A CASA DA CURVA - Conto de Terror - Fernando Catelan
A
CASA DA CURVA
(Fernando
Catelan, Menção Honrosa do Concurso Literário Bram Stoker de Contos de Terror)
Chamei-me entre os mortais Felisberto. Em 1580 mais
ou menos vim parar em um engenho de cana-de-açúcar pelas bandas de Vila de Sant’Anna,
embrião originário da Mogi das Cruzes de hoje.
Trabalhava
duro, mas por minha felicidade era oriundo de Portugal, de onde fui degredado
diretamente das masmorras de Coimbra para o Brasil. À época, os reis
portugueses, em busca de colonizadores para esta terra, costumavam conceder
indulto a toda sorte de presidiários, mesmo àqueles vis estupradores
sanguinários qual eu, desde que rumassem na primeira caravela disponível ao
exílio perpétuo na Terra Brasilis.
Aqui chegando, logo me tornei braço direito de Coronel Mello, me ocupando, na
função de feitor de escravos, em fiscalizar o trabalho daqueles negros que
chegavam em levas em maior e maior número procedentes da África. Meu ofício era
supervisioná-los nas moendas dos engenhos de cana, atividade em febril ascensão
naquela imensidão de território com vastas áreas de plantio e alguns poucos e
acanhados núcleos urbanos, como Biritiba Ussu, distrito da futura Mogi das
Cruzes que centralizava as fazendas de meu patrão, e no mais tudo ao entorno
coberto de muita floresta de mata nativa. Eu granjeara a tal ponto a intimidade
de Coronel Mello que com assiduidade me chamava ele para reuniões a portas
fechadas na casa grande, desde os primórdios de sua edificação toda envolta em
denso mistério, mais conhecida pela gente dali pela alcunha de casa da curva e centro nervoso da imensa
propriedade rural daquele homem de hábitos soturnos que não cessava de elogiar
a crueldade que me era própria no trato com seus serviçais.
Encaminhava-me,
caída mais aquela noite, para acorrer ao novo chamamento de meu patrão, sem
sequer imaginar que não haveria um novo encontro com o grande latifundiário por
quem eu nutria grande admiração, mas eivada de uma quase indisfarçável ponta de
inveja.
Os
jagunços que compunham a escolta de Coronel Mello, de tão habituados que já
estavam com minhas frequentes aparições por ali, nem mais faziam caso das
revistas, mas o fato é que eu sempre andava armado. O senhor do engenho estava,
como de costume em minhas visitas à sua mansão em estilo colonial, sentado em
seu gabinete na imensa peça das muitas integrantes de sua habitação que lhe
servia de escritório, capazes de jurar aqueles que conviviam diariamente com o
poderoso homem só ocupar ele quando o sol já havia se posto:
-
Salve, meu bom Felisberto! Não é que este nosso gajo aqui, monge que não abre
mão do hábito só para não perder a prática que em Portugal lhe valeu prisão
perpétua não dispensa uma só negrinha!
Já estuprou tantas escravas nossas desde que você era criança, minha filha
Juliana, que perdi a conta de quantos mulatos nos deu ao trabalho escravo
comendo nas senzalas daqui o pão que o diabo amassou como paga pelos serviços
que prestam... Agora vire-se de frente para nossa ilustre visita, Juliana!
Ante
à visão daquela jovem de estatura mediana para alta e talhe esguio, pele alva
como o claror da lua cheia, cabelos bem aparados em um corte curto a lá parisiense, olhos negros e fundos a
dotarem seu semblante de uma expressividade sem par, confesso que senti meu
coração palpitar desenfreadamente:
-
Olá, Felisberto! – foi me dizendo minha interlocutora da vez ao mesmo tempo em
que me saudava em um desmesurado e lindo sorriso a permitir entrever sua
dentição perfeita, de uma extraordinária brancura
-
Boa noite, Sinhazinha Juliana! Confesso que nestes anos todos a serviço de
vosso pai ouvi contarem muitas lendas a vosso respeito...
-
Bem, Felisberto, não chamei você aqui à toa. Somos necromantes, mais
precisamente vampiros, mas cometi um grave erro e não tardará que meu pai
Mefistófeles venha cobrar minha dívida... Você se considera ambicioso, meu
homem?
-
Demais, Coronel!
-
Diga-me com toda sinceridade. Gostaria de ser o continuador de minha obra na
Terra, herdar, se casando com minha filha Juliana, o vasto patrimônio que
possuo?
-
Isso é tudo que almejo, patrão!
-
Pois bem, terá então que vender sua alma a Mefistófeles, meu caro... Aceita?
Como
anui ao desafio sem pestanejar, Coronel Mello mandou a filha trazer papel,
pena, tinteiro e uma sanguessuga que aplicou em meu braço direito, fazendo o
bicho sugar de minha aorta o sangue suficiente para encher o tinteiro.
Concluída a operação, perguntou-me o canavieiro se eu sabia escrever, ao que,
algo desconcertado, respondi que não. Diante de minha resposta, passou aquele
vampiro a ditar para a filha meu testamento grafado com o sangue transferido da
sanguessuga ao tinteiro. A pena corria ágil sobre o pergaminho e eu de pleno
acordo com tudo. Contrairia núpcias com a maravilhosa Juliana, e à primeira
filha que tivéssemos daríamos o nome de Gisleine. Prometendo que, ainda bebê,
entregaríamos nossa infante inocente ao martírio no altar de sacrifícios,
Mefistófeles se fez anunciar primeiro tornando acetinadas e bordadas de ouro as
letras de meu testamento, e, ato contínuo, denotando-se sua presença pela voz
que ecoava agora ao mesmo tempo fantasmagórica e possante pelo salão:
-
Aceito seu testamento, Felisberto! Acabaste de vender sua alma a mim.
Considere-se desde já sucessor de Coronel Mello e destinado, pois, a ver
multiplicada por muitas vezes a fortuna de seu sogro. Só não se esqueça que
cobrarei de você no tempo certo sua dívida...
Falhei
na missão, pois obstei entregar tão bela filha a necromantes, mas Juliana, quem
pela primeira vez usou de seus caninos pronunciados, possantes para fazer de
mim um vampiro, não hesitou em cumprir o acordado. Falo dos infernos das
anêmonas, mas passo o bastão ao protagonista desta história, não fosse pelo
desamor de Juliana, talvez destinado, face ao coração bondoso e virtuoso que
tinha, a abortar a obra iniciada por Coronel Mello na Terra.
- x -
Verdadeiramente,
o acaso não existe, como bem deduzirá o leitor destas linhas. Eu parecia como
que predestinado a comprar aquele sítio, a Chácara Santa Rita, encravada no
coração de Biritiba Ussu, ermo distrito de minha cidade natal plantado já quase
no sopé da esplendorosa Serra do Mar.
Dizer que minha atenção de pronto se
viu despertada pelo casarão à margem da curva mais sinuosa da Estrada do
Shibata, caminho vicinal que dá acesso à Estrada do Pigato, onde até aqui morei
seria uma inverdade. Revolvendo as lembranças algo esquecidas àquele 2008, em
vão tento me ver atinando logo em um primeiro relance a existência daquela mansão,
que só fui propriamente notar quando já era tarde demais para voltar atrás.
Há quem diga que a tal casa da curva
não existe, outros discorrendo acerca dela como só denunciada por quem reúna
faculdades paranormais, de qualquer modo o fato é que, meses após efetivar a
compra da Chácara Santa Rita, fui residir no local. Um encontro, por assim
dizer, do outro mundo estaria cravado na trajetória de minha sina, enquanto eu
seguia inocente passando a tal casa da curva despercebida a meus olhos, sem
imaginar, contudo, que de suas janelas olhos atentos espreitavam minhas
excursões na condução de meu veículo pela estrada de chão batido.
Se me impele fazer o relato da
experiência que mudaria radicalmente minha vida, é muito mais não pela bondade
de resguardar novos incautos da mesma saga que me colhe, mas justamente porque
não quero ninguém mais se banqueteando do delicioso, porém, capcioso e bandido
amor que Gisleine e suas amiguinhas, malgrado minha vontade, dispensarão a todo
aquele que a curva defronte à misteriosa casa motive embaraços.
Façamos uma viagem pelo tempo até
março de 2009. Imagine-se em um lugar de muito verde. Assim é Biritiba Ussu.
Pense que o ensejo a um amor ardente poderá estar precisamente na rota de seus
passos, embora por ciúme muito me custe revelar, o amor que Gisleine poderá
dedicar a qualquer mortal, e imagine ainda que por obra de um amor assim
indistinto você poderá lograr a imortalidade. Agora, este meu relato servirá de
mais que eficaz passaporte a fim de que você possa mergulhar precisamente na
passagem que há tanto me sucedeu.
-
x -
- Ana, você já guardou meus
dicionários no carro?
- Fique tranquilo, Frederico! Já
está tudo guardado. Podemos ir
Completava naquele mês de março
quatro anos de noivado com minha Ana. Tecia planos para nos casarmos, conquanto
não fosse o nosso matrimônio a prioridade do momento, já que o trabalho exigia
de nós total dedicação. De qualquer maneira, Ana já exibia o ventre grávido de
cinco meses, majestoso em sua silhueta à maneira de um caprichoso arco, que, de
uma sinuosa curvatura, harmonizava-se com as formas esguias, esbeltas de minha
noiva. Ela estava feliz. Eu também, uma vez que havíamos planejado, ansiado
aquela filha que Deus nos traria.
- Você está tão apressado assim para
voltar à cidade, Frederico? Por quê não corre menos? Não vê que com a chuva de
ontem a estrada ficou escorregadia?
Eu, entrementes, seguia singrando
com o carro o caminho de terra cheio de armadilhas imprimindo alta velocidade
ao veículo. Pressa na verdade não tinha, mas, sem saber, ia inadvertidamente de
encontro a um fatalismo, algo que não esperaria senão alguns poucos minutos
para adentrar minha existência por completo.
Tudo principiaria a se consumar ao nos
aproximarmos da tal curva sinuosa:
- Olhe, Ana! Aquela casa! Seria
capaz de jurar nunca tê-la visto antes...
- Não fique olhando dos lados
enquanto dirige, Frederico! É perigo...
Ana sequer teria tempo de concluir
seu alerta. Distraído ao volante com a contemplação da casa, perdi o controle
da direção e duas das rodas foram parar dentro de uma vala à margem da estrada:
- E agora, Frederico? O que fazemos?
-
x -
Embora ainda estivéssemos em plena
tarde ensolarada, o caminho se encontrava estranhamente deserto. Nenhuma alma
viva se avistava pelas cercanias, de sorte que pensei em buscar auxílio bem ali
na casa da curva, uma construção antiga, não muito bem cuidada, mas que impunha
respeito pela área imensa que ocupava. Cercava aquela casa grande um bosque um
tanto abandonado. Em circunstâncias normais, eu teria pressentido algo de
horripilante no lugar, porém, face à necessidade imperiosa de livrar meu carro
da vala não me ative às evidências, tampouco às palavras de Ana segredadas em
meu ouvido:
- Que lugar mais estranho,
Frederico... Parece uma casa mal-assombrada...
Já que batia palmas à frente da
cerca parcialmente destruída que delimitava a frente da propriedade e ninguém
atendia, enveredei pelo bosque até chegar bem perto das janelas de venezianas
de madeira pintadas na cor azul e semi-destroçadas, curiosamente fechadas
àquela hora do dia, e então passei a golpear as venezianas das janelas com uma
força que seguia num crescendo à medida que pessoa alguma vinha acorrer a meu
chamamento.
Por fim, surgiu alguém por detrás de
uma das janelas que se entreabria. Pensei que a dona daquela primazia de beleza
facial mal despertara, visto o indisfarçável incômodo que a luz do sol entrando
pela janela lhe impingia:
- O que deseja, moço?
- Bem, é que meu carro ficou preso
na vala bem ali na curva... Será que você poderia me ajudar?
- Deixe-me ver. O jeito é chamar o
Chico. Ele tem um trator e pode puxar o carro dessa abençoada vala. Sabe, você
não é o primeiro que atola nela... Isso vive acontecendo... Mas, mudando um
pouco de assunto, você é o novo proprietário da Chácara Santa Rita, não é isso?
- indagava minha interlocutora enquanto levava a todo momento as mãos aos olhos
no sentido de protegê-los da luz - Até que você é bem apanhado, moço...
- Também achei você muito bonita...
Qual o seu nome?
- Gisleine.... Você não está
precisando de uma empregada doméstica? Tenho as noites sempre livres e posso
passar no seu sítio para dar uma ajeitada nas coisas... Não quer entrar
enquanto chamo o Chico no celular?
- Não, obrigado... Estou com um
pouco de pressa...
- Nesse caso, então, vou apresentar
minhas amigas a você... Meninas, deem um pulinho aqui. O dono da Chácara Santa
Rita veio nos fazer uma visita!
Quantos rostos de uma heráldica beldade
apareceram se espremendo no diminuto espaço da janela! Não pude conter a
pergunta que de modo algum queria calar:
- Afinal de contas, aqui funciona
uma casa de tolerância, Gisleine?
- Não exatamente... Mas aqui
trabalhamos duro todas as noites, mas também atendemos a domicílio... Olhe, o
Chico já está chegando com o trator. Dê um pulinho aqui qualquer noite dessas,
meu gato...
Estava estupefato, mas mais ainda
contribuiria para o estado de alvoroço emocional que me dominava por inteiro a
figura no mínimo curiosa do tratorista Chico. Qual Gisleine e as outras
moradoras da casa da curva, parecia terrivelmente incomodado com o sol, tanto
que usava óculos escuros e vestia seu corpo aparentemente resumido tão só a
pele e ossos, de tão esquálido que era, com roupas de lã grossa do gorro
enterrado na cabeça aos tornozelos, isso mesmo debaixo do calor escaldante que
fazia.
Livre da vala traiçoeira, passava a
alimentar no íntimo um plano ousado e secreto. Precisava a todo custo burlar a
vigilância de Ana e ir ao encontro de Gisleine e de suas amiguinhas. Mais que
um frêmito calcado na exacerbação da libido, fomentava meu projeto uma
desmedida curiosidade.
-
x -
Foi só criar coragem e procurei
Cristiano, meu caseiro, para um bate-papo. Cristiano era um rapaz de baixa
estatura, porém, dotado de extraordinário vigor físico. Enigmático, vivia
sozinho na ampla casa que lhe cedíamos na propriedade e que, historicamente,
servira de residência também de todos que, a seu turno, lhe antecederam no
exercício da função que desempenhava tão bem:
- Cristiano, tenho um convite a
fazer a você...
- Diz o que é patrão, que não vou
perder a oportunidade por nada!
- Assim que se fala, Cristiano!
Escute, sabe aquela casa ali na curva perto do mercado do Toninho?
- Que casa, Frederico? Não me lembro
de ter visto casa alguma por ali... Aquele pedaço é deserto... E olhe que você
pode acreditar no que estou dizendo... Faço aquele caminho quase todas as
noites a pé
- Mas existe sim uma casa bem
naquela curva danada de brava. Há algum tempo, meu carro ficou preso na valeta
que existe lá e fui pedir ajuda nessa casa. Tem que ver que mulherada bonita
mora lá!
- Se é assim como você diz, já estou
até vendo a casa, patrão!
-
Sabia que você era o cara, Cristiano! Precisamos dar um jeito de ludibriar a
Ana e irmos qualquer noite dessas até lá... Você tem algum plano?
-
x -
Alguns dias depois, em uma noite de
lua cheia que, com sua luminosidade, deixava toda a minha imensa propriedade
quase às claras, sugerindo um contraste entre luz e sombra que realçava o formoso
desenho das copas das muitas árvores que há na Chácara Santa Rita, o celular de
Ana tocou:
- Quem é a uma hora dessas, Ana?
-indaguei, dissimulando um misto de dúvida e surpresa
- É o Cristiano, Frederico! Diz que
está passando muito mal... Dores fortes no peito... Precisa que você o leve com
urgência a algum hospital da cidade!
- Meu Deus! Fale a ele que já estou
subindo com o carro!
- Quer que eu lhe faça companhia,
Frederico?
- Numa hora dessas, gente demais só
atrapalha, Ana...
Desnecessário dizer que eu e
Cristiano transpomos eufóricos a porteira do sítio e não menos entusiasmados
estacionamos meu belo carro bem diante da casa da curva, desta feita tomando o
devido cuidado para não cairmos na armadilha da vala. Buzinei contagiado por um
louco frenesi, quando, então, saindo da casa escassamente iluminada veio nos
recepcionar Gisleine. Ao seu encalço, acorreram outras quatro moças, todas as
cinco de uma beleza simplesmente invulgar:
- Meu Deus, não era mesmo que tinha
uma casa bem aqui nessa curva, patrão! Podia jurar que era outra invenção dessa
sua cabeçona de escritor! Oi, belezocas! - foi logo se insinuando meu caseiro
As beldades não hesitaram nem um
pouco em irem nos abordando com beijos e afagos da mais crepitante lascívia,
enquanto languidamente nos puxavam para o interior da residência. Gisleine
visivelmente era a líder da trupe e foi de pronto dizendo:
- Aqui temos camas, mas só para
nossas visitas. O primeiro lugar que fazemos questão de mostrar aqui em casa é
o quarto onde dormimos. Vamos lá, garotões! Garanto que estão doidos para dar
uma espiada e quem sabe ganharem um algo mais...
O que vi quando a porta, rangendo estrondosamente,
se abriu, proporcionando a visão do interior do quarto, deixou-me atônito.
Cristiano, a seu turno, parecia inteiramente à vontade com o que seus olhos
matreiros testemunhavam, tanto que não descontinuara a orgia que principiava a
encetar com duas garotas que, desde nossa admissão à propriedade, não deixavam
de assediá-lo:
- Que surpresa eu e minhas meninas
preparamos para você, hein patrão?
- Mas não estou entendendo nada! Por
que esses cinco caixões no armário? Trata-se de alguma brincadeira?
- É só nosso cantinho de dormir,
querido... - segredou cinicamente Gisleine - Você não estava pensando que fazemos
naninha nessas camas bolorentas, não Fred? Essas camas aí são só para noviços
como você esticarem os ossinhos... e também para fazermos momô... Vamos, meu
amor, deite-se!
- Não quero, Gisleine! Gostaria de
ver o restante da casa...
Nesse ponto, Cristiano interrompe o
coito com uma das anfitriãs e anuncia, em voz de tétrica inflexão:
- Olha, patrão, armei tudo isso com
a Gisleine velha de guerra aqui só para fazer você feliz. Dava dó ver você
bater no peito todo santo dia lá em casa que era um imortal só porque já
escreveu uns livrinhos e faz parte desses depósitos de velharias, as tais
academias. Agora a Gisleine vai dar a você a imortalidade de verdade, patrão!
-
x -
Deixei a casa da curva duas horas
antes de raiar a aurora, não sem antes ouvir a recomendação expressa de que
voltasse em no máximo vinte e duas horas para recompor meu sangue. A
experiência no local sinistro deixara uma marca indelével em meu corpo - na
região da jugular, dois furos grandes produzidos por caninos à semelhança dos caninos
dos lobos não mais se fechariam.
Durante todo aquele dia, exigi de
Ana que consentisse eu permanecer na mais absoluta escuridão trancado até o
anoitecer no nosso quarto de casal. Minha noiva estranharia aquela mudança
brutal em minha rotina, eu que sempre me mostrara tão afeito ao trabalho. A
gota d'água veio por minha verdadeira insistência, tão logo caiu a noite, de
abandoná-la sozinha naquela imensa casa. De regresso de minha segunda incursão
pela casa da curva, já não encontrei minha querida Ana. Deixou-me de vez, sem
nem mesmo cobrar qualquer explicação.
Passo os dias totalmente às escuras
trancafiado em meu quarto. Escrevo este relato de dentro do caixão que mandei
encomendar e pedi a Cristiano que acomodasse da melhor forma em meu armário. Há
muito tempo fica aqui em pé.
Não que esta tenha sido uma decisão fácil, mas passei a
dormir assim porque deitando-me longa e preguiçosamente na cama não tardaram a
aparecer as feridas pelas costas todas.
Tenho que interromper essa história.
Suspeitando de algo estranho na Chácara Santa Rita, os evangélicos, neste ano
de 2080, legitimados pelo Congresso Nacional a moverem uma neo-inquisição
contra os pagãos irrompem em meu quarto com pontalete de madeira, cruz e alho.
É efetivamente meu fim, a não ser que, por conta da literatura, venha a ser
lembrado pelos tempos afora e quem sabe resgatem os leitores minh’alma dos
infernos.
Fernando
Catelan é
natural de Mogi das Cruzes-SP, tendo nascido a 7 de setembro de 1966, tendo,
portanto hoje 51 anos e 21 como escritor.
Judeu
não ortodoxo, de seu namoro com a judia Fernanda Gomes de Carvalho teve a
primogênita Vitória, também judia, hoje com 17 anos, sendo sua caçula de 7
anos, Mariah Ismaelita, de raça palestina já que fruto de seu casamento com a
árabe Selma Araújo Marfil.
Engenheiro Mecânico, empresário e
jornalista, pertence a 16 agremiações e academias de letras, artes e ciências
de peso e relevante prestígio, das quais uma no Uruguai e uma segunda nos EUA,
onde é IWA.
Catelan
fala 8 idiomas, e, além de outras 4 fraternidades, é maçom.
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