UMA DESCONSERTANTE EMBOSCADA - Conto Clássico Sobrenatural - Ambrose Bierce

UMA DESCONSERTANTE EMBOSCADA

Ambrose Bierce

(1842 – 1914)

Tradução de Paulo Soriano



A ligação entre Readyville e Woodbury fazia-se por uma boa e sólida estrada com nove ou dez milhas de comprimento.  Readyville constituía-se num posto avançado do exército federal em Murfreesboro; Woodbury mantinha a mesma relação com o exército confederado em Tullahoma.  Durante meses, após a grande batalha de Stone River, tais postos avançados estiveram em constante disputa, tendo a maior parte dos conflitos entre destacamentos de cavalaria ocorrido, naturalmente, naquela via. Por vezes, a infantaria e a artilharia interferiam no jogo, como forma de demostrar a sua boa vontade.

Certa noite, um esquadrão da cavalaria federal, comandada pelo Major Seidel, um oficial valente e hábil, partiu de Readyville para uma empreitada extraordinariamente perigosa que exigia sigilo, cautela e silêncio.

Ao passar os piquetes de infantaria, o destacamento aproximou-se de duas vedetas de cavalaria, que olhavam fixamente para a escuridão à sua frente.  Contudo, deveriam ser três.

Onde está o seu outro homem? — indagou o major.  — Eu ordenei que Dunning estivesse aqui esta noite.

Ele avançou, senhor — respondeu o homem.  — Houve um pequeno tiroteio depois, mas era um longo caminho até a frente.

Foi contra as minhas ordens e o bom senso que Dunning agiu assim — disse o oficial, obviamente irritado.  — Por que ele avançou?

Eu não sei, senhor. Ele parecia muito inquieto.  Acho que estava assustado.

Quando este notável ser pensante e o seu companheiro foram absorvidos pela força expedicionária, esta retomou o seu avanço. As conversas foram proibidas; as armas e os apetrechos foram obstadas de fazer ruídos.  O trote dos cavalos era a única coisa que se escutava, e o movimento era lento, para que se ouvisse o mínimo possível.  Já passava da meia-noite e estava bem escuro, malgrado houvesse, em algum lugar por detrás das massas de nuvens, uma nesga de lua.

A duas ou três milhas de distância, a cabeça da coluna acercou-se de uma densa floresta de cedros, que margeava a estrada. Simplesmente detendo-se, o major ordenou uma parada e, notadamente um pouco “assustado”, prosseguiu sozinho para fazer o reconhecimento.  Todavia, foi seguido pelo seu ajudante de ordens e três soldados, que se mantiveram a uma curta distância e, sem que o oficial percebesse, viram tudo o que se passou.

Depois de cavalgar cerca de cem jardas em direção à floresta, súbita e bruscamente o major refreou o seu cavalo e, então, postou-se imóvel na sela.  Perto da beira da estrada, num pequeno espaço aberto e a apenas dez passos de distância, estava a figura de um homem, vagamente visível e tão imóvel quanto ele.  A sensação inicial do major foi a de satisfação por ter deixado a cavalgada para trás; se se tratasse de um inimigo e ele escapasse, não teria muito a relatar.  Aquela expedição ainda não havia sido detectada.

Um objeto escuro era vagamente perceptível aos pés do homem; o oficial não conseguia distingui-lo.  Com o instinto do verdadeiro cavaleiro, e uma indisposição particular para o disparo de armas de fogo, desembainhou o sabre.  O homem em pé não fez nenhum movimento em resposta ao desafio.  A situação era tensa e um tanto dramática.  De súbito, a lua irrompeu por uma fenda nas nuvens e, sob a sombra de um amontoado de grandes carvalhos, o cavaleiro viu claramente o homem, de pé, numa mancha de luz branca.  Era o soldado Dunning, desarmado e sem o quepe. O objeto a seus pés assumiu a forma de um cavalo morto e, num ângulo reto sobre o pescoço do animal, jazia um cadáver, de bruços sob o luar.

Dunning teve a luta da sua vida — pensou o major, e já estava prestes a avançar. Dunning ergueu a mão, fazendo-o recuar com um gesto de advertência; depois, abaixando o braço, apontou para o espaço em que a estrada se perdia na escuridão da floresta de cedros.

O major compreendeu e, virando o seu cavalo, retornou ao pequeno grupo que o tinha seguido. Temendo o seu desagrado, o grupo já se afastava, voltando à frente de seu comando.

Dunning está logo ali — disse ele ao capitão da sua liderança. — Ele matou o seu homem e terá algo a relatar.

Eles esperaram pacientemente por Dunning, com os sabres desembainhados, mas este não apareceu.  Em uma hora amanheceu e toda a força avançou cautelosamente, com o seu comandante não totalmente satisfeito com a sua confiança no soldado Dunning.  A expedição havia fracassado, mas ainda havia algo a ser feito.

No pequeno espaço aberto à margem da estrada, encontraram um cavalo caído.  Num ângulo reto, sobre o pescoço do animal, de bruços, com uma bala no cérebro, jazia o corpo do soldado Dunning, rígido como uma estátua, morto há horas.

A investigação revelou provas abundantes de que, há meia hora, a floresta de cedros havia sido ocupada por uma intensa força de infantaria confederada — uma emboscada.


Comentários

  1. amigo, aqui é o Rogério de Tubarão, vou ler este conto, sou fã do Bierce, como você deve saber.

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