HOMEM-POLVO - Conto de Terror - Tatiene dos Santos Evangelista



HOMEM-POLVO

(Tatiene dos Santos Evangelista – Menção Honrosa no Concurso Literário Bram Stoker de Contos de Terror)


A tripulação pulou no mar aberto, deixando seu comandante a mercê da coisa.

O homem encarcerado pela suposta doença, antes um dos meus, encarava-me com a rádula exposta e afiada, uma baba espumante escorrendo pela boca fétida. Cada membro de seu corpo se colorindo por um tom de amarelo e preto.

Vi a criatura se transformar. O que eram apenas dois braços modificados saindo de seu corpo, agora eram mais três e sua cabeça passava por uma fase de deformação medonha. Outros buracos se formavam em seu corpo para que três braços a mais pudessem se desenvolver.

Berrava.

Aqueles desgraçados deixaram-me aqui junto dos outros coitados já engolidos membro a membro pela fera marítima... Covardes!

Percebi que o dia escurecera mais cedo. O vento batia forte, as nuvens acinzentadas pousaram acima de nós. As ondas tornaram-se maiores, batendo no navio com destreza, me jogando para a outra extremidade, num ponto onde pude observar melhor que a criatura tornara-se colossal, deixando o velho navio aparentemente menor.

Pairava em mim, apesar das circunstâncias, a esperança de terra à vista, ou então, quem sabe, jogar-me na água gélida e um milagre acontecer.

Por um momento, meus pensamentos tortuosos foram interrompidos pelo fedor das tripas de alguns marujos, me embrulhando o estômago, amargando a boca.

O bicho horrendo se contorcia, soltava gemidos ensurdecedores. Porém, além do barulho, um chamado invadiu também meus ouvidos.

De dentro de minha cabine, um marujo gesticulava em minha direção, me chamando para o canto escondido, enquanto o outro homem, se assim ainda poderia dizer, se desintegrava ainda mais da forma humana.

Corri um tanto agachado até onde estava o companheiro. Sentei-me ao seu lado. Sua face amarelada, doentia, só não assustava mais que o monstro do outro lado. Observei-o melhor, descendo o olhar, vendo parte de sua perna arrancada e uma poça de sangue sendo arrastada pela água que adentrava ali.

Seus olhos angustiantes e arregalados pediam-me socorro, sobrando para tranquilizá-lo através de palavras reconfortantes e esperançosas.

Quando o marujo pareceu tentar me dizer algo, um estrondo me fez pular para o lado. Vi um tentáculo gigante quebrar a madeira e envolver o homem aos ares, onde gritou e foi abocanhado inteiro, sem pena alguma, pelo monstro.

Era imenso, o rei molusco. Oito braços, fileiras de ventosas claras, olhos raivosos me encarando e uma cabeça desproporcional, grandiosa que o deixava poderoso.

As ondas se tornaram mais íngremes e fortes. Ele se aproximava de mim devagar, fazendo que eu automaticamente desse passos assustados para trás, parando na vante da embarcação. Eu pularia. Seria uma morte menos pior.

Foi quando em meio à ventania e a chuva, o bicho lançou seus braços a esmo no navio o quebrando, a afundá-lo. Sentia a embarcação cada vez mais baixa em meios aos entulhos. Uma remessa de ondas nos atingiu e o navio foi envergando.

Mergulhei procurando por ar. Fiquei um tanto contente ao ver que a criatura havia sumido. Abriguei meus braços em uma madeira e me segurei. Mas uma sensação ruim me aterrorizou. Senti um corpo mole enrolar em meu tornozelo, subindo pouco mais, colocando força.

Fechei os olhos. Imaginei minha sala solitária, a tranquilidade ao degustar meu bom café forte, sentado na velha poltrona aconchegante. Foi assim que fui puxado pelo homem-polvo para as profundezas do oceano.

Tatiene dos Santos Evangelista é uma jovem de dezenove anos, residente do interior de São Paulo, que busca algum espaço no mundo editorial, a fim de contagiar as pessoas com suas histórias.



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