O PÁROCO AUXILIAR DE CHILTON POLDEN - Narrativa Clássica Verídica Sobrenatural - Lady Margaret Shelley
O PÁROCO AUXILIAR DE CHILTON POLDEN
Lady Margaret Shelley
(1856 – 1947)
Tradução de Paulo Soriano
Durante alguns anos do século passado, a paróquia de Chilton Polden, na Cornualha, foi ocupada por um clérigo chamado Drury.
A paróquia era muito dispersa e intercalada por trechos de agrestes extensões de charneca.
Certa noite, em abril, quando voltava para casa, o Sr. Drury tropeçou num terreno irregular e torceu gravemente o tornozelo. Depois de descansar um pouco, retomou o caminho e, com muitas pausas e grande dificuldade, chegou finalmente ao priorado, de onde enviou uma ao médico, pedindo-lhe que viesse imediatamente. O esforço de percorrer o último quilômetro com o tornozelo machucado aumentou o inchaço e a inflamação a tal ponto que, ao examiná-lo, médico disse:
— O senhor estará impossibilitado de exercer o seu ofício por três semanas.
— Esta é uma terrível notícia — respondeu o Sr. Drury. — A Páscoa é daqui a quinze dias e o clero local sabe muito, menos oficiar. O que hei de fazer?
— Não sei o que dizer — respondeu o médico. — Sei, apenas, que o senhor não poderá oficiar nem pregar nesta Páscoa.
Depois da partida do médico, o Sr. Drury refletiu sobre a situação e, por fim, decidiu escrever ao seu irmão mais novo, Frank, que era coadjutor em Liverpool, indagando-lhe se poderia vir ajudá-lo. Muito agradecido ficou quando, oportunamente, chegou uma carta de Frank dizendo que, quando o vigário local leu-lhe a carta e soube do que tinha acontecido, reagira mui generosamente e lha dera permissão para ir a Chilton Polden oficiar nos Domingos de Ramos e de Páscoa. Frank prometeu aparecer dentro de dois dias.
Foi o que fez e ficou encantado por rever o irmão, e cheio de prazer por estar no campo numa estação tão adorável, depois de ter passado o inverno nos bairros pobres de Liverpool. Ele chegou na sexta-feira anterior ao Domingo de Ramos.
No dia seguinte, ao falar com o seu irmão, disse:
— Eu tive um sonho estranho ontem à noite. Passeava pelo cemitério da igreja e via um homem idoso, de longuíssimos cabelos grisalhos. Era uma figura encurvada, como os que padecem de reumatismo, cavando uma sepultura perto do pórtico sul da igreja. Aproximei-me dele e perguntei-lhe se alguém morrera recentemente e para quem seria aquela cova. O homem suspendeu a sua tarefa e, olhando-me bem no rosto, disse-me, muito claramente: “— A cova é sua, senhor”. Sei que parece absurdo, mas o sonho provocou-me um grande choque. Tive de me levantar, acender uma vela e ler durante uma hora antes de conseguir dormir novamente.
Depois de contar ao irmão o sonho, Frank esqueceu-se dele.
À noite, entrou com as mãos cheias de flores silvestres e disse:
— Vi um espécime que hei de apanhar amanhã (domingo) à tarde, depois da missa. A planta crescia bastante baixo, por sob uma rocha, e não tive tempo, hoje, de descer até ela.
No culto matinal do Domingo de Ramos, Frank escolheu como texto: “Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino”. No meio do sermão, parou de repente e algumas das pessoas mais próximas do púlpito notaram que ele havia ficado bastante pálido. No entanto, recuperou-se num instante e prosseguiu com firmeza até ao fim.
Quando voltou ao priorado, disse ao Sr. Drury:
— Sabe, eu vi na igreja, esta manhã, o homem idoso do meu sonho. O susto apanhou-me e, por um instante, pensei que não ia conseguir concluir o sermão. O homem estava sentado perto do terceiro pilar, do lado direito do corredor.
— Sim — respondeu o Sr. Drury — é exatamente onde o velho Ben, o sacristão, se senta sempre, mas o seu sonho, Frank, é um absurdo. Você só ficará aqui mais dez dias e está em perfeita saúde. Simplesmente esqueça o seu susto e considere todo este episódio como uma coincidência.
Além de jovem, Frank era alegre por natureza. Se não esquecera o episódio, ao menos parecia ter esquecido. À tarde, pregou, desenvolvendo o sermão a partir do texto: “Hoje estarás comigo no Paraíso”.
Quando regressou à reitoria, não mais fez qualquer alusão ao sonho.
Depois de tomarem juntos o chá matinal, Frank partiu alegremente em sua expedição para colher a flor que vira e cobiçara um dia antes. Chegada a hora do jantar, ainda não tinha voltado. A tarde se transformou em crepúsculo e o crepúsculo em escuridão, mas não havia sinal dele.
O Sr. Drury, preso em casa com o tornozelo inchado, ficou inquieto e, por fim, mandou a sua governanta avisar ao guarda da aldeia.
Organizaram imediatamente uma busca com lanternas, mas, naquela noite, não o encontraram.
De manhã, porém, quando a busca foi retomada, o corpo de Frank foi descoberto no fundo de uma velha pedreira. Tinha uma flor na mão.
Naquela semana, Frank foi sepultado no cemitério de Chilton Polden.
Fonte: Lord Halifax’s Ghost Book, Robert MacLehose and Company Ltd, The University Press, Glasgow, 1936.
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