ENGODO - Conto de Ficção Científica - Belén Fernández Crespo

ENGODO

Belén Fernández Crespo

Tradução de Paulo Soriano




Os cientistas estavam perplexos.

Algum vírus deveria estar afetando o poderoso computador quântico! Decidiram introduzir a informação no computador antigo, mas obtiveram o mesmo resultado. Desesperados, gastaram semanas e empregaram os matemáticos mais experientes para calcular, à mão, as equações orbitais da trajetória, com os mesmos e fatais resultados: as avaliações que haviam descartado a colisão de um objeto estelar com a Terra revelaram-se equívocas.

O telescópio espacial James Webb mostrava claramente a ameaça em seus monitores: uma rocha com cento e sessenta quilômetros de diâmetro, com a forma de uma bolota dentada e núcleo de níquel.

Calculemos novamente a distância de colisão orbital. Devemos estar enganados — disse Frances, a experiente chefe do projeto encarregado de detectar asteroides potencialmente perigosos, o “Cosmos Guard”.

A exatidão dos cálculos é indiscutível, senhora. Não há erro possível — respondeu Gregory, o matemático responsável pela base de dados.

Data estimada da colisão? — perguntou ela, enquanto tentava reprimir um estremecimento.

Dentro de seis meses, no dia treze de abril… É como se disséssemos amanhã, se tivermos de construir e lançar uma sonda para redirecioná-lo — observou Gregory, um sessentão barrigudo, cujo bigode e roupas pareciam estar presos nos anos setenta do século XX.

O programa espacial sofreu tantos cortes que está aniquilado. A tecnologia de que dispomos não é apenas insuficiente: é obsoleta… Duvido que seja possível a tentativa uma manobra de deflexão — queixou-se Frances. — Estamos condenados…

Um breve silêncio ecoou no escritório asséptico, de paredes nuas, que consistia apenas numa mesinha com uma cadeira, um laptop e duas cadeiras onde Frances convidava os seus colaboradores a sentarem-se. Uma das luzes LED no falso teto começou a piscar e a zumbir irritantemente.

Não consigo entender de onde saiu o maldito asteroide. Qualquer ameaça próxima no tempo foi descartada — lamentou-se Gregory.

Os dados não mentem, Gregory: a rota de colisão desse asteroide com a Terra se acha amplamente documentada… No entanto, há algo nesse objeto que me parece muito familiar, embora eu não consiga definir o que seja… Talvez, seu diâmetro… ou a maneira como ele se move — disse Frances, franzindo o cenho.

O mesmo me acontece — afirmou ele.

Por favor, Gregory, faça os cálculos necessários sobre a trajetória de sua órbita, mas ao contrário, em direção à sua origem. Tentaremos descobrir de onde vem — implorou.

De acordo — respondeu Gregory, saindo na velocidade máxima que suas pernas, deformadas pela osteoartrite, permitiam.

O matemático fechou a porta com tanta força que praticamente a arrancou das dobradiças.

Certamente, o Governo Mundial negaria a evidência até o último minuto... Sem dúvida, não alertaria a catástrofe até faltarem poucas horas para a colisão, pois seria inútil desencadear o caos entre a população. Não haveria sobreviventes, pois aquele enorme asteroide romperia a crosta terrestre, causando megatsunamis que varreriam os continentes, e terremotos de força inimaginável que destruiriam tudo o que não houvesse sido inundado. Ninguém, rico ou pobre, poderia escapar ao seu terrível destino, já que a humanidade não criara colônias interplanetárias para sobreviver... O Homem seria apagado da face da Terra e não restaria nenhuma testemunha da sua existência... Um suor frio percorreu a medula espinhal de Frances. A responsabilidade de possuir aquele horrendo segredo era demais... Porém, não teve escolha senão aceitar o inevitável: a raça humana seria extinta e substituída pelos gigantescos descendentes das baratas domésticas, que eram praticamente imortais.

A cientista recordou-se da mãe… Talvez devesse ajustar as pontas com ela. Sem que para tanto houvesse uma significativa razão, fazia tempo que elas haviam tomado caminhos opostos. Francis jamais gostara da atitude prepotente de sua progenitora e ultimamente era-lhe difícil fingir cordialidade. Já nem mesmo telefonavam uma a outra ou trocavam mensagens. Francis percebia um peso de reproche nas palavras dela… Talvez a sua mãe percebesse a repulsa que Francis tentava ocultar. Que estúpidas haviam sido! Naquele momento, após a espantosa revelação da expiação global, qualquer controvérsia com a sua mãe parecia absolutamente banal: Frances desperdiçara anos de vida com aquele estúpido jogo de lealdades. Como poderia superar a teimosia e o ressentimento da mãe para fazer as pazes com ela sem desvelar-lhe a verdade?

Com outra pancada na porta, Gregory irrompeu no escritório. Empunhava um tablet.

Francis tentou não delatar a terrível ansiedade que sentia naquele momento, já que era evidente que deveria exibir a postura de uma pessoa digna de confiança aos seus subordinados. Cuidadosamente, colocou os óculos de armação vermelha que usava para ler. Depois, empertigou-se na desconfortável cadeira de escritório, tentando conferir à sua face uma imperturbável expressão profissional.

Conseguimos! Não há erro possível. Estas são as coordenadas iniciais da órbita, uma órbita que em nenhum momento teria passado perto da da Terra — mostrou-lhe o matemático. Gregory pressionou a tela LCD com tanta força que produziu uma mancha cinzenta no local onde enfiara o seu indicador.

Não pode ser! — exclamou Frances, que empalideceu depois de ler os dados. Estava tão agitada que se ergueu e começou a deambular, às largas, pelo escritório.

Vejo que reconheceu Aramith imediatamente.

O Aramith, que se encontrava numa órbita divergente da da Terra, tinha sido escolhido para experimentar, utilizando um impactor cinético chamado CUE, a possibilidade de desviar a trajetória de asteroides potencialmente perigosos. Há sete anos, o impactor, que colidira com o asteroide a uma velocidade de seis quilômetros por segundo, havia modificado a sua parábola em dois centímetros.

Juraram que não haveria consequências! Que o deslocamento seria de apenas dois centímetros! Dois meros centímetros, que devem se ter transformado em milhares de quilômetros ao longo da órbita… Será que ninguém previu que isto aconteceria? — A cientista estava arrasada.

Os números comprovam que, após a alteração de trajetória, algo colidiu com o Aramith no espaço profundo, causando-lhe uma nova modificação orbital que o trouxe diretamente para nós — disse Gregory.

Há décadas que andamos a brincar de deuses! Modificamos o DNA, fazemos experiências com energia nuclear, colidimos hádrons, confiantes de que as nossas ações não teriam consequências! Algum dia deveríamos parar de nos safar. — Frances estava furiosa.

Naquele exato momento, ela rechaçara os “luminares” que tiveram a ideia de destruir não apenas a raça humana, mas o planeta Terra tal qual a conheciam.

Estou totalmente de acordo com você — soluçou Gregory.

Frances fez uma pausa.

Ironias do destino… — foi tudo o que ela conseguiu dizer.

Justiça cósmica… Ou, talvez, o Karma — balbuciou Gregoy.


Ilustração: PS/Copilot.

Este conto foi publicado originariamente, em português e espanhol, na revista Relatos Fantásticos. Para acessá-la, clique AQUI .

 

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