A CARTA DE ALBERTO EDWIN - Conto de Terror - Luiz Poleto e Luciano Barreto
A CARTA DE ALBERTO EDWIN
Por
Luiz Poleto e Luciano Barreto
“Deverá, pois, quando for culpado numa
destas coisas, confessar aquilo em
que houver pecado.” – Levítico
5:5
Um homem caminhou até o confessionário e
ajoelhou-se. O padre, do outro lado, fez o sinal da cruz e quis ouvi-lo.
— Olá, padre. Meu nome é Ivan e quero lhe
falar algo. Mas não é relativo somente a mim.
— Ora, filho. Fale o que lhe couber. E o restante
a própria pessoa fala, se assim desejar. Ela está aí?
— Padre, por favor, ouça o que tenho a
dizer.
— Pois não, meu filho. – O pároco meneou a
cabeça afirmativamente dentro do tribunal de penitência. Ivan criou coragem com
um prolongado suspiro, fitou os olhos do religioso pelas quadrículas e começou
a relatar.
— É incrível como podemos nos arrepender de
atos cometidos, padre. Mesmo que seja um arrependimento coagido, por algo que
foge à capacidade humana de conceber como real. – Ivan cessou sua fala por
segundos, parecendo concentrar-se no que iria dizer. E assim o fez.
— Dizem que Alberto Edwin era louco. Não
era! Fui seu melhor amigo e pude perceber que era um homem de extrema
sensibilidade. Morreu há exatamente um mês. Ontem eu subi, pelas janelas do
vizinho, um paredão que cerceava sua casa e vi dois tijolos. Alberto gostava
muito de ficar naquele paredão, contemplando o horizonte. Era uma obra bem
larga e alta, comparando-se com paredes tradicionais. Mede quase um metro de largura
e ostenta mais de oito metros de altura. Ele era de família abastada, talvez o
senhor o conhecesse. Um sujeito um tanto esquecido para a realidade, mas não
era doido. Isso não. Era uma pessoa especial. E não era para viver nesta época.
Tudo terminou quando ele escreveu isto. – O penitente revelou um papel aos
olhos observadores do clérigo. — Seu último contato comigo. Embaixo dos tijolos
estava esta carta. Eis o escrito. – Ivan passou a missiva ao homem que o
escutava por fora do confessionário. — Leia
em voz alta, por favor. – O padre abriu o documento, lançou um rápido olhar nas
primeiras linhas e começou a ler.
Caro Ivan, o pessoal estava banhando-se na
piscina. Mas o céu está plúmbeo. Trovões ribombam vez por outra. Em poucos
segundos, todos se guarnecerão quando cair as primeiras gotas de chuva. Estou
aqui em cima do paredão. Estou sentado olhando o horizonte. Vi uma fila de
homens-cacto caminhando, macambúzios, o horizonte chuvoso. Vi seus semblantes
espinhosos. Pareciam sofrer. Não pelos espinhos que são inerentes à sua
natureza, mas por alguma situação que minha sensibilidade ainda não aventou
causa.
Amigo, lembra-se do Ohuthir? Se não, o
recordarei. É um guia. Um enviado para acompanhar certas pessoas ao mundo. Acho
que você já está se lembrando. Ele está do meu lado agora! Está falando ao meu
ouvido.
Ivan o interrompeu:
— O ser em questão, padre, era um que Edwin
jurava que o acompanhava, cuidando para que morresse da pior forma possível.
Isso ele me disse segurando meu ombro com extrema força, após descobrir a meta
do ignóbil acompanhante do outro mundo. Apesar de eu nunca tê-lo visto e nem
ele. Era apenas uma voz a qual se juntava a ele em alguns momentos. – Ivan
agora parecia um tanto atemorizado, pois trespassava os dedos por entre as
quadrículas, que o separava do homem de batina negra, e ostentava olhos
arregalados. — Mas como relatei antes, ele era muito astuto e nunca se enganara
nas confabulações maléficas de Ohuthir. Edwin tinha sede de vida! Apesar de
conhecer o que e saber de suas intenções, Edwin nunca deixou o Ohuthir ir
embora. Até criou um epíteto para ele: o esperto. Mesmo sabendo que estaria
fadado à derrota nas mãos de meu amigo, o ser invisível também nunca o
abandonou. Decerto cultivaram amizade. Se é que pode existir amizade entre um
pretendente a carrasco e um possível condenado. Continue padre, continue! O
interlocutor pigarreou e continuou. Ivan continuava com as mãos espraiadas e os
dedos vazando os pequeninos quadrados do confessionário.
O esperto disse que hoje eu deveria viajar
com ele. Imediatamente, indaguei se essa viagem era a morte. Ele negou. Mas
como confiar nele? Eu gosto de sua companhia, no entanto não confio nele. Acho
que tenho motivos para isso! Ele alegou
viagem para abstrair meus pensamentos. Torná-los mais filosóficos.
Desta vez aceitei. Intui verdade em suas
palavras. O esperto calou-se por segundos desconfiando de minha resposta. O
Ohuthir é muito limitado. Não possui sensibilidade alguma. Se possuísse saberia
que digo a verdade. Saberia que digo a verdade como ele a diz agora neste
convite para passear pelo mundo. Um passeio sem sair deste paredão. Um passeio
mental conduzido pela voz chirriada de uma entidade invisível. Ele pediu para
eu colocar os óculos. Indaguei-o que óculos? Mas quando desviei o olhar para o
lado direito, mesmo não o vendo, mas a voz vinha daquela direção, eu vi um par
de óculos redondos e antigos. O objeto recebia as primeiras gotas d´água.
Vesti-os e nesse momento as coisas
começaram a acontecer. Ventos principiaram perto de meus dois ouvidos e
sibilaram estranhos sons. Eu parecia mover-me a uma velocidade nauseante. Mas
pela visão periférica via que ainda estava no paredão, a receber a chuva caindo
do céu plúmbeo. Contudo me concentrei no movimento que em poucos segundos
tornou-se um vórtice nublado demais para meus olhos. Rapidamente cheguei a uma
vila. Havia pessoas nanicas correndo por um descampado poeirento. Elas nutriam
medo de alguma coisa. Tremiam sobre o chão seco daquele lugar. Ao que me consta
pareciam japoneses. Então ouvi tiros. Vários tiros. A realidade era tamanha que
tentei me proteger. Um exército brotou das matas secas. Uma investida
apavorante. Exterminou aquela multidão um tanto nanica e avançou pela planície.
Eu não sofrera nenhum arranhão.
Após a hecatombe, senti algo atrapalhando
minha visão. Pisquei os olhos e estava, outra vez, a encarar o vórtice brumoso.
Clarifiquei minha visão numa praça antiga. Homens ostentando chapéus de couro.
Uns sobre cavalos e outros a pé. Algumas
mulheres trajando enormes saias sobre bisonhas armações. Modelos bem antigos.
Escutei um alarido num coreto. As pessoas gritavam enfurecidas. No cavalgar dos
eqüinos e nos passos apressados das pessoas sobreveio uma poeira do chão. Havia
um cadafalso. Três homens estavam sobre o coreto. Dois encapuzados e um outro,
de barba hirsuta, que parecia comandar os trabalhos. Quando o barbudo fez um
movimento decidido com as mãos, espalmando-as para o ar. Um dos encapuzados
puxou violentamente uma ripa de madeira e o outro afundou num vão que surgiu a
partir do movimento. O homem desceu no buraco até a cintura. Ficou preso por
grossa corda através do pescoço. Para o deleite dos presentes, seu corpo
balançou já cadáver. O verdugo tirou o
capuz e, com horror em minha mente já bastante tresandada por aquela viagem
inoportuna, vi que o homem o qual executava o condenado não tinha cabeça.
Apenas um tétrico e imbecil pescoço que não terminava em nada. Os outros ao
redor pareciam não reparar aterrador detalhe.
Ouvi
a palavra “vamos” e o redemoinho reiniciou a frente de meus olhos adriçando
poeira do solo. Eu senti meu corpo leve. Em vão, tentava esbofetear as nuvens
que atrapalhavam minha visão e quando vi, esbofeteava areia grossa e quente.
Parei os movimentos, pois ouvi gritos. Olhei o horizonte, os homens-cacto ainda
caminhavam tristonhos sobre areia fofa. Eu estava num deserto. Meus olhos viram
e minhas mãos gelaram mesmo sob o forte sol daquele lugar. Uma menina, que mais
parecia um animal, com enorme língua bífida cuspia uma substância esbranquiçada
sobre um homem de meia-idade. Ele retrocedia a cada investida. Quando escutei
os gritos horrendos dela também eu retrocedi. Falava em vários idiomas frases
que não soube detalhar. Mas que, garanto, não eram aprazíveis. O sol ardia meu
corpo. Eles não me viram. Mas eu os via muito bem. E também via, assistindo a
cena sobrenatural, outro homem. Um homem gordo e peludo. Ele me viu, mas nada
gesticulou nem falou. Nisto a areia começou a levantar-se sob meus pés e fiquei
dentro de um tipo de tempestade de areia. Então novo vórtice começou. Era outra
viagem a algum lugar.
Agora tinha parado numa estrada. Parecia
bastante com os dias atuais. E creio que era. No máximo ano passado ou ano que
vem. Nevava demais. Era um posto de gasolina. Eu estava perto da bomba de
abastecimento quando apenas vi, e não li, frases escritas numa outra língua,
parecia usar letras do alfabeto cirílico. Desviei a atenção para um
motociclista que e pedia para o frentista velho e magro completar o tanque da
moto. O funcionário preparava a bomba de combustível, no entanto aproximou-se
um carro preto. Parou ao lado da moto e um homem magro apontou uma enorme
pistola cromada para o motociclista. Este somente levantou as mãos. Ouvi dez ou
onze tiros. Depois o carro arrancou e sumiu na estrada. O frentista havia se
escondido atrás de uma das bombas. Eu me escondi atrás de um mourão que
sustentava a cobertura. O homem da moto
agonizou duas vezes e morreu com a mão esticada. Ele apontava para o carro que
sumia no horizonte. Horizonte este que me mostrou, outra vez, os homens-cacto a
percorrem no crepúsculo cândido os contornos horizontais. E a imagem do homem
caído e do frentista tentando ajudá-lo girou nos meus olhos. Era outro
redemoinho do tempo.
O esperto havia me levado de volta ao
paredão ao lado de minha casa. Retirei os óculos e olhei a chuva tamborilando a
água da piscina.
Ivan, pensei nos problemas que o mundo tem.
Pensei na maldade do homem. Pensei na maldade das coisas sobrenaturais. Enfim
nada me agrada neste mundo. Vou pular do paredão. A voz do Ohuthir pediu para
eu tomar remédios. Ele além de meu amigo, deseja morte tranqüila para mim
agora. Quer que eu morra sem muita dor. Pediu para tomar remédio para dormir e
em seguida ingerir veneno de efeito tardio. Disse que eu estaria dormindo
quando morresse. Não quero. Quero sair deste corpo agora. Quero saber o que pode
vir para mim de melhor. Ou quero tentar tudo de novo com outras idéias. Minhas
atuais idéias não servem para este mundo. Daqui de cima posso mergulhar na
piscina. E se o fizer tenho chance de viver. Afinal ela é funda. A mãe, o pai e
a Ana gostam de nadar e não têm medo da profundidade. Mas meu mergulho será no
chão. Cabeça dura no chão duro não é mal, não é?Estou indo amigo. Pensando
melhor não sou tão cabeça dura assim, pois queria muito viver e agora quero
morrer. Cabeça dura ou não, vou pular. Esta carta vai ficar aqui no paredão
onde meus pais não conseguem chegar e a Ana tem medo de escalar as janelas do
vizinho para subir. Sei que você vai subir e pegar a carta. De alguma forma
você vai subir no paredão quando tudo se acalmar. Depois de meu enterro, bem
depois será o melhor momento. Mostre esta carta a um padre e peça para ele orar
por minha alma. E peça perdão por mim. Não a mostre a ninguém de minha família.
E se alguém perguntar a você que era meu único amigo diga que não cometi
suicídio. Diga que escorreguei do paredão. Não macule minha imagem. Não quero
ser lembrado como suicida!
O padre suspirou profundamente e estalou a
língua nos dentes em desaprovação à atitude do jovem. Depois garantiu ao
outro.
— Vou orar pela alma de Alberto. – Ivan
estava de cabeça baixa, mas as mãos ainda presas na divisão do confessionário.
Para o transtorno espiritual do padre, ele confessou:
— Padre, quero confidenciar que empurrei
Alberto do paredão. Escrevi esta mentirosa carta e toda esta estória é uma
farsa. Eu o matei. Planejava contar a mentira e depois revelar a verdade ao
senhor, pois há algo pior e o senhor precisava saber os detalhes de minha
mentira. – Ivan agora com as mãos encravadas na divisória do confessionário.
Estava irrequieto. Algo o aterrorizava.
— Deus do céu. O que pode ser pior que
isso? – Balbuciou o sacerdote, após colocar a mão trêmula na testa.
Subitamente, o homicida falou desesperado:
— Vou contar tudo! — O padre o interpelou
ante o inusitado grito.
— Meu filho, acalme-se. Ainda há algo que
eu deva saber? – Perguntou o outro em tom apaziguador.
Ele fitou os olhos do pároco, os dedos já
vertendo sangue pelas quadrículas, e rogou com assombro:
— Ore pela minha alma, também. Por isso vim
aqui. A mentira tornou-se realidade! Há dois dias, uma voz, num tom
perturbador, vive a me atormentar sussurrando destinos tétricos para minha
vida. – O padre arrepiou-se ao ouvir aquela frase. O penitente, ainda
exasperado, citou que homens-cacto o espreitam das profundezas de qualquer
escuridão onde ele estivesse perto. Talvez o sacerdote, antes de saber o motivo
que o impelira a se confessar, fosse dizer que o sincero arrependimento poderia
salvá-lo, entretanto, com uma voz que de serena passou a assumir um tom tétrico,
disse:
— Acalme-se, meu filho. Talvez seja a hora
de fazermos uma pequena viagem.
Ao ouvir estas palavras, Ivan
desequilibrou-se e caiu sentado ao chão, lançando um olhar assustado e com
desespero visível em direção à pequena cabine que outrora encontrava-se o
padre.
— Esta voz, não é possível…
Antes que pudesse terminar de proferir sua
frase, o padre caminhou em direção a Ivan, que não pode conter um gemido de
espanto ao ver que não havia ali nenhum padre. O que estava parado de pé a sua
frente era a figura que assolava seus sonhos, um homem-cacto, imponente em suas
formas assustadoras. Ivan levantou-se e correu em direção à saída da igreja,
ainda sem acreditar na visão que o assolava. Ao abrir a porta, uma nova onda de
terror invadiu seu corpo: a pequena rua que o levara até a igreja não mais
estava ali. Em seu lugar, um imenso descampado, com o horizonte a perder de
vista, banhado por um céu vermelho que refletia sua dura cor por todos aqueles
parsecs de distância.
— Não há saída, Ivan. Volte e venha comigo.
Mas Ivan não pretendia juntar-se ao
homem-cacto. Deu o primeiro passo, mas recuou, jogando o corpo para trás e
caindo sentado na porta da igreja. Logo abaixo dos três pequenos degraus, Ivan
pôde ver que não havia chão. Um imenso abismo, tomado por uma escuridão que
parecia viva, estendia-se a perder de vista. Olhando mais atentamente, Ivan viu
cabeças sem rosto, mãos, braços, olhos que expressavam agonia e sofrimento,
todos movendo-se aleatoriamente e criando uma dança infernal que por um momento
ofuscou sua vista.
Com medo, à medida que a criatura se aproximava
dele, Ivan chorou; não havia saída. Foi agarrado pelo homem-cacto, e sentiu sua
carne perfurada pela enorme quantidade de espinhos que saíam de seu corpo, e,
sentindo o sangue escorrer, foi arremessado ao abismo, junto com a criatura.
E fez-se a escuridão. Quando abriu os olhos, Ivan ainda estava em
queda livre, o que fez com que seu estômago virasse do avesso. Agarrado ao seu
corpo, ainda estava o homem-cacto; que emitia sons guturais do que parecia ser
sua boca. Ao seu lado, milhares de braços e mãos tentavam desesperadamente
agarrá-lo, sem sucesso. E novamente, Ivan desmaiou.
Acordou sobre um monte de terra, escura e
com um odor pútrido, parecia que havia caído sobre uma centena de corpos em
estado avançado de decomposição. Quando seu estômago voltou ao lugar e sua
cabeça parou de rodar, Ivan olhou ao redor, e estava no que parecia ser uma
pequena ilhota, perdida em meio a um imenso oceano de sangue. Em um ponto
distante, percebeu que havia o que parecia ser um corpo caído, totalmente
inerte; não havia nenhum sinal do homem-cacto. Cautelosamente, Ivan
aproximou-se do corpo, que estava em avançado estado de decomposição, e ficou
ali, fitando-o. Seus olhos encheram-se de lágrimas quando reconheceu aquele que
ali jazia: Alberto Edwin. Suas pernas cambalearam, e sua força o abandonou por
um momento. Sem poder evitar, caiu sentado.
Novamente, Ivan despertou do que parecia
ser o seu pior pesadelo, e voltou a fitar o corpo de Alberto. Não conseguia
formular qualquer teoria em sua cabeça sobre o que havia acontecido. “Estaria
eu no fundo do paredão?”, pensou.
— Sim, Ivan, estamos no fundo do paredão. É
aqui que passado e presente se encontram; vida e morte chocam-se em uma
explosão cósmica.
Ivan deu um pulo, coração acelerado e
respiração intensa. Olhou para o corpo de Alberto, e eis que este estava de pé
à sua frente, encarando-o, embora seus olhos já tivessem sido comidos há
tempos.
— Alberto? Mas como? O
que está acontecendo? — Perguntou, intrigado e ainda tomado pelo pavor.
— Não percebe? Você nos
matou quando pulou do paredão. A sua tentativa desesperada de livrar-se do
Esperto culminou com a nossa morte.
— Nossa morte? Não
entendo. Eu empurrei você! — Ivan estava agora mais curioso do que nunca.
— Não Ivan, você, nos
empurrou. Eu sou você, sempre fui parte de sua mente. — Alberto pronunciava
estas palavras da forma mais tranquila do mundo.
— Não é possível! Eu
empurrei você para que parasse de sofrer com o Esperto. — Ivan estava agora aos
berros.
— Sim, Ivan, tem razão.
Você me empurrou, e ao fazê-lo, empurrou também a si mesmo, e ao Esperto. Somos
todos frutos de sua mente doentia.
— Não! Não é verdade! E
vou provar matando-o mais uma vez.
Ivan correu para cima do cadáver de
Alberto, arremessando-o naquele mar impuro. Ao longe, habitando pequenas
ilhotas, homens-cacto observavam calmamente, como se estivessem esperando pelo
momento certo.
O corpo de Alberto boiou por um momento,
para depois dirigir-se às profundezas daquele mar cor de sangue. E, por um
momento, Ivan sentiu uma certa leveza em seu interior, como se houvesse
livrado-se de algum peso que há muito o atormentava. E o esperto, que antes o
atormentava, também havia calado-se. Mas os homens-cacto, que antes
espreitavam, agora dirigiam-se para cima de Ivan, como se estivessem flutuando
sobre a água. Desesperado, Ivan tentou correr, mas a ilha não era grande o
suficiente. Desesperado, começou a gritar, um grito histérico, amedrontado; e os
homens-cacto chegaram mais perto, começando a furá-lo com seus imensos
espinhos. O sangue já escorria por todo o seu corpo quando perdeu os sentidos,
e desmaiou.
Quando acordou, Ivan estava deitado em uma
cama, vestido com roupas de hospital; ao seu lado, um homem o encarava de forma
curiosa e ao mesmo tempo espantada.
— Andou se auto-flagelando novamente, Ivan?
— Perguntou o homem, que parecia ser um médico.
— Não, senhor — respondeu Ivan, com a voz
cansada.
— Então por que os incontáveis furos em seu
corpo?
— Foram os homens-cacto, senhor. Os que
acabei de lhe contar; os mesmos que assolavam meu amigo Alberto. Acabei de
relatar a carta que ele me deixou. O senhor não se lembra?
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