A FOME E A IRA DAS VINTE E UMA - Conto de Terror - Natanael Gomes de Alencar



A FOME E A IRA DAS VINTE E UMA
(Natanael Gomes de Alencar – classificado no Concurso Literário Bram Stoker de Contos de Terror)


Estela acordara naquela cidade sem saber como fora parar lá.

Só se lembrava de estar num ônibus que se dirigia à cidade de Registro, estado de São Paulo.

E de repente acordou ali, no leito de um quarto decorado à moda clássica romana. Uma cama de casal muito bem arrumada e cheirosa.

"Dormiu bem?"

A voz veio de um homem velho, vestido com um roupão de seda. Seu nome era Antoninho, filho de francês com brasileira. Era pálido, olhos pequenos, nariz aquilino, incisivos pontudos e tortos. Seu roupão era de um vermelho-sangue.

"Onde estou?"

"Na minha residência. Você precisava de um lugar para dormir. E eu disse que poderia ficar aqui."

"Não me lembro de nada disso."

"É verdade. Você deve ter bebido muito."

Ela se levantou, meio cambaleante. Foi até a janela de vidro.

Uma névoa muito densa iniciava seu domínio, mas ela enxergou alguma coisa.

O que viu deixou-a tão perplexa quanto ela ter surgido ali, sem lembrança do que a levara até aquele lugar.

"O que são aqueles?"

" Tá falando dos mausoléus?"

" É. Você mandou construí-los?"

" Sim, pra cada uma das minhas falecidas mulheres construí um."

" Você teve tantas mulheres assim?"

" Vinte e uma para ser exato."

" E todas morreram?"

" Infelizmente."

" Que Deus dê paz para elas e as liberte!"

Quando Estela expressou este desejo, uma força imperceptível começou a alterar o ambiente. Quem tivesse ouvidos apurados diria que alguma coisa estalou além, nos mausoléus.

" Estou um pouco tonta.."

" Durma então. Depois nos falamos."

Ele notou que logo ela estaria totalmente à sua mercê. Era só preparar o ambiente para a inoculação mortal.

Ajustava para ela o vigésimo segundo mausoléu. Gostava de possuir mulheres mortas. Mas antes armava, para cada uma delas, um casamento fictício, para o qual contratava sempre atores amadores, aos quais dava um fim posteriormente. 

E fazia questão que todas as meninas tivessem treze anos, fossem loiras, tivessem um metro e sessenta e cinco, e pesassem quarenta e oito quilos.
Antes da aplicação da injeção em Estela, resolveu tomar um banho. Terminado o banho, estava tão mole, tão fatigado, que resolveu tirar um cochilo, antes de fazer o que planejou. Olhou pro lado e gostou do que viu. Deitaria ao lado dela por alguns minutos, os últimos da vida da menina.

Para ele, foi uma noite incomum. Cheia de pesadelos. Sombras voejavam por sobre o quarto, asas estalavam na escuridão, fantasmas davam asas à liberdade da madrugada, antes que o galo cantasse.

Quando Antoninho acordou, de súbito, devido ao estrondo das aves das sombras, olhou com extremo susto à sua volta.

Estavam ali os fantasmas de suas vinte e uma esposas, que, sem perda de tempo, avançaram sobre a jugular de Antoninho e sugaram todo o seu sangue, após o que, incontinenti, o arrastaram para invisível abismo, ele aos gritos que ninguém no mundo dos vivos ouvia....nem dos mortos tampouco.

De manhãzinha, Estela despertou. A seu lado, Antoninho, de olhos esbugalhados e corpo seco, tornara-se um defunto, ou melhor, uma múmia, parecendo estar morto há séculos sem conta.

Natanael Gomes de Alencar nasceu em Cubatão – SP. Na década de 90, conheceu e colaborou com a Mirante – revista literária santista da qual ainda faz parte - e com a Revista Pégaso (também santista). Ainda nessa década, foi membro da Academia Petropolitana de Poesia Raul de Leôni, Petrópolis –RJ. Participou do Mapa Cultural Paulista, de alguns concursos regionais, e hoje faz parte da Casa do Poeta da Sociedade Amigos da Biblioteca – SAB - Municipal de Cubatão e declama poemas conhecidos e desconhecidos na TV Comunitária local – TV POLO.

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