HISTÓRIA DE UM MARIDO ASSASSINADO - Conto Clássico de Terror - Charles Nodier
HISTÓRIA DE UM MARIDO ASSASSINADO
Que retornou da morte em busca de
vingança.
Por
Charles Nodier
(1780
– 1844)
Tradução
de Paulo Soriano
O
Sr. de la Courtinière, um fidalgo bretão, passava a maior parte de seu tempo
caçando em seus bosques e visitando os amigos.
Certa feita, acolheu em seu castelo vários senhores, vizinhos e
parentes, e os tratou magnificamente por três ou quatro dias. Quando os
convivas partiram, travou-se uma pequena discussão entre o Sr. de la Courtinière e sua esposa: considerava o
cavalheiro que a sua consorte não tratara cortesmente os convidados. Ele,
todavia, admoestou-a com palavras gentis e sinceras, que não deveriam tê-la
irritado. Mas esta senhora, sendo de arrogante índole, não respondeu. Resolveu,
contudo, intimamente, partir para a vingança.
Naquela
noite, o Sr. de la Courtinière, muito cansado, recolheu-se duas horas antes do
habitual. Adormeceu profundamente. Chegando a hora em que costumava deitar-se,
a dama percebeu que o marido estava mergulhado num sono profundo. Considerou,
pois, que o momento era favorável à vingança que vinha elucubrando, tanto em
razão disputa que acabara de ter com o marido, como, talvez, por conta de
alguma antiga hostilidade. Empregou, assim, todos os esforços na sedução de uma
doméstica e de uma serva, sabendo que ambas eram fáceis de corromper por meio
de generosas recompensas.
Depois
de extrair das serviçais, mediante ameaças e terríveis sermões, a garantia de
que manteriam segredo, a senhora lhes anunciou suas intenções criminosas. E
para fazê-las condescender, deu a cada uma a soma de seiscentos francos, que a
aceitaram. Feito isso, as três — primeiro a senhora — entraram no cômodo onde o
marido descansava. E como na casa todos dormiam, abateram a vítima sem serem
escutadas. Então, levaram o corpo a um dos porões do castelo, cavaram uma cova
e lá sepultaram o senhor. E para evitar qualquer sinal de terra recentemente
revolvida, colocaram um barril cheio de carne de porco salgada sobre a tumba.
Depois disso, foram para a cama.
No
dia seguinte, os demais servos, dando falta de seu amo, perguntaram se ele
estava doente. A senhora disse-lhes que um de seus amigos viera buscá-lo, na
noite anterior, para levá-lo, às pressas, para fazer as pazes de dois
gentis-homens que estavam prestes a duelarem. Este subterfúgio funcionou por um
tempo. Mas, transcorridos quinze dias sem que o Sr. de la Courtinière
retornasse ao castelo, começaram a ficar preocupados. A viúva espalhou o boato
de que soubera que seu marido havia sido surpreendido, ao atravessar um bosque,
por salteadores, sendo por eles assassinado. Depois, vestiu-se de luto,
manifestou lamentos fingidos, e ordenou que se fizessem, nas paróquias de seus
domínios, serviços fúnebres e orações pelo repouso da alma do falecido senhor.
Todos
os parentes e vizinhos vieram confortá-la, e ela tão bem fingiu o sofrimento,
que ninguém jamais teria descoberto o seu crime, se o céu não permitisse que
ele fosse revelado.
O
falecido tinha um irmão que ocasionalmente vinha ver sua cunhada, tanto para
distraí-la de suas supostas dores, quanto para cuidar dos assuntos e os
interesses dos quatro filhos menores do falecido. Um dia, por volta das quatro ou
cinco horas da tarde, passeava ele pelo jardim do castelo, quando, estando a
contemplar um canteiro de flores adornado com lindas tulipas e outras flores
raras que seu irmão em vida tanto amara, experimentou um súbito sangramento do
nariz. Isto o surpreendeu sobremaneira, porque nunca havia acontecido antes.
Naquele momento, ele pensou intensamente em seu irmão. Pareceu-lhe ver a sombra
do Sr. de la Courtinière a lhe fazer um gesto com a mão, como se o chamasse.
Não sentiu medo. Seguiu o espectro até o porão da casa, e o viu desaparecer
precisamente na cova onde havia sido enterrado. Este prodígio despertou-lhe
suspeitas do crime cometido. Para ter certeza disto, contou o que acabara de
ver à cunhada. A dama empalideceu, o rosto transfigurou-se e ela pôs-se a
balbuciar palavras de todo desconexas. As suspeitas do irmão ampliaram-se com
aquela perturbação de espírito. Então, ele pediu para que cavassem no lugar
onde vira desaparecer o fantasma. A viúva, de repente aterrorizada por essa
súbita resolução, esforçou-se por se controlar. Forjou um semblante firme,
zombou da aparição e tentou apaziguar a ansiedade do cunhado. Disse-lhe que, se
ele se vangloriasse de semelhante visão, todos ririam dele, e ele se tornaria
motivo de chacota geral.
Mas
todos esses discursos não lograram desviá-lo de seu propósito. Ele ordenou que
escavassem o porão na presença de testemunhas. O cadáver de seu irmão,
semicorrompido, foi encontrado. O corpo foi exumado e o juiz de
Quimper-Corentin o reconheceu. A viúva foi presa juntamente com as serviçais e
as três criminosas foram condenadas à morte na fogueira. Todos os bens da
senhora foram confiscados e empregadas em obras piedosas.
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