QUANDO ESCUTAMOS VOZES - Conto de Terror - Jurandir Araguaia
QUANDO
ESCUTAMOS VOZES
Jurandir
Araguaia
—Alguém
abra a porta!
Novamente batem palmas. Reforço minha ordem a
plenos pulmões:
—
Alguém abra a maldita porta!
Dou
por mim que estou sozinho. Estúpido. Todos saíram. Tão envolvido fiquei com
minha obra literária que nem me recordo da solidão. O vazio da casa, as paredes
descascadas e algumas teias de aranha, que tento afastar, parecem-me naturais.
Da janela da sala posso observar quem bate. Estico o pescoço entre as sombras
tentando não ser visto — seria mais fácil ignorar um pedinte inconveniente.
Vejo um vulto que me parece familiar. Aperto os olhos, que precisam de óculos,
para conferir a estranha figura. Afasto três passos para trás, terrificado.
Lembro-me da mesma sensação horrível de ouvir chamarem meu nome, quando
criança, e de verificar que não havia ninguém. Quando escutamos vozes é a morte
que nos chama, contavam os mais velhos.
—
Não pode ser, não pode ser.
Depois
de respirar fundo por alguns instantes, belisco meu braço para certificar-me de
que não é um sonho. Um suor gélido escorre pela testa. A pessoa insiste nas
palmas. Aproximo-me com calma e a figura confere com o meu pior pesadelo: meu
pai bate à porta.
—
Filho, abra, sei que está aí. Precisamos conversar. Filho! Filho!
Afasto-me, andando de costas até ser impedido
pela parede. Levo as mãos aos ouvidos até que a voz suma. Recordo então que,
todos os dias, à mesma hora, ele costuma voltar e bater buscando uma
reaproximação que não faz mais sentido.
Procuro
desesperadamente voltar à máquina de escrever e recomeço o conto sempre pelo
mesmo parágrafo que, todos os dias, desaparece como por encanto dos meus olhos.
—Quero
um café. Maria, o meu café! – Vou à cozinha e ela se encontra vazia e suja como
se há milênios ninguém passasse por ali.
—Não consigo nem mesmo um café na minha
própria casa. Que desaforo!
Volto
à máquina e penso em meu pai. Refresco a memória e me lembro que ele morrera há
anos. Não tenho tempo a perder com assombrações. Procuro um espelho. Todos da
casa deixaram de funcionar. Mostram apenas um cômodo vazio. Preciso falar com
minha esposa sobre isso. Sinto a sua falta. Por onde andará? Sei que deverá
voltar em breve, mas não me lembro quando partiu e nem quando meus filhos se
foram.
Não suporto mais viver rodeado por pensamentos
confusos. Enquanto reflito, meu pai volta a gritar:
—Filho,
abra! Precisamos conversar sobre a sua morte! Abra, por favor. Pare de sofrer!
Ignoro
aqueles gritos terríveis e volto à máquina tentando escrever um conto que nunca
passa do primeiro parágrafo...
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