A COBRA SAGRADA - Narrativa Clássica Cruel - Henry Rider Haggard

A COBRA SAGRADA

(Excerto de ‘As Minas do Rei Salomão’)

Henry Rider Haggard

(1856 – 1925)

Tradução de Eça de Queiroz

(1845 – 1900)




Infandós começou então uma dessas histórias de pretendentes e de guerras dinásticas, que abundam em todos os continentes.

O pai dele, Kapa, que era o rei dos Kakuanas, tivera por primeiros filhos, da primeira mulher (ele, Infandós, era filho duma concubina) dois gêmeos.

Ora, a lei dos Kakuanas manda que de dois gêmeos reais o mais fraco seja sempre destruído. Mas a mãe, por piedade e amor, escondeu o gêmeo mais fraco, que se chamava Tuala, e, ajudada por Gagula, educou-o em segredo numa caverna.

Quando Kapa morreu, o gêmeo mais velho, que se chamava Imotu, foi, portanto, rei; e, logo depois, teve da sua mulher favorita um filho por nome Ignosi.

Ora, por esse tempo passara a guerra com os povos do Norte: os campos não tinham sido semeados; veio uma fome; e havia grande miséria e dor entre o povo, que, como uma fera esfaimada, rosnava, procurando com os olhos sangrentos alguma coisa em redor para despedaçar.

Foi então que Gagula, a mulher que tudo sabe e que não morre, rompeu a dizer que os males todos provinham de que Imotu reinava sem ser rei. Imotu a esse tempo estava doente na sua cubata, com uma ferida. Começou a correr um clamor entre o povo. Por fim, Gagula um dia reúne os soldados, vai buscar Tuala, o gêmeo mais novo que ela e a mãe tinham escondido nas cavernas, apresenta-o ao povo, descobre-lhe a cinta, e mostra a marca real com que entre os Kakuanas os reis são marcados ao nascer — uma tatuagem representando uma cobra, que se enrosca em torno do ventre real, e vem reunir, sobre o umbigo real, a cabeça e o rabo.

E, ao mesmo tempo, Gagula gritava:

Eis o vosso verdadeiro rei, que eu salvei e que escondi, para ele vos vir salvar agora!

O povo, tonto de fome, ignorando a verdade, espantado com a evidencia da marca real, largou a bradar:

Este é o rei! Este é o rei!

Alguns sabiam bem que não — e que neste só havia impostura. Mas, nesse momento, ouvindo os alaridos, o rei Imotu sai doente e trôpego da sua cubata, com a mulher e com o filho que tinha três anos, a saber por que vinham tantos brados e por que pediam eles “o rei!”.

Imediatamente, Tuala, o irmão, corre para ele e crava-lhe uma faca no coração!

E o povo, que as ações decididas e bruscas sempre fascinam, gritou logo:

Tuala é rei! Tuala provou que é rei!

Diante disto, a pobre mulher de Imotu agarrou o filho, o seu Ignosi, e fugiu. Ainda apareceu, passados dias, numa aringa, pedindo de comer. Depois, viram-na seguir para os lados dos montes e nunca mais voltou.


*


De modo — observei eu, interessado por esta página de história negra — que Tuala não é o verdadeiro rei.

O velho respondeu, com prudência:

Tuala, o grande, é rei. Mas se Ignosi vivesse ainda, só esse tinha o legítimo direito de reinar sobre os Kakuanas. A cobra sagrada foi-lhe marcada em torno da cinta. O rei é ele. Somente decerto há muito que Ignosi morreu…

 

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