O MELHOR PRESENTE - Conto Clássico de Terror - Clemente Palma
O MELHOR PRESENTE
Clemente
Palma
(1872
- 1946)
No
fundo da choça humilde estava a cama tosca da camponesa enferma... Sua pálida
cabeça se perdia entre os travesseiros e, amorosa, com a santa ternura de todas
as fêmeas por seus filhotes, amamentava o recém-nascido, belo e robusto como um
São João.
O
pai se vestia com as roupas domingueiras. Sua mulher o fitava, fixando nele
seus olhos de lassa expressão, e depois beijava, sorrindo, o pequerrucho.
Nevava. A noite era escura, apesar da fosforescência cinzenta da geada.
Todavia, o bom lavrador se aprontava cuidadosamente, como um jovem pretendente
que se prepara para o encontro com uma amada aristocrática. E ajeitava-se,
porque ia procurar a Rainha das Fadas, que se oferecera para ser a madrinha de
seu filho.
****
Cinco
meses antes, numa tarde em que foi, como de costume, ao bosque cortar
azinheiras, salvou uma cerva perseguida de perto por um lobo: com destreza,
lançou o seu machado à cabeça da fera e a matou. Grande foi o seu assombro ao
ver que a cerva se converteu em uma belíssima dama, ricamente vestida, que
aproximou e lhe disse:
—
Eu te agradeço, lenhador, pelo serviço que me prestaste. Sou a Rainha das
Fadas. Quando nascer o teu filho, dele eu serei a madrinha. E eu e as minhas
companheiras lhe daremos dons. Toma este galhinho de sabugueiro e, quando
nascer o menino, vem à noite, neste mesmo bosque, e bate com o galho em cada
árvore. De cada uma sairá uma Fada. A árvore mais antiga e robusta tocarás para
chamar-me. Adeus.
O
lenhador contou à sua mulher o que havia acontecido. Passaram-se os cinco meses
e, numa manhã, nasceu-lhe o filho.
****
Regressou
do bosque contentíssimo: havia tocado uma multidão de azinheiras e delas haviam
saído inúmeras fadas. Só que tocou,
equivocadamente, um pinheiro. Dele saiu uma Fada de negro, mas muito bela e
ricamente vestida.
Mal
cabiam na cabana. Prestaram obsequiosa atenção à enferma e se agruparam em
torno de seu leito. A Fada de negro permaneceu imóvel num canto.
— Eu te farei amado
pelas mulheres! — disse a Rainha das Fadas e deu um beijo na fronte do menino.
— Eu te darei Riquezas.
— Farei de ti Rei.
— Eu te darei a Força.
— Eu, a Coragem.
Todas
presenteavam o menino com um dom e o beijavam. Só a Fada de Negro se manteve
imóvel em seu canto.
—
Senhora — disse-lhe o lenhador, suplicante —, não quereis favorecer o meu
filho?
—
Veja bem, bom homem — respondeu com voz lúgubre; seus olhos brilhavam
estranhamente —, eu posso dar a teu filho a Sorte, a Felicidade, dons com os
quais as minhas colegas não o presentearam. Posso impedir que ele sofra as
mordeduras da Dor. Mas posso fazer-lhe o obséquio mais valioso para um homem.
Queres que eu o faça? Tu o exiges?
— Oh, senhora, eu vos
peço de joelhos!
— Bem, eu vou
satisfazer ao teu pedido — disse, sorrindo, a Fada de Negro, acercando-se do
menino.
As
demais fadas abriram-lhe passo. Então ela tomou para si o infante que, ao
sentir o frio de suas mãos, chorou. Beijou-o na fronte e depois... depois o
estrangulou.
Havia
dado ao menino o melhor presente: a morte.
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