas às carreiras e contou o sucedido à mãe. Por fim, a porta foi arrombada. Não havia, contudo, qualquer vestígio de Mary no quarto. Correram ao jardim, mas, exceto por uma rosa branca no caminho, nada foi visto. Durante o resto do dia e nos dias seguintes, procuraram-na por todos os lugares. Chamaram a polícia. Todo o campo foi inutilmente esquadrinhado. Mary havia desaparecido completamente.
Passaram-se os anos. A mãe e o marido de Mary haviam morrido e da festa de casamento restavam apenas Ellen e um velho criado. Numa noite de inverno, o vento transformou-se num furioso vendaval e causou muitos danos às árvores próximas à cachoeira. Quando os trabalhadores chegaram para remover a madeira caída e os fragmentos de rocha, depararam-se com uma mão esquelética, em cujo terceiro dedo havia uma aliança de casamento, protegida por outro anel, guarnecido de pedra rubra.
Prosseguindo nas buscas, encontraram um esqueleto completo, formado por ossos ressequidos; ainda se viam, grudados a eles, trapos de roupa. Ellen identificou o anel com a pedra rubra: era o que a sua irmã usava no dia do casamento.
O esqueleto foi sepultado no adro da igreja, mas o choque da descoberta foi tão grande que, algumas semanas depois, a própria Ellen estava em seu leito de morte. Na ocasião do sepultamento de Mary, ela insistira em guardar consigo a mão do esqueleto, colocando-a em uma caixa de vidro para protegê-la de acidentes. Agora, à beira da morte, deixara a mão esquelética aos cuidados de seu velho criado.
Pouco tempo depois, o criado inaugurou uma taverna, onde, como se pode imaginar, a mão esquelética e sua história eram um tópico comum de conversa entre os frequentadores.
Certa noite, um estranho, envolto numa capa e com o boné puxado sobre o rosto, entrou na taverna e pediu algo para beber.
— Foi em uma noite como essa que o grande carvalho foi derrubado — observou o taverneiro a um de seus clientes.
— Sim — respondeu o freguês. — E deve ter feito o esqueleto parecer duplamente sinistro, quando foi achado, em meio às ruínas.
— Que esqueleto? — perguntou o estranho, virando-se de repente do canto em que estava.
— Oh, é uma longa história — respondeu o taverneiro. — O senhor pode, se quiser, ver a mão esquelética na caixa de vidro. Eu lhe contarei como ela chegou lá.
Esperou por uma resposta, mas ela não veio.
O estranho estava encostado à parede em estado de choque. Olhava fixamente para a mão esquelética, repetindo várias vezes: "Sangue, sangue!"; e, com certeza, o sangue lentamente gotejava das pontas de seus dedos.
Poucos minutos depois, ele havia se recuperado o suficiente para admitir que era John Bodneys e pedir que fosse levado aos magistrados. A eles, confessou que, em um frenesi de ciúmes, havia entrado no jardim particular no dia do casamento de Mary. Vendo-a sozinha em seu quarto, entrou e a agarrou, abafando seus gritos, e a levou à cachoeira. Lá, ela lutou tão violentamente para escapar que, sem querer, ele a empurrou das pedras e ela caiu em uma fenda, onde ficou quase completamente escondida. Com medo de ser descoberto, ele nem sequer esperou para saber se ela estava morta ou viva. Fugiu e, desde então, viveu no exterior, até que um desejo irresistível o levou a revisitar a cena de seu crime.
Tendo feito a confissão, Bodneys foi conduzido à prisão do condado, onde morreu pouco depois, antes mesmo do julgamento.
Fonte: Further Stories from Lord Halifax’s Ghost, Robert MacLehose and Company Ltd, The University Press, Glasgow, 1937.
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