O FANTASMA MORDIDO - Conto Clássico de Terror - Pu Songling
O
FANTASMA MORDIDO
Pu Songling
(1640 – 1715)
Tradução (indireta) de Paulo Soriano
Eis
a história que me contou Chen Li-Cheng:
Certo
amigo seu, já idoso, estava deitado, à hora da sesta de um dia de verão, quando
viu, meio adormecido, a vaga figura de uma mulher que, eludindo a porteira, introduzia-se
na casa vestida de luto: touca branca, túnica e saia de cânhamo. Dirigiu-se aos
cômodos interiores e o velho, a princípio, pensou que era uma vizinha que lhe
vazia uma visita. Então, ele pensou:
“como alguém se atreveria a entrar na casa alheia com semelhante indumentária?”
Enquanto
permanecia imerso na perplexidade, a mulher voltou sobre os próprios passos e
penetrou no quarto. O velho homem a
examinou atentamente: teria a mulher uns trinta anos. O tom amarelado de sua
pele, o seu rosto intumescido e o seu olhar sombrio conferiam-lhe um aspecto
terrível. Ia e vinha pelo quarto, aparentemente sem qualquer intenção de
abandoná-lo. Aproximou-se da cama. Ele fingia dormir para melhor observar os
seus movimentos.
De
repente, ela levantou um pouco a saia e saltou para a cama, sentando-se no
ventre do ancião. Parecia pesar três mil
libras. O velho homem conservava por completo a lucidez, mas, quando tentou
erguer a mão, encontrou-a como que agrilhoada. Tentou mover um pé, mas este
estava paralisado. Abrumado de terror, tratou de gritar, mas, infelizmente, não
era dono da própria voz. A mulher, entretanto, fuçava-lhe o rosto, as
bochechas, o nariz, as sobrancelhas, a testa. Por todo o rosto, o ancião sentia
o seu hálito, cujo sopro gelado penetrava-lhe até os ossos. Imaginou, então, um
estratagema para livrar-se daquela angústia: quando ela chegasse ao queixo, ele
tentaria mordê-la. Pouco depois a mulher, de fato, inclinou-se para farejar-lhe
o queixo. E o velho a mordeu com todas as suas forças, tanto que os dentes
penetram na carne.
Sob
o impacto da dor, a mulher atirou-se ao chão, debatendo-se e chorando, enquanto
ele apertava as mandíbulas com mais energia. O sangue escorria por seu queixo e
inundava o travesseiro. Em meio a esta luta encarniçada, o velho ouviu, vinda do
pátio, a voz de sua mulher.
— Um fantasma! — ele
gritou imediatamente.
Mas,
assim que abriu a boca, a entidade monstruosa desapareceu como um suspiro.
A
mulher correu à cabeceira do marido. Não viu nada e zombou da ilusão causada —
pensou ela — por um pesadelo. Mas o
velho insistiu em sua narrativa e, como prova evidente, lhe mostrou a mancha de
sangue: parecia água que penetrara por uma fissura do teto e empapara o
travesseiro e o tapete. O velho
aproximou o rosto da mancha e respirou uma emanação pútrida. Sentiu-se dominado
por um violento acesso de vômitos e, durante muitos dias, permaneceu com a boca
empesteada, donde fluía um hálito nauseabundo.
Comentários
Postar um comentário