A RECORRENTE APARIÇÃO - Conto Clássico Sobrenatural - Jules Lecoeur

A RECORRENTE APARIÇÃO

Jules Lecoeur

(1818-1893)

Tradução de Paulo Soriano



Na balsa de Bataille, perto de Clécy, Dominique, o barqueiro, frequentemente escutava, ao bater da meia-noite, uma voz que, da outra margem, o chamava:

Para o barco, Dominique! Para o barco!

Despertado num sobressalto e compelido por uma força irresistível a obedecer, o pobre homem saltava de seu catre à balsa, atravessava o rio e encontrava, diante de si, uma senhora mais pálida que as roupas brancas que a cobriam, e que se sentava na traseira do barco.

A balsa partia novamente, mas afundava à medida que avançava, como se estivesse sobrecarregada; e quando, paralisado de medo, Dominique se virava, via que a forma branca já havia desaparecido e que a balsa flutuava normalmente.

Durante muito tempo, o barqueiro não ousou escapar dessa provação. Todavia, quando se lhe esgotou a paciência, acolheu o conselho do sacristão da paróquia e resolveu pôr um basta naquela tortura.

Certa noite, escondeu-se atrás do tronco carcomido de um velho salgueiro chorão, no qual costumava atracar a balsa, e, com olhos e ouvidos atentos, ansiosamente esperou. Ele estava armado com um rifle, no qual encartara uma bala sagrada, dada pelo sacristão.

À meia-noite, quando o chamado foi ouvido — e o espectro branco ressurgiu, tomando forma na margem oposta —, ele mirou e disparou. O tiro foi bem-sucedido, porque ele viu o fantasma fugindo, ouviu gritos e gemidos de partir o coração, que logo feneceram no profundo silêncio da noite.

No dia seguinte, às primeiras luzes da alvorada, alguns lavradores, que atravessavam a charneca de Noron, encontraram caído, ao pé dos rochedos, o corpo de uma jovem admiravelmente bela, tendo, sobre a roupa branca, o casaco penitencial de um varou1. Ela exibia um grande ferimento no lado do corpo, de onde seu sangue fora expelido, assim como a sua vida. Era a mulher a quem o barqueiro atingira com um tiro.

A tradição acrescenta que, em expiação de um oculto pecado, teve a jovem que realizar, durante sete anos, tais encargos noturnos, que terminaram num tão trágico desfecho.

Dominique estava agora livre daquelas aterrorizantes visitas, mas o infortúnio não tardou a chegar. Seus dois filhos pequenos morreram alguns dias depois, vítimas de um misterioso acidente, e a dor que o homem sentiu o levou prematuramente à sepultura.



Fonte: “Esquisses du Bocage Normand”, tomo II, ed. L. Morel, 1883.


Nota:

1Entidade atingida por uma maldição divina, devido a um crime que permaneceu impune.

 

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