SEREIAS - Narrativa Clássica Sobrenatural - Alexandre Carmichael

SEREIAS

Alexandre Carmichael

(1832 – 1912)

Tradução de Paulo Soriano


Há várias histórias de sereias espalhadas pelas Ilhas1. Delas, anotei várias, algumas das quais merecem menção.

Colin Campbell, agricultor de Ceanntangbhal, Barra, julgou ver uma lontra num recife em Caolas Cumhan, Barra.

A lontra agarrava e comia um peixe, com os olhos fechados, ao seu costume. Quando o homem ergueu a arma para atirar, percebeu, para sua surpresa, que a criatura à sua frente parecia uma mulher segurando uma criança. Ele tinha um telescópio, que lhe fora dado por um capitão de navio por seus bravos serviços prestados no mar, e, olhando pela lente, notou que aquilo que contemplava tinha a cabeça, o cabelo, o pescoço, os ombros e o peito de uma mulher, e segurava uma criança. Ficou deveras surpreso e concluiu que aquela devia ser a sereia de quem ouvira falar frequentemente.

Agradecendo interiormente à Virgem amorosa por ter retido a sua mão, Campbell ergueu o copo. O estalar de seu copo assustou a sereia e, num piscar de olhos, ela e o filho mergulharam no mar com um estrondo. Colin Campbell, um homem honesto, inteligente e de meia-idade, acreditava convictamente ter visto a sereia.

Neill Maceachain, agricultor de Hough-beag, South Uist, retornava de Clyde, onde ele e outros haviam estado com gêneros agrícolas, antes da época dos barcos a vapor no Oeste. Uma calmaria emergia do Estreito de Mull. O sol era escaldante, o ar pesado e a superfície do mar lisa como vidro polido quando todos ficaram espantados ao verem uma criatura a cerca de dois metros da lateral do barco parado. Sua cabeça, pescoço, peito e ombros assemelhavam-se aos de uma mulher, embora os seus cabelos fossem mais espessos e os seus olhos mais vítreos. Abaixo do peito, tudo mergulhava na água. A criatura contemplou-os por um minuto ou mais, com seus grandes olhos maravilhados e, então, desapareceu no mar tão silenciosamente quanto havia surgido. O narrador não ofereceu nenhuma explicação para o estranho fenômeno, nunca tendo visto nada parecido antes, malgrado uma vida inteira dedicada ao mar. Um de seus companheiros, todavia, disse que o ente era uma sereia e declarou ter visto uma criatura exatamente igual àquela alguns anos antes, quando recolhia algas em Airdmaoilean, South Uist.

Neill Maceachain era um homem absolutamente honesto e incapaz de inventar histórias. Era um dos nobres da natureza, sendo ricamente dotado mental e fisicamente, e com uma memória fenomenal. Era parente de Neill Maceachain, ou MacDonald, pai do Marechal MacDonald, Duque de Tarento, e era notavelmente parecido com o duque em forma e feições, assimcomo em temperamento. Ele viu e conversou com o duque quando este visitou seus parentes em South Uist.





Há cerca de setenta anos, algumas pessoas cortavam algas marinhas em Sgeir em Duchadh, Grimnis, Benbecula. Antes de calçar as meias, uma das mulheres foi até a extremidade inferior do recife para lavar os pés. Enquanto ocupava-se nisto, escutou um barulho de água no mar calmo e, olhando para cima, viu, a poucos metros de distância, uma criatura em forma de mulher em miniatura. Alarmada, a mulher chamou seus amigos, e todos os presentes correram ao local.

A criatura deu cambalhotas e girou em várias direções. Alguns homens entraram na água para agarrá-la, mas ela se moveu para além do alcance dos perseguidores. Alguns meninos atiraram pedras nela, uma das quais a atingiu nas costas. Poucos dias depois, essa estranha criatura foi encontrada morta em Cuile, Nunton, a quase três quilômetros de distância.

A parte superior da criatura tinha aproximadamente o tamanho de uma criança bem alimentada de três ou quatro anos de idade, mas o peito era anormalmente desenvolvido. O pelo era longo, escuro e brilhante, enquanto a pele era branca, macia e tenra. A parte inferior do corpo era como a de um salmão, mas sem escamas. Inúmeras pessoas, algumas de longas distâncias, vieram ver esse estranho animal, e unanimemente partilhavam da opinião de que finalmente haviam contemplado a sereia.

O Sr. Duncan Shaw, feitor de Clanranaki, principal magistrado e xerife do distrito, ordenou que se fizessem um caixão e uma mortalha para a sereia. Feito isto, o seu corpo foi enterrado na presença de muitas pessoas, a uma breve distância da costa onde fora encontrado. Há pessoas, ainda vivas, que viram e tocaram nessa curiosa criatura e que fornecem descrições gráficas de sua aparência.


Fonte: “Carmina Galelica”, Vol. II, T. and A. Constable Printers, Edimburgo, 1900.


Nota:

1Ilhas Hébridas, arquipélago situado na costa oeste da Escócia.

 

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