O VAMPIRO DO CONVENTO - Conto Clássico de Terror - Louis-Antoine De Caraccioli



O VAMPIRO NO CONVENTO
(Carta a uma senhora polonesa há pouco falecida)
Louis-Antoine De Caraccioli
(1719 – 1803)
Tradução: Paulo Soriano
Ilustre Dama:

Porque agora o que respeita aos mortos me interessa mais do que o concernente aos vivos, reli há pouco o que tu me escreveste, certa feita, sobre os vampiros, esses pretensos cadáveres deambulantes, que, supõe-se, existiram na Hungria e na Polônia.  As tuas reflexões sobre eles são maravilhosas, realmente dignas de ti. Tu te lamentavas, com razão, dos erros decorrentes da ignorância e da superstição, e te entristecias com Dom Calmet, que dera crédito à quimera dos vampiros.
Que ilusão é esta, a de crer, em alguma ocasião, que corpos separados das almas possam deixar os seus túmulos para, vagueando, sugar o sangue, aqui e acolá, dos vivos!  Ah, como deixar de observar que, como disseste muito bem, “essa viva cor e essas carnes firmes, que se encontram nos cadáveres de supostos vampiros depois da exumação, não tinham outra causa senão as características da própria terra, adequadas à realização de tais prodígios”?  E se esta observação foi depois confirmada pelas experiências realizadas na Hungria, que serviram para desiludir as gentes, como se admitir que ainda hoje haja pessoas escrupulosamente fiéis a essas ridículas superstições?
Nada me convenceu tanto da fraqueza do espírito humano quanto a obstinação de um religioso polonês, que tu também conheceste, ao sustentar ter visto com os próprios olhos um vampiro, e haver sido testemunha dos atrozes feitos que aquele cometeu num convento.
“Eu era superior em nosso convento de Lublin”, contava-me, “quando morreu um de nossos padres.  Mal havia sido exposto o seu cadáver na igreja, onde deveria ficar até o dia seguinte, vieram avisar-me que o seu rosto havia enrubescido surpreendentemente e que o viram passear pelo dormitório. Corri ao seu ataúde e efetivamente reconheci que ele estava vermelho como fogo; portanto, ordenei a ele que, em razão da santa obediência, não viesse a perturbar o repouso de ninguém, e o preveni de que, se ousasse um mínimo movimento, faria com que lhe cortassem a cabeça e lhe transpassassem com estaca de madeira o coração. (Este é o modo usado na verificação dos que, acreditava-se, eram vampiros; segredo infalível para por fim às suas trágicas façanhas.)
Mas, algumas horas mais tarde recomeçou, o alvoroço. Então, fui à igreja, acompanhado por toda a comunidade, e disse ao morto, que mantinha sempre a face corada:
- Assim o quiseste, padre.  Portanto, não me culpes.  E para castigar-te por sedição, apelando ao direito que me é conferido como teu superior, ordeno que te cortem a cabeça e que te traspassem o coração!
E tal foi imediatamente cumprido. O vampiro levantou os pés várias vezes e exalou um forte grito. Pensei, a partir de então, que estaríamos tranquilos. Mas uma gritaria espantosa alarmou todo o mosteiro durante a noite, durando até o dia seguinte, quando acorri mais uma vez ao cadáver para informar-lhe que, porquanto a amputação não servira para fazê-lo recobrar a razão, seria ele queimado à tarde, no centro do pátio.  Preparou-se a fogueira e o corpo, lançado às chamas, em breve reduziu-se a cinzas, mas isto suscitou uma tão terrível tempestade que a casa parecia que iria desabar.”
Sim, foi exatamente isto que eu escutei, em viva voz, de um religioso que foi destituído pelo bispo de Cracóvia justamente por ter feito tal demonstração em público.  Mas isto não o impediu de continuar acreditando, e de narrar, aos que estivessem a sua volta, uma história tão absurda: na verdade, o fanatismo não raciocina. Aquele fato esteve nos lábios de todos na Polônia, tal como um outro acontecimento, ocorrido em Lemberg, que dizia respeito a um estudante declarado vampiro e como tal castigado.
Mas, o que importam as palavras, agora que tu estás na fonte da verdade?  Ai, perdoa-me, pois sou uma alma extraviada em dor, e que a tudo se aferra, sem saber por quê!  Assim o faz o viajante, que se perdeu no caminho: vai e vem, e procura as vagas pegadas que mais e mais lhe deveriam... 

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