UMA CENA DA REVOLUÇÃO FRANCESA - Conto Clássico de Horror - Antoine Antoine de Saint-Gervais

UMA CENA DA REVOLUÇÃO FRANCESA

Antoine Antoine de Saint-Gervais

(1776 – 1836)

Tradução de autor desconhecido do séc. XIX



Mademoiselle Beauvolliers, filha do tesoureiro dos exércitos católicos e realistas da Vendée, foi feita prisioneira, na idade de oito anos, com sua mãe, pelas tropas republicanas e conduzida a uma comunidade de Angers, chamada o Calvário, onde se achavam encerradas perto de mil e duzentas vítimas. Uma delas publicou os seguintes detalhes:

Um dia de manhã, ligaram-nos dois a dois e fizeram-nos tomar o caminho do Pont-de-Cé. O deputado Francastel e a guilhotina marchavam à nossa frente. Este sanguinário convencional nos conduzia à morte com um ar triunfante. Estávamos pouco mais ou menos em meio caminho, quando um correio, que ia procurá-lo a Angers, lhe entregou um despacho pelo qual o obrigavam a suspender a marcha dos presos do Calvário, por não estar ainda decidido o destino que lhes seria dado em Pont-de-Cé. Mandaram-nos fazer alto e, quando vimos o ar sinistro e feroz de Francastel, julgamos que ia mandar-nos lançar no Loire. Mas — ai! — reservavam-nos para maiores tormentos.

Depois de termos estado, mais de três horas, nas mais vivas angústias, fomos conduzidos à aldeia de Saint-Aubin, contígua ao Pont-de-Cé, e encerrados na igreja daquele povoado, onde passamos três dias e três noites sem recebermos alimento algum. No quarto dia, mudaram os nossos guardas. Os que os substituíram eram menos inumanos e deixaram entrar pessoas caridosas, que esperavam com impaciência o instante de nos levar alimentos. Pode-se fazer perfeitamente ideia do estado de inanição e de desfalecimento em que nos achávamos. A incerteza do nosso destino aumentava ainda mais o horror da nossa situação. Desejando sair dela, fosse por que preço fosse, perguntamos aos guardas se sabiam a que sorte estávamos reservados. Responderam-nos que os deportados iam partir imediatamente, e que os que estavam condenados padeceriam o suplício naquela noite.

Abriu-se, então, a porta da igreja que dava para o cemitério, e fizeram-nos passar para ali a todos. Pensamos que, metendo-nos naquele lúgubre local, onde a imagem da morte se oferecia a nossos olhos por todos os lados, queriam anunciar-nos o fim que nos esperava. Ainda que não houvesse espaço algum que atravessar para ir da igreja ao cemitério, a passagem durou muito tempo, pela dificuldade de arrancar dos braços de suas mães, lavadas em lágrimas, os filhos a quem censuravam asperamente os sentimentos religiosos e realistas que elas lhes haviam inspirado, gabando-se de que os iriam instruir nos princípios opostos: isto punha o cúmulo à aflição das mães e dos filhos. Muitos dessas inocentes criaturas pediam, como um benefício, que os deixassem morrer com aquelas que lhes tinham dado o ser. Nunca vi quadro mais aflitivo, nem cena que mais cortasse o coração...”

O grito dessas ingênuas almas humanas penetrou até mesmo a alma daqueles seres que parecem ter jurado permanecer insensível a todo sentimento de humanidade.

Como resultado, esses procônsules, que a si arrogavam o direito de vida ou morte, fizeram somente deportar as mães cujos filhos delas não queriam separar-se.

Madame Beauvolliers foi uma das que, sob essas cruéis circunstâncias, conservaram a existência graças à piedade filial.

Mademoiselle de Beauvolliers e sua mãe tiveram a felicidade de escapar à morte. Mas o valente cavalheiro, esposo desta, morreu no cadafalso, em Angers; e seu jovem irmão, que combateu pelo rei com heroica coragem em Savenay, ficou todo coberto de feridas no campo da batalha; foi aprisionado pelos republicanos e, logo depois, fuzilado.



Fonte: “Bibliotheca Familiar e Recreativa”, edição nº 2, 1842.

 

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