O VAMPIRO DE CROGLIN GRANGE - Conto Clássico de Terror - Augustus Hare
O
VAMPIRO DE CROGLIN GRANGE
Augustus
Hare (1834-1903)
Tradução:
Paulo Soriano
O
Capitão Fisher nos contou esta história extraordinária, que tem ligação com sua
própria família:
—
Fisher pode soar como um nome bem plebeu — disse o capitão —, mas esta família
é de uma linhagem muito antiga e, por vários séculos, possuiu uma curiosa
propriedade em Cumberland, que tinha o estranho nome de Croling Grange. A característica marcante da casa era que nunca, em
quaisquer dos períodos de sua longa existência, tivera mais que um pavimento,
malgrado comportasse um terraço — que proporcionava uma grande vista —, a
partir do qual o amplo terreno se alongava até uma igreja.
Ao
longo dos anos, os Fisher cresceram em fortuna e em número, excedendo as
capacidades de Croglin Grange. Mas
eles eram suficientemente sábios para não alterar as seculares características
do solar construindo um novo andar, e resolveram deixar Croglin Grange e migrar para o sul, passando a residir de
Thorncombe, perto de Guilford.
Os
Fisher foram muito afortunados com os seus novos inquilinos, dois irmãos e uma
irmã, de quem ouviram palavras elogiosas sobre todos os quartos. Para os seus
vizinhos menos afortunados, os novos moradores representavam tudo o quanto há
de mais amável e benevolente; para os de classe social mais elevada, um
acréscimo bem-vindo à pequena sociedade local.
De sua parte, os inquilinos ficaram muito satisfeitos com a nova
residência. Em todos os aspectos, Croglin
Grange satisfazia plenamente às suas expectativas.
O
inverno transcorreu com grande alegria para os novos habitantes, e estes
compartilhavam de todos os pequenos prazeres sociais, tornando-se muito
populares. No verão seguinte, houve um dia de calor intenso, quase
insuportável. Os irmãos estavam sob umas árvores, com seus livros, pois estava
demasiadamente quente para qualquer atividade.
A irmã sentou-se na varanda e se ocupou, ou antes tentou se ocupar,
porque no intenso mormaço daquele dia era impossível qualquer ocupação.
Jantaram cedo e depois se sentaram na varanda, desfrutando do ar fresco que
veio com a noite, e assistiram ao pôr do Sol e o nascer da Lua sobre o cinturão
de árvores que separava o terreno do cemitério da igreja. Viram a Lua elevar-se
no céu até que toda a relva estivesse banhada de uma luz prateada, através da
qual as longas sombras dos bosques caíam como se estivessem ali gravadas, de
tão vívidas e claras que eram.
Quando
eles se separaram à noite, e cada um se recolheu ao seu quarto térreo (pois,
como eu disse, não havia escadas na casa), a irmã sentiu um calor de tal modo
intenso que não conseguia dormir. Tendo fechado a janela, mas deixado abertas
as venezianas — num lugar tão desolado, era desnecessário fechá-las—, ela,
apoiada em seus travesseiros, ficou a contemplar a esplêndida beleza daquela
noite de verão. Todavia, notou que, gradualmente, duas luzes cintilantes
cresciam em meio ao cinturão de árvores que separava o jardim do cemitério.
Seus olhos, fixados naqueles pontos luminosos, viu que os luzeiros estavam
cravados numa substância escura, horrível e destacada, que parecia acercar-se a
cada instante, aumentando de tamanho e substância à medida que se aproximava.
Durante alguns momentos, a silhueta perdia-se nas sombras que se estendiam
através do jardim, entre as árvores, e depois voltava a emergir, maior ainda,
aproximando-se cada vez mais.
Enquanto
observava aquela aproximação, um horror incontrolável dominou-a completamente.
Ela tentou fugir, mas a porta, próxima à janela, estava trancada por dentro.
Entrementes, a coisa aproximava-se. Ela queria gritar, mas sua voz parecia
paralisada e sua língua grudada ao palato.
De
repente — ela nunca pôde explicá-lo —, o terrível objeto pareceu mover-se de um
lado para o outro, como se estivesse dando voltas ao redor da casa.
Imediatamente, ela saltou da cama e correu para a porta. Enquanto a
destrancava, ouviu o ruído produzido por algo a arranhar a janela. Então viu um
hediondo rosto castanho, dotado de olhos flamejantes, que a fitavam fixamente.
Ela correu de volta à cama, mas a criatura continuava a rascar a janela.
Ela
sentiu uma espécie de conforto mental quando se convenceu de que a janela
estava firmemente fechada por dentro. De repente, o estrépito rascante cessou,
e uma espécie de ruído picante tomou o seu lugar. Em sua agonia, percebeu que a
criatura estava picando a junção dos vidros da janela! O ruído continuou e um
painel de vidro caiu no quarto. Ela viu passar pela moldura o longo dedo ósseo
da criatura, que girou a maçaneta. A
janela se abriu e a coisa finalmente entrou e avançou. O terror foi tão intenso
que ela não conseguiu gritar. A criatura entrelaçou seus longos dedos ósseos em
seus cabelos e arrastou sua cabeça para a beirada da cama. Então, mordeu-a
violentamente na garganta.
Enquanto a coisa a mordia, a jovem recuperou a voz, e pôs a gritar com todas as suas forças. Seus irmãos acudiram ao grito, mas a porta estava trancada por dentro. Eles buscaram um atiçador e, quebrando a fechadura, entraram. Alguns instantes foram perdidos, porque a criatura já havia escapado pela janela, e a irmã, sangrando copiosamente por uma ferida aberta na garganta, jazia inconsciente ao lado da cama. Um dos irmãos perseguiu a criatura, que corria velozmente sob a luz da Lua, até desaparecer entre os muros do cemitério. Voltando à companhia da irmã, viu que esta estava terrivelmente ferida, e que a chaga em seu pescoço era bem acentuada. Sendo ela de forte disposição — pois são se deixava conduzir por romance ou superstição —, assim que recobrou os sentidos, disse:
—
O que aconteceu foi extraordinário e agressivo. Parece inexplicável, mas é
claro que há uma explicação razoável, e devemos encontrá-la. Algum lunático fugiu
do hospício e chegou até mim.
A
ferida sarou e moça parecia estar recuperada, mas o médico que a acompanhava não
podia crer que ela pudesse suportar um terrível choque tão facilmente;
insistiu, pois, em que ela deveria mudar de ares. A bem de sua saúde física e
mental, os irmãos a levaram para a Suíça.
Sendo
ela uma garota sensata, quando chegou ao estrangeiro, imediatamente se atirou
nos encantos do país onde estava: secou plantas, fez esboços, escalou montanhas
e, quando chegou o outono, pediu aos irmãos para regressar a Croglin Grange.
—
Nós a alugamos por sete, mas só estamos lá há apenas um ano — disse ela. —
Sempre tivemos dificuldades em encontrar uma casa térrea. Assim, será melhor
que regressemos. Os lunáticos não escapam todos os dias.
Os
irmãos, que não desejavam outra coisa, acederam ao pedido da jovem e a família
retornou a Cumberland. Como na casa não havia escadas, era impossível fazer
grandes mudanças nas disposições. A irmã ocupou o mesmo quarto, mas é
desnecessário dizer que passou a manter sempre fechadas as venezianas; no
entanto, como em muitas habitações antigas, um painel superior da janela
permanecia desguarnecido de venezianas. Os irmãos tomaram um mesmo quarto,
exatamente oposto ao da irmã, ali conservando sempre carregadas as pistolas.
O
inverno transcorreu feliz e pacífico. Em março, a irmã foi despertada por um
ruído de que ela se lembrava muito bem: o insistente arranhar nos vidros da
janela. Olhando por ela, pôde ver,
através do painel superior, o mesmo hediondo rosto castanho, com olhos
flamejantes, a fita-la fixamente. Desta vez, ela gritou o mais alto que podia.
Seus irmãos saíram do quarto com as armas na mão, mas a coisa já corria pelos
jardins. Um dos irmãos disparou, acertando-a na perna, mas a coisa continuou a
abrir caminho, transpondo os muros do cemitério da igreja e desaparecendo num
mausoléu que pertencera a uma família extinta há muito tempo.
No
dia seguinte, os irmãos convocaram os demais inquilinos de Croglin Grange e, na
presença de todos, o mausoléu foi aberto. Uma horrível cena se lhes foi
revelada. O mausoléu estava repleto de caixões. Estavam todos estilhaçados e
seus conteúdos horrivelmente mutilados e desfigurados, espalhados pelo chão.
Somente um ataúde permanecia intacto. Levantaram a tampa, que estava solta sobre
o caixão, e lá, castanha, murcha, enrugada, mumificada, mas completamente
íntegra, estava a mesma horripilante figura que era vista nas janelas de Croglin Grange, com a marca recente de um
disparo de pistola na perna.
Então
fizeram a única coisa a ser feita com um vampiro: queimaram-no.
Excelente conto!
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