O DEDO MÉDIO DO PÉ DIREITO - Conto Clássico de Terror - Ambrose Bierce
O DEDO MÉDIO DO PÉ DIREITO
Ambrose Bierce
(1842 – 1913?)
Tradução: Rento Suttana
1
Sabe-se
que a velha mansão Manton é assombrada. Pessoa alguma de mentalidade aberta
duvida disso. A incredulidade restringe-se a esses indivíduos de opinião que
ainda serão chamados de excêntricos tão logo a palavra penetre nos recessos
intelectuais do Marshall Progressista. A evidência de que a casa seja
assombrada é de dois tipos: o parecer de testemunhas desinteressadas, que
alegam provas oculares, e aquele da própria casa. O primeiro pode até ser
dispensado ou tratado com os vários níveis de objeção que os mais engenhosos
costumam evocar nesses casos. Mas fatos que concernem à observação de todos são
materiais e controláveis.
Em
primeiro lugar, a mansão Manton não tem sido ocupada por mortais há mais de dez
anos, e suas fachadas se acham em lento estado de deterioração – uma circunstância
que, por si mesma, os judiciosos não se atreverão a ignorar. Situa-se um pouco
fora da extremidade mais solitária da estrada que liga Marshall a Harriston,
num descampado que um dia foi uma fazenda e que se acha agora desfigurado pelas
ruínas de uma cerca apodrecida e meio coberta pelos espinheiros que infestam um
solo pedregoso há muito esquecido pelo arado. A casa mesma se encontra num
estado tolerável de conservação, embora muito manchada pelo tempo e a carecer
dos cuidados de um vidraceiro – a população masculina menor da região tendo
atestado, à sua maneira, certa desaprovação quanto ao fato de haver ali uma
residência sem residentes. De formato quase quadrado, tem dois pavimentos e a
entrada cortada por um portal que, de cada lado, uma janela de rótulas altas
guarnece. Janelas correspondentes na parte de cima, não protegidas por rótulas
de madeira, permitem a entrada de luz nos cômodos do pavimento superior. Grama
e ervas crescem livremente por toda parte e algumas árvores copadas, que canalizam
o vento, e todas inclinadas numa só direção, parecendo fazer um esforço
conjunto para fugir. Em suma, como o humorista de Marshall explicou nas colunas
do Progressista, “a proposição de que a mansão Manton é assombrada é a única
conclusão lógica das premissas”. O fato de que, nessa casa, o sr. Manton julgou
por bem, certa noite, se levantar da cama e cortar as gargantas de sua esposa e
de seus dois filhos pequenos, mudando-se em seguida para outra parte do país,
ajudou sem dúvida a despertar a atenção do público para a perfeita adequação do
lugar aos fenômenos sobrenaturais.
A
essa casa, numa tarde de verão, chegaram quatro homens numa carroça. Três deles
apearam imediatamente, e o que conduzia a carroça amarrou o cavalo ao único
mourão remanescente do que fora outrora uma cerca. O quarto permaneceu na
carroça.
–
Venha – disse um dos companheiros, aproximando-se dele, enquanto os outros se
afastavam em direção à casa. – Este é o lugar.
O
interpelado não se moveu.
–
Por Deus – disse rudemente –, isso é uma peça, e me parece que vocês estão
preparando alguma.
–
Talvez eu esteja – o outro disse, olhando-o no rosto e falando num tom que
continha uma ponta de desprezo. – Você se lembrará, porém, de que a escolha do
lugar foi deixada, com o seu próprio assentimento, para o oponente. Obviamente,
se está com medo de fantasmas...
–
Não estou com medo de nada – o homem interrompeu com uma praga, e saltou para o
chão.
Os
dois então se juntaram aos outros na porta, que, com dificuldade, devido à
ferrugem da fechadura e das dobradiças, já tinha sido aberta por um deles.
Entraram. Estava escuro por dentro, mas o homem que destrancara tirou do bolso
uma vela e fósforos e acendeu uma luz. Então, destrancou uma porta à direita,
enquanto os outros aguardavam. Isso lhes permitiu entrar num cômodo amplo,
quadrado, que a vela iluminou precariamente. Uma camada espessa de poeira
cobria o piso, abafando em parte o ruído de seus passos. Havia teias de aranha
por todos os cantos, pendentes do teto como longas tiras podres que fizessem
movimentos ondulatórios no ar perturbado. O cômodo tinha duas janelas em
ângulos adjacentes, mas através delas nada se podia avistar senão a madeira
interna dos pranchões, a poucas polegadas do vidro. Não havia lareira, nem
mobília. Não havia nada, a não ser teias de aranha e poeira. Os quatro homens
eram os únicos objetos ali que não faziam parte da estrutura.
Pareciam
bem estranhos à luz amarelada da vela. Aquele que apeara com relutância era
singularmente espetacular – poderia mesmo ser chamado de sensacional. De meia
idade e compleição robusta, o peito fundo e os ombros largos, olhando-se para a
sua figura se diria que tinha a força de um gigante; e, olhando-se para sua
aparência, que a usaria como um gigante. Estava barbeado, os cabelos cinzentos
aparados rente ao crânio. Sua testa baixa era vincada de rugas em cima dos
olhos, rugas que se tornavam verticais ao redor do nariz. As pesadas
sobrancelhas negras seguiam o mesmo padrão, exceto ao se curvarem para cima no
que, de outro modo, teria sido seu ponto de contato. Afundados por baixo
bruxuleavam dois pares obscuros de olhos de cor incerta, mas certamente
pequenos. Havia qualquer coisa de ameaçadora na sua expressão, a qual não era
ajudada pela boca cruel e pelo queixo largo. O nariz parecia bem, como qualquer
nariz, até porque não se espera muito de narizes. Tudo o que havia de sinistro
na face desse homem parecia acentuado por uma palidez desumana: era como se ele
fosse totalmente exangue.
A
aparência dos outros era bastante comum: tratava-se de pessoas que podemos
encontrar por aí e esquecer que encontramos. Todos eram mais jovens do que o
homem descrito, que aparentemente não mantinha boas relações com o mais velho
dos três, o qual permanecia à parte. Evitavam olhar-se um ao outro.
–
Cavalheiros – disse o homem que segurava a vela e as chaves –, acho que tudo
está bem. Está pronto, sr. Rosser?
O
homem que se afastara do grupo acenou com a cabeça e sorriu.
–
E você, sr. Grossmith?
O
pesadão acenou também, com uma carranca.
–
Façam a gentileza de removerem seus trajes exteriores.
Chapéus,
paletós, coletes e lenços foram tirados e jogados através da porta, no
vestíbulo. O homem da vela fez um sinal com a cabeça, e o quarto – aquele que
incitara Grossmith a deixar a carroça – sacou do bolso de seu sobretudo duas
longas facas de caça, de aparência mortífera, que extraiu das bainhas de couro.
–
São exatamente iguais – disse, estendendo uma para cada um dos protagonistas;
pois, a essa altura, até o mais obtuso observador já teria entendido a natureza
do encontro. Ia acontecer um duelo de morte.
Cada
contendor apanhou uma faca, examinou-a com cuidado à luz da vela e testou a
resistência da lâmina e do cabo contra o joelho erguido. Suas pessoas foram
examinadas em seguida, cada uma por sua vez, pelo auxiliar do oponente.
–
Se lhe apraz, sr. Grossmith – disse o homem que segurava a luz –, faça o favor
de ir posicionar-se naquele canto.
Indicou
o ângulo do cômodo mais distante da porta, para o qual Grossmith se retirou, seu
auxiliar se afastando também com um aperto de mão que nada tinha de cordial. No
ângulo mais próximo à porta, o sr. Rosser se colocou de pé; e, após uma
consulta cochichada, seu auxiliar o deixou para se juntar ao outro perto da
porta. Nesse momento a vela se apagou bruscamente, deixando-os na mais profunda
escuridão. Isso poderia ter sido causado pelo deslocamento de ar da porta
aberta. Qualquer que fosse a causa, o efeito foi assustador.
–
Cavalheiros – disse uma voz que soou estranha naquela nova situação, que
afetava as relações entre os sentidos –, cavalheiros, não se movam enquanto não
tenham ouvido a porta externa se fechando.
Seguiu-se
um som de passos, e então a porta interna se fechou. E finalmente a porta
externa bateu com um estrondo que abalou todo o edifício.
Alguns
minutos mais tarde, o filho de um fazendeiro, que passava por ali a desoras,
avistou uma carroça leve que disparava furiosamente em direção à cidade de
Marshall. Declarou que atrás das duas figuras do acento frontal havia uma terceira,
de pé, com as mãos agarradas aos ombros curvos dos outros, os quais pareciam
lutar em vão para se livrarem desse aperto. Essa figura, ao contrário das
outras, se vestia de branco, e teria sem dúvida subido na carroça quando ela
passou pela casa assombrada. Como o garoto podia se gabar de considerável
experiência anterior com o sobrenatural local, sua palavra pesou como o
testemunho de uma autoridade. A história (em conexão com os eventos do dia
seguinte) apareceu até no Progressista, com ligeiros retoques literários e uma
declaração conclusiva de que os referidos cavalheiros teriam permissão de usar
as colunas do jornal para exporem sua própria versão da aventura noturna. Mas
esse privilégio nunca foi demandado.
2
Os
eventos que culminaram nesse “duelo no escuro” foram bastante simples. Numa
certa tarde três rapazes da cidade de Marshall estavam sentados num canto
sossegado da varanda do hotel do vilarejo, fumando e discutindo esses assuntos
que três rapazes educados de um lugarejo do sul considerariam naturalmente
interessantes. Seus nomes eram King, Sancher e Rosser. A uma distância que lhe
permitia ouvir, mas sem tomar parte na conversa, sentava-se um quarto. Os
outros não o conheciam. Apenas sabiam que, ao chegar na diligência naquela
tarde, tinha anotado no registro do hotel o nome de Robert Grossmith. Parece
não ter falado com ninguém a não ser com o funcionário do hotel. Dava mostras
de não apreciar nenhuma companhia a não ser a de si mesmo – ou, como se
expressou a equipe do Progressista, “amplamente dado às más sociedades”. Mas,
para sermos justos, seria preciso dizer, quanto ao forasteiro, que a equipe
estaria, ele mesmo, muito pouco inclinado a julgar com isenção alguém que
tivesse opiniões diferentes, principalmente depois de ter experimentado uma
pequena decepção em sua tentativa de obter uma “entrevista”.
–
Odeio qualquer tipo de deformidade numa mulher – disse King –, seja natural
ou... adquirida. Tenho uma teoria de que a todo defeito físico corresponde o
equivalente defeito moral e mental.
–
Infiro, pois – disse Rosser gravemente –, que uma senhora a quem falte a
superioridade moral de um nariz estaria em maus lençóis se quisesse tornar-se a
sra. King.
–
É, pode-se colocar dessa maneira – foi a resposta. – Mas, no duro, uma vez
joguei fora uma garota das mais atraentes só porque descobri, acidentalmente, que
ela tinha sofrido a amputação de um dedo do pé. Minha atitude foi brutal, caso
você queira; porém, se eu tivesse me casado com aquela moça, teria me tornado
infeliz para o resto da vida, e a teria feito infeliz também.
–
Ao passo que – disse Sancher, com uma curta risada –, casando-se com um
cavalheiro de opiniões mais liberais, ela escapou com uma garganta cortada.
–
Ah, você sabe a quem me refiro. Sim, casou-se com Manton, mas nada sei sobre
sua liberalidade. Não tenho certeza, mas ele cortou a garganta dela ao
descobrir que lhe faltava aquela coisinha excelente da mulher, que é o dedo
médio do pé direito.
–
Olhem para esse cara! – disse Rosser, em voz baixa, os olhos fixos no
forasteiro.
“Esse
cara” estava, obviamente, ouvindo com atenção a conversa.
–
Que impudência! – murmurou King. – Que faremos?
–
Muito fácil – Rosser respondeu, levantando-se. – Senhor – continuou,
dirigindo-se ao forasteiro –, penso que seria melhor que você removesse sua
cadeira para o outro extremo da varanda. A presença de cavalheiros não é, com
certeza, uma situação a que esteja familiarizado.
O
homem saltou da cadeira e avançou com as mãos crispadas, as faces brancas de
raiva. Todos se colocaram de pé. Sancher deu um passo e ficou entre os dois.
–
Você é precipitado e injusto – disse a Rosser. – Este cavalheiro nada fez para
merecer tal linguagem.
Mas
Rosser se recusou a retirar suas palavras. Pelos costumes da região naquela
época, só uma conseqüência seria possível para a quizília.
–
Exijo a satisfação devida a um cavalheiro – disse o estranho, que se acalmara
um pouco. – Não conheço ninguém nesta região. Talvez você, senhor – e acenou
com a cabeça para Sancher – fará a gentileza de me representar nesta questão.
Sancher
aceitou o encargo, com alguma relutância, admitamos, pois a aparência e as
maneiras do homem não eram inteiramente do seu agrado. King, que durante a
conversa mal tirara os olhos do estranho, e que não dissera palavra, consentiu,
num aceno, em auxiliar Rosser. E o desfecho foi que, ao se retirarem os protagonistas,
um encontro ficou combinado para a próxima noite. A natureza dos procedimentos
já estava estabelecida. O duelo de facas num cômodo escuro terá sido certa vez
um aspecto mais comum da vida do sudoeste do que poderá voltar a ser algum dia.
E o quanto era fina a camada da verniz “cavalheiresco” que recobria a
brutalidade essencial do código a partir do qual tais encontros se tornavam
possíveis é o que veremos a seguir.
3
À
forte luminosidade de um entardecer de verão, a velha mansão Manton mal se poderia
conservar fiel às suas tradições. Era da terra – terrena. O brilho do sol
acariciava-a calorosa e apaixonadamente, com evidente desprezo por sua má
reputação. A grama verde que se esparramava à sua frente parecia crescer não
desgrenhada, mas com exuberância natural e feliz, e as ervas floriam como
plantas ornamentais. Repletas de luzes atraentes e de sombras e de pássaros de
vozes agradáveis, as árvores copadas não mais lutavam para fugir, mas se
curvavam com reverência sob seu fardo de sol e de cantorias. Mesmo nas janelas
superiores, que não tinham vidros, havia uma expressão de paz e contentamento,
proveniente da luz do interior. Através dos campos pedregosos o calor visível
dançava com vivo tremor, incompatível com a gravidade que se atribui ao sobrenatural.
Esse
era o aspecto sob o qual o lugar se apresentou ao xerife Adams e aos dois
homens que tinham vindo de Marshall para dar uma olhada nele. Um desses homens
era o sr. King, o auxiliar do xerife; o outro – que se chamava Brewer – era um
dos irmãos da falecida sra. Manton. Com base numa benéfica lei do Estado,
relativa às propriedades que, tendo sido abandonadas durante algum tempo por
donos cuja residência não se pôde localizar, o xerife era o responsável legal
pela fazenda Manton e pelas benfeitorias a ela pertencentes. Sua visita atual
era apenas para cumprir certa ordem da corte, perante a qual o sr. Brewer
litigava a posse da propriedade, na condição de herdeiro de sua irmã doente.
Por mera coincidência, a visita foi feita no dia seguinte ao da noite em que o
auxiliar King destrancara a casa para um outro e bem diferente propósito.
Agora, sua presença ali não era um ato de escolha: tivera ordens de acompanhar
seu superior e, no momento, não podia pensar em nada mais prudente do que uma
simulada alacridade em obediência ao mandado.
Abrindo
com descuido a porta da frente, que para sua surpresa não estava trancada, o
xerife espantou-se de ver, sobre o piso do vestíbulo para o qual ela dava
entrada, um amontoado confuso de roupas masculinas. O exame mostrou que
consistia de dois chapéus e o mesmo número de paletós, de coletes e de lenços,
todos em ótimo estado de conservação, não obstante um pouco sujos da poeira em
que jaziam. O sr. Brewer também ficou espantado, mas as emoções do sr. King
permaneceram misteriosas. Com um renovado interesse em suas próprias ações, o
xerife agora destrancava e empurrava a porta à direita, e os três entraram. O
cômodo estava aparentemente vazio – não: quando seus olhos se acostumaram à
fraca luminosidade, alguma coisa se tornou visível no ângulo oposto da parede.
Era uma figura humana – a figura de um homem agachado a um canto. Qualquer
coisa na sua atitude fez os intrusos estacaram logo que cruzaram os umbrais. A
figura se definiu cada vez mais. O homem se apoiava sobre um joelho, as costas
apertadas contra o ângulo das paredes, os ombros erguidos até o nível das
orelhas, as mãos diante do rosto, palmas para diante, os dedos abertos e
crispados como garras. A face pálida estava voltada para cima, sobre o pescoço
contraído, com uma expressão de indizível medo, a boca aberta, os olhos
arregalados. Estava morto. No entanto, com exceção da faca de caça, que
certamente teria caído de sua mão, não havia nenhum outro objeto no cômodo.
Sobre
a poeira grossa que cobria o piso havia algumas pegadas confusas próximo à
porta e acompanhando a parede em que esta se abria. Também ao longo de uma das
paredes adjacentes, até para além das janelas cobertas por tábuas, se via a
trilha feita pelas pegadas do homem antes de chegar àquele canto.
Instintivamente, ao se aproximarem do corpo, os três homens seguiram a trilha.
O xerife agarrou um dos braços estendidos: estava rígido como ferro, e a
aplicação de um pouco de força fez todo o corpo girar sem alterar a relação
entre as partes. Brewer, pálido de excitação, olhava atentamente para a face
contorcida.
–
Deus de misericórdia! – gritou de repente. – É Manton!
–
Você tem razão – disse King, numa mal disfarçada tentativa de acalmar. – Eu
conhecia Manton. Usava barba cheia e cabelos compridos na época, mas é ele.
Poderia
ter acrescentado: “E eu o reconheci quando desafiou Rosser. Contei a Rosser e a
Sancher quem ele era, antes de lhe pregarmos esta peça horrível. Quando Rosser
deixou este cômodo escuro atrás de nós, esquecendo suas roupas de tão excitado
e se pondo a caminho, junto conosco, em mangas de camisa – durante todos esses
eventos sabíamos quem era e com quem estávamos lidando, esse assassino
covarde!”
Mas
o sr. King não disse nada disso. Com o máximo esforço, tentava penetrar no
mistério da morte desse homem. Que não tivesse se afastado do canto onde
estacionara; que sua postura não era nem de ataque nem de defesa; que tinha
deixado cair a arma; que, obviamente, perecera devido ao profundo horror a
qualquer coisa que viu – essas eram circunstâncias que a perturbada
inteligência do sr. King não podia articular totalmente.
Tateando
na escuridão intelectual por uma pista que conduzisse para fora de seu
labirinto de dúvidas, seu olhar, dirigido mecanicamente para baixo, como
acontece quando ponderamos sobre assuntos graves, caiu por acaso sobre alguma
coisa que, à luz do dia e na presença de companheiros vivos, o encheu de
terror. No pó que se acumulara durante anos sobre o piso, partindo da porta
pela qual eles entraram, atravessando o cômodo e parando à distância de uma
jarda do cadáver agachado de Manton, havia três linhas paralelas de pegadas –
leves mas bem definidas impressões de pés descalços; as exteriores, de crianças
pequenas; as interiores, de uma mulher. Do ponto onde cessavam elas não
retornavam: apontavam todas numa só direção. Brewer, que as notara no mesmo
instante, se inclinou para a frente, pálido, numa atitude de absorção enlevada.
–
Olhem para isso! – gritou, apontando com ambas as mãos para a pegada mais
próxima, do pé direito da mulher, no ponto onde ela aparentemente tinha parado.
– Falta o dedo médio. É Gertrude!
Gertrude
era a falecida sra. Manton, irmã do sr. Brewer.
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