O CRIME DO OPERÁRIO - Conto Clássico de Horror - Caius Martius
O CRIME DO OPERÁRIO
Caius Martius1
— Sr. Cura, mais uma vez venho incomodá-lo. O Justino está, de novo, na taverna e ninguém consegue arrancá-lo do balcão das bebidas.
Quem assim se exprimia, debulhada lágrimas, era a Maria Romana, robusta operária, considerada no seu meio pelas suas virtudes. Era ela mãe de um casal interessante, que recebia do velho pároco os prolegômenos da instrução, e de mais uma rosada criancinha de peito.
Justino Marques fora, em outros tempos, um hábil mecânico. Honrado e trabalhador, chegou a merecer a confiança dos seus patrões, que o encarregaram da gerência da seção de máquinas da grande casa de fundição H. S. & Sons.
Levado, porém, pelas más companhias, começou a descurar das suas obrigações, havendo sofrido já várias admoestações por esse fato. Em vez de se emendar, tornou-se, cada vez mais, relaxado, entregando-se desbragadamente à embriaguez. Nesses momentos, então, não respeitava quem quer que fosse, a não ser o vigário.
Em presença daquele santo homem, Justino parecia recobrar a sua lucidez do espírito. Acalmava-se e tomava o caminho de casa.
Várias vezes, Maria Romana recorrera ao cura para arrancar o marido das casas de bebidas. Isto custava-lhe, não raras vezes, pancada. Ela, porém, dava por bem feito o que então sofria.
Naquela tarde, pois, a desgraçada esposa fora, mais uma vez, em busca do padre. Ela mesma havia ido à venda para ver se conseguia retirar dali o operário. Foi, porém, recebida com impropérios, e só não sofreu maltrato físico devido à intervenção de estranhos.
O cura, depois de suspirar, apanhou o chapéu e, apoiado no grosso bastão, dirigiu-se para a bodega.
No momento mesmo em que chegava à casa do vício, uma rixa horrível ali tinha lugar. Bastou, porém, a presença daquele ancião venerável para que um silêncio sepulcral substituísse aquele barulho infernal.
O cura admoestou os presentes, que, humildes e com a cabeça baixa, foram-se retirando, um a um.
Restava Justino.
Desta vez, não ouviu os conselhos do padre. Respondeu-lhe com palavras grosseiras e, como o cura lhe falasse na mulher e nos filhos, superexcitado pelos vapores do álcool, atirou o vigário de encontro à parede e saiu pronunciando horríveis blasfêmias.
Dirigiu-se à casa, onde o aguardava a esposa. Como uma fera, atirou-se a Maria Romana, que alimentava a filhinha.
Arrancou-lhe dos braços o inocente ser, que arremessou ao chão. Em seguida, aos clamores da mulher, apanhou de cima da mesa uma comprida faca de cozinha, que mergulhou até o cabo no seio da desgraçada mãe.
À vista do sangue que lhe salpicara a face, a bebedeira desapareceu como por encanto. Pôde, só então, compreender a amplitude da sua desgraça. Escancararam-se-lhe os olhos como se quisessem fugir das órbitas. Ouviu-se uma gargalhada estridente… Justino enlouquecera.
*
No dia seguinte, foi retirado dum valado um corpo todo fraturado, de cuja cabeça escapava-se o encéfalo. Era do desgraçado operário aquele corpo mutilado.
Fonte: “Vida Policial”/RJ, edição de 10 de julho de 1926.
Nota:
1Pseudônimo de Cláudio de Mendonça (1888 – 1954).
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